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Unesp

Conquista do Oeste

Grupos de pesquisa em geografia são destaque no campus da Unesp em Presidente Prudente

Alunos do curso de geografia...

divulgação unespAlunos do curso de geografia…divulgação unesp

Situada no extremo oeste de São Paulo, distante 558 quilômetros da capital, a cidade de Presidente Prudente sedia um dos mais destacados programas de pós-graduação em geografia do país. Os cursos de mestrado e doutorado em geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) receberam a nota máxima nas duas últimas avaliações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), patamar alcançado por apenas dois outros programas da disciplina no país, os das universidades de São Paulo (USP) e Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ancorado em seis linhas de pesquisa, o programa que produziu no ano passado 30 teses de doutorado e 28 dissertações de mestrado dedica-se a temas de investigação que vão da expansão das cidades médias à questão agrária, da formação de ilhas de calor urbanas ao gerenciamento de bacias hidrográficas. “Claro que os professores têm divergências teóricas e políticas, mas o sucesso do programa se deve a uma decisão coletiva de respeitar as diferenças e de trabalhar em conjunto”, define Rosângela Hespanhol, professora da FCT e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Geografia. “Essa talvez tenha sido a forma que encontramos de superar as dificuldades impostas por não estarmos localizados próximos a um grande centro urbano, problema que outros grupos atuantes no estado de São Paulo não enfrentam.”

A FCT começou a funcionar como uma instituição isolada de ensino superior em 1959, a princípio apenas com graduação em geografia e em pedagogia. Incorporada à Unesp em 1976, hoje oferece 12 cursos. O Programa de Pós-graduação em Geografia surgiu em 1988 com o curso de mestrado e apenas uma década mais tarde criou os alicerces para atingir o nível de excelência de hoje. “Foi no final dos anos 1990 que a ênfase do Departamento de Geografia deixou de ser exclusivamente o ensino para investir na pesquisa”, conta Eliseu Savério Sposito, um dos 25 professores do curso. “Com a aposentadoria de vários docentes e o incentivo da reitoria da Unesp para melhorar os cursos de pós-graduação e o impacto da pesquisa, houve uma espécie de acordo tácito entre os professores remanescentes, mais jovens, que decidiram se aglutinar em torno dos grupos de pesquisa”, afirma Sposito, líder do Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (Gasperr), criado em 1993.

Uma amostra da contribuição do Gasperr são os dois projetos temáticos financiados pela FAPESP conduzidos nos últimos tempos por seus pesquisadores. Um deles, liderado por Sposito entre 2006 e 2011, abordou o papel de cidades médias na industrialização do interior paulista. Constatou-se que a desconcentração da atividade industrial criou eixos de desenvolvimento no interior paulista, balizados pelo trajeto de grandes rodovias, em torno de cidades como Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Bauru, Marília, Araçatuba e Presidente Prudente. “A importância econômica que o interior conquistou não foi uma concessão da Região Metropolitana de São Paulo. Muitas cidades médias se tornaram grandes centros de consumo e tiveram um papel pró-ativo na atração de indústrias e negócios.” O projeto rendeu um livro com o mesmo título do projeto, O novo mapa da indústria no início do século XXI, organizado por Sposito e lançado em 2015.

Outro temático, ainda em andamento e sob responsabilidade da professora Maria Encarnação Beltrão Sposito, debruça-se sobre as lógicas econômicas de empresas que, desde a década de 1990, viram nas cidades médias do interior de São Paulo um mercado consumidor a ser explorado, passando a competir por ele. “Tais empresas, ao se instalarem nas cidades do interior, tanto redefinem a posição delas na rede urbana quanto reestruturam seu espaço urbano, com desdobramentos evidentes nas práticas espaciais e hábitos de consumo dos indivíduos”, diz Nécio Turra, atual coordenador do Gasperr e um dos pesquisadores associados do temático. Um dos tópicos estudados é a distribuição de filiais de empresas e de shopping centers nesses municípios e em como isso cria novas áreas de consumo disputadas por públicos diferentes. As empresas não escolhem os lugares para se instalar ao acaso. “Elas ocupam áreas com acesso facilitado, capazes de atrair um público de renda mais alta, o que acaba valorizando os terrenos no entorno e atraindo moradores com esse perfil. Isso modifica os deslocamentos das pessoas pela cidade”, diz.

