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INSTITUIÇÃO

Química da inovação

Instituto de Araraquara é destaque entre as unidades da Unesp em ciência aplicada e parcerias com empresas

AbreUnespDivulgação UNESP e LÉO RAMOSInstituto de Química (IQ) de Araraquara é reconhecido entre as unidades que compõem a Universidade Estadual Paulista (Unesp) como uma referência em aplicações da ciência e em inovação. Pesquisas sobre novos materiais, algumas das quais feitas em parceria com empresas, e estudos sobre a química de produtos naturais ampliaram a produção científica e a inserção internacional do instituto, cujas origens nos anos 1960 remontam à criação do primeiro curso de graduação de química no interior paulista. “Ao longo de nossa trajetória, também reunimos uma massa crítica que garantiu excelência ao nosso programa de pós-graduação em química, em pé de igualdade com os programas da USP e da Unicamp”, afirma Leonardo Pezza, atual diretor do IQ.

A criação, em 1988, do Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec) foi um catalisador da experiência do instituto em novos materiais. O Liec surgiu de uma parceria entre o grupo do físico José Arana Varela, professor do IQ, com dois colegas que na época estavam na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Elson Longo e Luiz Otávio Bulhões. O laboratório se especializou no desenvolvimento de materiais como argila para louças e peças artesanais, revestimentos de fornos da indústria siderúrgica, pisos, azulejos, sensores e semicondutores. “Eu trabalhava com fármacos e o José Arana Varela me transformou num tijoleiro. Fui para o Liec trabalhar com cerâmicas”, conta Elson Longo, referindo-se ao amigo de mais de seis décadas, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, que morreu no dia 17 de maio.

Com sede na Unesp e na UFSCar, o Liec fez parcerias com dezenas de empresas e criou, por exemplo, revestimentos e materiais para a indústria siderúrgica. A colaboração com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) rendeu mais de 40 projetos envolvendo novos processos e desenvolvimento de materiais refratários. Um entre vários exemplos foi o uso de revestimento refratário de magnésio e carbono no chamado carro torpedo, encarregado de transportar o ferro-gusa líquido retirado dos altos-fornos. O uso do material diminuiu a perda de calor durante o transporte e permitiu a quase duplicação da carga transportada. Outra parceria, esta com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Metais (CBMM), viabilizou a construção do prédio do Liec. Entre as empresas com as quais o laboratório manteve colaborações figuram a White Martins e a Faber-Castell, além de grupos de pequenas e médias indústrias em polos cerâmicos de cidades paulistas como Porto Ferreira, Santa Gertrudes e Pedreira. “Graças à nossa interação com indústrias, conseguimos recursos e pudemos comprar equipamentos sofisticados. Isso nos colocou em condições de conduzir pesquisa de alto nível e semear boas colaborações com grupos internacionais”, diz Elson Longo, que há nove anos deixou a UFSCar e integrou-se ao IQ de Araraquara, onde havia feito a graduação, nos anos 1960. O Liec se destaca também em produção científica. A última edição do Webometrics Ranking of World Universities apontou os cientistas brasileiros mais citados de acordo com o Google Scholar Citations (GSC), indexador acadêmico do Google. Elson Longo e José Arana Varela são, respectivamente, o segundo e o terceiro pesquisadores da Unesp com maior índice de citações, atrás apenas do físico Sérgio Novaes, do Instituto de Física Teórica, que trabalha no projeto internacional do Grande Colisor de Hadrons (LHC), na França. Na comparação entre pesquisadores brasileiros, Longo é o 25º mais citado do país e Varela, o 35º.

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Em 2001, os pesquisadores ligados ao Liec foram contemplados no primeiro edital dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP, programa que financia por até 11 anos equipes de pesquisadores, trabalhando na fronteira do conhecimento e com vocação para transferir tecnologia para a sociedade e o setor produtivo. Já no segundo edital do Cepid, em 2013, o Centro Multidisciplinar para Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos foi reformulado para se tornar o Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais, com foco em materiais nanoestruturados, talhados para solucionar problemas relacionados a energia, saúde e meio ambiente.

