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Empreendedorismo

Ouvindo o mercado

Startups apoiadas pela FAPESP recebem treinamento para elaboração de planos de negócio

Fapesp-Provazi-0616-FinalNELSON PROVAZIA DPR Engenharia, startup fundada em 2008 na incubadora de empresas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), precisou alterar radicalmente o modelo de negócio de uma nova tecnologia, sob pena de não conseguir inseri-la no mercado. A mudança aconteceu durante o programa FAPESP-Pipe High-Tech Entrepreneurial Training Program, realizado entre março e maio deste ano, com empresas que participam do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da Fundação. Desde o final do ano passado, a empresa desenvolve um software de simulação computacional para avaliar a dimensão de dutos de petróleo submarinos e prevenir danos causados pelo fenômeno das vibrações induzidas por vórtices – movimentos na água provocados pelas correntes marinhas, que geram tensões capazes de causar a ruptura de tubulações. Os sócios da empresa acreditavam que a ferramenta atenderia a demandas de companhias de perfuração de poços, mas não foi isso que ocorreu. Após a rea-lização de consultas com potenciais clientes, constataram que o segmento não tinha interesse pelo produto. “Foi frustrante”, diz o engenheiro Denis Antonio Shiguemoto, um dos fundadores da DPR. De acordo com o engenheiro, a justificativa de alguns empresários foi de que o custo de manutenção é muito baixo quando comparado com o custo de operação da sonda. “Portanto, sairia mais barato as empresas continuarem fazendo manutenções regulares, quando necessárias, do que utilizar nosso sistema”, explica.

Porém a frustração durou pouco. Ao entrar em contato com outras empresas do setor, Shiguemoto e seu sócio, o engenheiro Raphael Issamu Tsukada, enxergaram a oportunidade de aplicar a tecnologia em outro segmento. “Ao contrário da perfuração de poços, a produção de petróleo utiliza tubulações por mais de 20 anos, o que as torna mais suscetíveis ao desgaste a longo prazo. Nesse caso, as empresas produtoras de petróleo poderiam se interessar pela nossa tecnologia”, explica Shiguemoto.

A DPR é uma das 21 startups que participaram da primeira edição do treinamento, oferecido pela FAPESP em parceria com a Universidade George Washington (GWU, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, com a finalidade de encontrar um modelo de negócio eficaz para as tecnologias desenvolvidas com apoio do programa Pipe. Ao longo de sete semanas, as empresas foram estimuladas a realizar entrevistas com potenciais clientes, parceiros e concorrentes, com o objetivo de compreender suas demandas, obstáculos e problemas. No total, foram realizadas 1.729 entrevistas. “Identificamos que a principal dificuldade encontrada pelas startups é, quase sempre, saber identificar o tipo de cliente para sua tecnologia e se realmente o produto atende a uma necessidade específica do mercado”, diz Fabio Kon, professor do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Coordenação Adjunta – Pesquisa para Inovação da FAPESP.

O programa utiliza uma metodologia chamada Customer Development, elaborada por Steve Blank, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley e fundador de várias startups no Vale do Silício, nos Estados Unidos. De acordo com ele, muitas empresas desenvolvem tecnologias e definem um modelo de negócio com base apenas em suposições sobre o mercado. “A finalidade é orientar empreendedores e pesquisadores a enfrentar os desafios do mundo real”, afirma Daniel Kunitz, diretor do programa de treinamento pela GWU. Shiguemoto reconhece que, antes do curso, não tinha o costume de realizar entrevistas com potenciais clientes. “Confiávamos na nossa percepção. Dávamos mais atenção ao desenvolvimento tecnológico em si, deixando em segundo plano o mercado”, diz.

Instrutores da Universidade George Washington na sede da FAPESP: enfrentando as dificuldades

PHELIPE JANNING/AGÊNCIA FAPESP Instrutores da Universidade George Washington na sede da FAPESP: enfrentando as dificuldadesPHELIPE JANNING/AGÊNCIA FAPESP

Mapa do negócio
Depois da seleção feita pela área de pesquisa para inovação da FAPESP, cada empresa montou uma equipe composta por um pesquisador principal, um representante da área de negócios e um mentor externo, indicado pela Fundação a partir de uma lista de executivos com experiência em grandes empresas e startups no estado de São Paulo. Os times prepararam um Business Model Canvas, um mapa descrevendo os principais elementos do modelo de negócio do produto inovador que a empresa pretende comercializar. Depois, foi realizado um encontro de três dias na sede da FAPESP, em que os instrutores norte-americanos deram recomendações de como realizar as entrevistas de forma sistemática e incorporar as respostas aos modelos de negócio. Após essa etapa, cada startup fez cerca de 100 entrevistas com potenciais clientes. A FAPESP disponibilizou R$ 10 mil para cada time. O recurso foi usado, por exemplo, na cobertura de custos de viagens para conhecer possíveis clientes. A DPR aplicou parte da verba para participar de uma feira internacional do setor de petróleo e gás na cidade de Houston, nos Estados Unidos. “Foi importante porque cerca de 2.800 empresas participaram do evento. Conseguimos conversar com mais de 50 pessoas em apenas três dias e foi lá que percebemos a necessidade de mudar o rumo de nosso plano de negócios”, conta Shiguemoto.