“Saímos de um modelo de cidade que tinha um único centro para uma estrutura urbana mais complexa, levando as pessoas para espaços mais privados, nos quais as interações sociais são mediadas pelo consumo”, afirma Turra. “Uma das ideias que temos estudado é que as distâncias sociais marcam de forma mais visível o espaço das cidades, apartando grupos que antes se encontravam nos centros tradicionais.” A pesquisa utiliza dados oficiais já disponíveis sobre as cidades, mas sai também a campo para observar a vida real. “Recentemente, fomos em 18 pesquisadores passar alguns dias em Ribeirão Preto, entrevistar pessoas, visitar escolas e shopping centers.” Além dos seis pesquisadores do grupo, há outros 70, entre estudantes de iniciação científica, mestrandos, doutorandos e estagiários de pós-doutorado, trabalhando em tópicos relacionados ao temático.

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Os problemas e desafios da região do Pontal do Paranapanema mobilizam os grupos de pesquisa. “Mantemos uma forte atuação de extensão e um olhar para as demandas da sociedade”, diz Antonio Cezar Leal, coordenador do grupo Gestão Ambiental e Dinâmica Socioespacial (Gadis), dedicado a pesquisas e ações de extensão sobre a gestão das águas, planejamento ambiental de bacias hidrográficas, educação ambiental e gerenciamento de resíduos sólidos urbanos. Em 2007, a FCT firmou uma parceria com os Comitês das Bacias Hidrográficas dos Rios Aguapeí-Peixe e do Pontal do Paranapanema, expandida posteriormente para outros rios da região, para capacitar profissionais por meio de cursos de pós-graduação e de extensão, organização de eventos, produção de material didático e desenvolvimento de pesquisas sobre temas aplicados ao planejamento e gerenciamento de recursos hídricos, entre outros. “Todos os grupos ligados ao Programa de Pós-graduação em Geografia se envolveram nessa iniciativa, dando aulas ou fazendo pesquisa. E o trabalho conjunto rendeu frutos: os Comitês de Bacias e o Fundo Estadual de Recursos Hídricos patrocinaram a construção de um prédio na FCT que hoje abriga a Central dos Grupos de Pesquisa”, diz Antonio Nivaldo Hespanhol, coordenador do Grupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária (Gedra), formado por seis professores que se dedicam a mais de 20 projetos em temas como agricultura familiar, organização de pequenos produtores rurais, atuação do poder público na agropecuária e agricultura urbana.

A questão da reforma agrária na região do Pontal do Paranapanema, cuja principal cidade é Presidente Prudente, também inspira os pesquisadores da Unesp. A região é conhecida pelos conflitos agrários em terras pertencentes ao Estado que foram ocupadas por fazendas de algodão na década de 1940 – mais tarde, o algodão cedeu espaço para a pecuária extensiva. O Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera), além de se dedicar a estudos sobre a luta pela terra, mantém um banco de dados sobre ocupações de terra e assentamentos no Brasil e presta assessoria a organizações como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Cana-de-açúcar
Outro grupo de pesquisa, o Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (Ceget), coordena um projeto temático no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), que produz mapas sobre os impactos do avanço da cana-de-açúcar na região do Pontal do Paranapanema. O trabalho é liderado pelo professor Antonio Thomaz Júnior, especialista em geografia do trabalho. “A mesma lógica que atraiu o algodão e a pecuária para o Pontal, que é a disponibilidade de terra e água muito baratas, atraiu a agroindústria canavieira a partir dos anos 2000”, diz o pesquisador. “Empresas como o braço agroindustrial do grupo Odebrecht foram atraídas para a região e nem sequer precisam se envolver nos conflitos sobre terras devolutas, pois apenas as arrendam.”