Outra linha de pesquisa de destaque no Instituto de Química envolve o Laboratório de Materiais Fotônicos (Lamf). O grupo surgiu em 1994, graças a uma parceria entre os químicos Sidney Ribeiro, que acabara de concluir seu doutorado, e Younès Messaddeq, marroquino com formação na França que fazia um estágio de pós-doutorado em São Carlos. Hoje ambos são professores do IQ. Um dos marcos da atuação do laboratório foi a chegada de um equipamento capaz de fabricar fibras ópticas, doado pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD) da Telebrás, em Campinas, em 1998. “Para nosso grupo foi maravilhoso, pois propiciou entrarmos num circuito de pesquisa de nível internacional”, diz Ribeiro. O grupo trabalha hoje com polímeros naturais, fibras ópticas e filmes finos, além de marcadores luminescentes para medicina. Em 2005, o laboratório desenvolveu um tipo de material vítreo, produzido com alta concentração de óxido de tungstênio, capaz de armazenar informações em três dimensões (ver Pesquisa FAPESP nº 112). Recentemente, outra pesquisa do Lamf rendeu um artigo científico sobre o desenvolvimento de um dispositivo flexível capaz de emitir luz. Sua matéria-prima são dois polímeros de fontes naturais – celulose produzida por bactérias e poliuretano – com potencial para ser usado em telas de computador. A pesquisa foi feita em colaboração com Agnieszka Tercjak, pesquisadora da Universidade do País Basco.

O grupo tem uma boa inserção internacional. O professor Younès Messaddeq afastou-se em 2010 dos quadros da Unesp para comandar um laboratório na Universidade de Laval, no Canadá. Um acordo entre a Unesp e a instituição canadense transformou o Lamf em unidade mista de pesquisa, parceira do laboratório comandado por Messaddeq no Canadá. “Temos três alunos no Canadá agora”, diz Ribeiro. “Nosso grupo já formou uma centena de mestres e doutores. Atualmente, contamos com 40 pessoas, entre estudantes de iniciação científica, mestrado, doutorado e estagiários de pós-doutorado”, diz.

Instalações do Instituto de Química...

Divulgação UNESP e LÉO RAMOSInstalações do Instituto de Química…Divulgação UNESP e LÉO RAMOS

A trajetória do IQ teve início com a criação, nos anos 1960, do Departamento de Química na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, instituto isolado de ensino superior fundado pelo governo paulista em 1957. Uma figura-chave foi o químico Waldemar Saffioti (1922-1999), à época um professor e pesquisador da Universidade de São Paulo bastante conhecido como autor de livros didáticos em química adotados no ensino médio. Contratado pela faculdade em 1961 para a recém-criada cadeira de Físico-Química e Química Superior, Saffioti organizou o que seria o primeiro curso de química no interior do Estado. “Ele foi um desbravador. A criação do curso de Araraquara era vista com certa desconfiança pelos professores da USP, que na época era a única instituição do estado a formar químicos”, diz Leonardo Pezza, atual diretor do IQ. “Naquela época, Araraquara tinha ônibus elétricos, mas eles não chegavam até o Departamento de Química. Era comum que o professor Saffioti transportasse os alunos até lá na sua perua DKW”, conta.

O objetivo declarado era formar professores da disciplina para a rede de ensino, que se ressentia da falta de profissionais – com frequência as aulas de química eram ministradas por farmacêuticos, médicos e engenheiros. Os quadros do departamento nos primeiros tempos mesclavam pesquisadores da USP recrutados por Saffioti, caso do engenheiro químico Rubens Molinari, e professores estrangeiros, a exemplo dos belgas Denise e Jean Pierre Gastmans e do espanhol Manuel Molina.