No decorrer das semanas, o desempenho das empresas foi acompanhado de perto por três instrutores da GWU e três instrutores-adjuntos da FAPESP. Eles acessavam uma plataforma on-line com informações sobre as entrevistas submetidas pelos participantes do programa. Em videoconferências semanais, foi possível discutir particularmente cada caso e apontar falhas e acertos. “Os instrutores foram rigorosos. Houve uma semana em que não conseguimos realizar muitas entrevistas e levamos um puxão de orelha”, conta Silvia Mayumi Takey, sócia da DEV Tecnologia, startup criada em 2013 no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), em São Paulo. Assim como a DPR Engenharia, a DEV também mudou o foco de seu modelo de negócios após passar pelo treinamento. A empresa desenvolveu um dispositivo que coleta dados sobre o funcionamento de máquinas industriais e os disponibiliza em uma plataforma on-line. A tecnologia poderá facilitar o monitoramento em tempo real de equipamentos industriais a fim de identificar defeitos e falhas. “Acreditávamos que esse sistema poderia atender ao mercado de fabricantes de máquinas. Mas, quando entrevistamos representantes dessas empresas, descobrimos que eles não tinham interesse em adotar a tecnologia”, conta Silvia Takey.

Seguindo os conselhos dos instrutores, a DEV direcionou o produto para outros possíveis clientes. “Ao conversar com usuários de máquinas, como gerentes industriais de empresas de alta produção, como alimentos e bebidas, soubemos que havia um interesse da parte deles em obter nossa tecnologia para acessar informações específicas da linha de produção de maneira mais ágil e simples”, afirma Silvia, que tinha pouca familiaridade com as metodologias propostas no treinamento. “A realização de entrevistas evita que a empresa gaste tempo com estratégias que depois podem dar errado. É uma forma de diminuir os riscos em torno de um novo projeto”, avalia.

A startup DPR desenvolveu um software para a área de perfurações de poços de petróleo, mas durante o treinamento detectou que as simulações computacionais desenvolvidas pela empresa têm mais chances no mercado de produção de óleo e gás

PETROBRASA startup DPR desenvolveu um software para a área de perfurações de poços de petróleo, mas durante o treinamento detectou que as simulações computacionais desenvolvidas pela empresa têm mais chances no mercado de produção de óleo e gásPETROBRAS

Dimensão do mercado
Na avaliação do norte-americano Daniel Gordon, um dos instrutores do programa, a realização do treinamento no Brasil apresentou saldo positivo. “Apesar das recentes dificuldades econômicas enfrentadas pelo país, as startups brasileiras têm à disposição um grande mercado interno, que favorece novos empreendimentos”, diz. “A equipe da Universidade George Washington tem experiência para ajudar empresários a dimensionar suas perspectivas de negócio. No meu caso, nos últimos 12 anos, tive contato com mais de 10 mil planos de negócio”, diz Gordon, ao explicar que a atividade realizada no Brasil é similar ao I-Corps, programa que busca incentivar o desenvolvimento de um ecossistema empresarial inovador nos Estados Unidos.

A iniciativa surgiu quando a National Science Foundation (NSF), uma das principais agências norte-americanas de apoio à pesquisa, verificou há quatro anos que startups apoiadas por meio do programa Small Business Innovation Research (SBIR) estavam apresentando dificuldades para elaborar seus planos de negócio. O I-Corps foi criado em conjunto com instituições de pesquisa que oferecem treinamento nessa área, entre elas a GWU, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Universidade Stanford. O programa fez sucesso e, no ano passado, começou a ser exportado para outros países, como México, Coreia do Sul e Japão. “O Pipe foi inspirado no SBIR e também enfrentamos o desafio de estimular a visão de mercado entre as startups. A FAPESP procurou a GWU e firmou um convênio para trazer o programa a São Paulo. A FAPESP está absorvendo esse conhecimento e possivelmente será capaz de oferecer seu próprio treinamento no futuro”, explica Fabio Kon.

O treinamento não se aplica apenas a startups com dificuldade para fixar um modelo de negócio. Mesmo aquelas com alguma experiência no assunto podem se beneficiar dos cursos. É o caso da SmarToys, startup com sede em Sorocaba (SP), voltada à produção de brinquedos inteligentes. “Já tínhamos experiência na realização de entrevistas para identificar potenciais clientes de forma ágil e entender o mercado. Mas, com o treinamento, conseguimos expandir nosso escopo, conversar com mais parceiros e ter uma visão mais ampla do mercado”, diz Alexandre Alvaro, pesquisador da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e fundador da empresa. Com base em pesquisas na área de tecnologia da informação (TI), a SmarToys desenvolve brinquedos tecnológicos. Um deles, já na fase de protótipo, é um bicho de pelúcia que pretende facilitar a comunicação entre pais e filhos. Ele vem acoplado a uma tela interativa, como a de um tablet, pela qual a criança pode gravar sons, trocar mensagens com os pais, que ficam conectados ao brinquedo por meio de um aplicativo instalado no celular, e também ouvir músicas e assistir a vídeos de conteúdo educativo. “O mercado de brinquedos é composto por vários atores. Por isso, nossas entrevistas envolveram não apenas pais e filhos, mas também todo o segmento de brinquedos. É uma relação complexa, e isso será levado em consideração na nossa estratégia daqui para frente”, afirma Alvaro.

Projetos
1. Desenvolvimento de um programa para previsão do movimento por vórtices (vim) em boias submersas utilizando uma abordagem empírica (nº 2012/50440-4); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Raphael Issamu Tsukada (DPR Engenharia); Investimento R$ 42.498,89.
2. Aplicação de tecnologia de internet das coisas para viabilização de sistemas produto-serviço (PSS) (nº 2014/50568-6); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisadora responsável Silvia Mayumi Takey (DEV Tecnologia); Investimento R$ 50.766,24.
3. Brinquedos conectados inteligentes (nº 2015/01085-5); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Paulo Tadeu Matheus de Camargo (SmarToys); Investimento R$ 119.696,35.

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