Em meados dos anos 1960, os primeiros alunos formados ajudaram a reforçar o quadro docente do departamento, que logo começou a se preocupar também com pesquisa. Um dos precursores foi o professor Vicente Toscano, contratado em 1967 para dar aulas de química orgânica ao retornar ao país de um doutorado feito na Universidade Johannes Gutenberg, em Mainz, na Alemanha. À luz de sua experiência na Europa, Toscano sugeriu que os professores fizessem projetos de pesquisa envolvendo temas da literatura científica e oferecessem aos alunos estágios nos laboratórios do departamento. Em 1964, o Departamento de Química separou-se fisicamente dos demais cursos da faculdade, em meio a uma rivalidade alimentada pela divisão dos recursos disponíveis, e transferiu-se para as instalações no bairro Quitandinha. Após a criação da Unesp, em 1976, ganhou administração própria ao se tornar um instituto. Dois anos mais tarde, foi criado o programa de pós-graduação, dividido em várias áreas da química. Nos anos 1990, o professor José Arana Varela assumiu a coordenação do programa e propôs uma reforma. “Em vez de ter várias linhas fragmentadas, unificamos num único programa de pós-graduação em química, que ganhou consistência”, disse Varela em entrevista realizada em fevereiro, para a primeira reportagem desta série.

...e material cerâmico desenvolvido pelo Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais: parcerias com empresas e colaborações com pesquisadores estrangeiros

Divulgação UNESP e LÉO RAMOS…e material cerâmico desenvolvido pelo Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais: parcerias com empresas e colaborações com pesquisadores estrangeirosDivulgação UNESP e LÉO RAMOS

Em vários momentos de sua trajetória, o IQ soube nuclear equipes de pesquisadores em áreas nas quais não tinha experiência e dar respaldo para sua consolidação. No final da década de 1970, por exemplo, duas ex-alunas do químico e professor da USP Otto Gottlieb, um dos pioneiros em química de produtos naturais no Brasil, encontraram-se em Araraquara e vislumbraram a possibilidade de criar um grupo de pesquisa sobre o tema. Ligia Maria Vettorato Trevisan era professora do IQ e Vanderlan Bolzani acabara de ser contratada para a Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara, também vinculada à Unesp. “A Ligia queria apoio para a pesquisa em produtos naturais no Departamento de Química Orgânica e sugeriu que eu me mudasse para o IQ”, recorda Vanderlan, que se transferiu para o instituto, onde trabalha há 40 anos. Nos primeiros tempos, ela se dedicou a pesquisas no campo da quimiossistemática, que busca classificar plantas segundo sua composição bioquímica, o que lhe permitiu publicar artigos científicos sem ainda ter uma boa infraestrutura de laboratório. Com a contratação de Lúcia Xavier Lopes, atualmente aposentada, formou-se um trio de professoras que trabalhou para montar uma base de pesquisa em produtos naturais. Mais tarde, Vanderlan e outra professora, Maysa Furlan, passaram temporadas nos Estados Unidos em estágios de pós-doutorado. “Apesar de haver poucos docentes, eu e Maysa tivemos apoio da Unesp para ir ao exterior”, recorda-se a pesquisadora, cujo trabalho concentrou-se na busca de substâncias com atividade farmacológica em espécies de rubiáceas brasileiras, família de plantas a que pertence o cafeeiro.

O grupo hoje tem seis pesquisadores que respondem pelo Núcleo de Bioensaio, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais (NuBBE), responsável pela identificação e análise de mais de 640 compostos químicos extraídos da biodiversidade brasileira, descritos em mais de 250 artigos científicos. Tal experiência qualificou Vanderlan a liderar uma das vertentes do Programa Biota-FAPESP, criado em 1999 para mapear a diversidade do estado de São Paulo. Trata-se da Rede Biota de Bioprospecção e Bioensaios (BIOprospecTA), iniciativa voltada para o desenvolvimento de modelos fármacos e outros produtos a partir de extratos de plantas, fungos e organismos marinhos. Vanderlan atualmente é diretora da Agência Unesp de Inovação, criada pela universidade em 2009 para cuidar da política de proteção e de licenciamento da propriedade intelectual do conhecimento produzido pelos docentes.

Esta é a quarta reportagem de uma série sobre os 40 anos da Universidade Estadual Paulista, a Unesp

Projetos
1. Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (nº 2013/07296-2); Modalidade Programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Elson Longo (IQ-Unesp); Investimento R$ 20.913.320,27 (para todo o projeto).
2. Materiais híbridos multifuncionais à base de celulose bacteriana (nº 2014/24692-1); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Pesquisador Visitante – Agnieszka Tercjak; Pesquisador responsável Sidney José Lima Ribeiro (IQ-Unesp); Investimento R$ 45.756,20.

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