Os estudos que Thomaz Júnior está liderando, em parceria com o grupo de pesquisa Gadis, busca estimar o prejuízo do uso de agroquímicos da cultura da cana-de-açúcar em assentamentos de trabalhadores rurais instalados nos arredores. “Há indícios de contaminação de rios e pessoas. Avaliar esse impacto é um dos objetivos do projeto”, diz Thomaz Júnior, que dedicou toda a sua trajetória acadêmica à questão agrária no Pontal.

... e prédio da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente: articulação de grupos de pesquisa deu origem a programa de pós-graduação bem avaliado

divulgação unesp… e prédio da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente: articulação de grupos de pesquisa deu origem a programa de pós-graduação bem avaliadodivulgação unesp

A conexão dos geógrafos de Presidente Prudente com colegas do exterior ajuda a explicar a boa avaliação de seu programa de pós-graduação. “É comum enviarmos, com apoio da Capes e da FAPESP, alunos para fazer estágios em outros países. Nossos pesquisadores têm boa interlocução com grupos dos Estados Unidos, de Portugal, da França, da Inglaterra e da Espanha”, diz Rosângela Hespanhol, coordenadora do programa. “Com frequência, recebemos pesquisadores estrangeiros visitantes para ministrarem palestras ou cursos de curta duração. Recentemente, estiveram na FCT-Unesp dois professores portugueses e um norte-americano.

Um bom exemplo de internacionalização vem do trabalho do Grupo de Pesquisa Interações na Superfície, Água e Atmosfera (Gaia). Coordenado pela professora Margarete Amorim, o Gaia estuda em conjunto com pesquisadores franceses o fenômeno da formação de ilhas de calor em cidades médias e pequenas. Enquanto os brasileiros pesquisam as ilhas de calor em Presidente Prudente, o geógrafo francês Vincent Dubreuil, da Université Rennes 2, faz o mesmo em um município médio de clima temperado, Rennes. “Até recentemente, só se falava na formação de ilhas de calor em grandes metrópoles, mas em uma cidade média como Presidente Prudente foi possível mensurar uma diferença de temperatura de até 9 graus Celsius mais quente na área urbana em relação à rural”, diz Margarete. “Já em Rennes a formação de ilhas de calor chega a ser positiva, principalmente no inverno, e só se torna complicada quando está associada à dificuldade de dispersão de poluentes na atmosfera.”

O projeto também envolve colaborações com pesquisadores da Espanha e Portugal. “A parceria vem discutindo procedimentos para coleta de dados e formas de representação espacial desses dados, a fim de disponibilizá-los para o poder público”, conta Margarete. O estudo procura identificar materiais de construção mais apropriados, além de definir tamanhos de lotes residenciais e padrões de arborização capazes de amenizar o desconforto térmico e outros efeitos negativos relacionados às ilhas de calor.

Esta é a quinta e última reportagem de uma série sobre os 40 anos da Universidade Estadual Paulista, a Unesp

Projetos
1. Diagnóstico e análise da evolução diária das ilhas de calor urbanas em cidades de porte médio nos climas tropical e temperado (nº 2014/16350-3); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim (FCT-Unesp); Investimento R$ 61.674,55.
2. Mapeamento e análise do território do agrohidronegócio canavieiro no Pontal do Paranapanema: Relações de trabalho, conflitos e formas de uso da terra e da água, e a saúde ambiental (nº 2012/23959-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Programa Bioen – Projeto Temático; Pesquisador responsável Antonio Thomaz Júnior (FCT-Unesp); Investimento R$ 1.007.620,30 (para todo o projeto).
3. Lógicas econômicas e práticas espaciais contemporâneas: cidades médias e consumo (nº 2011/20155-3); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático; Pesquisadora responsável Maria Encarnação Beltrão Sposito (FCT-Unesp); Investimento R$ 377.748,65 (para todo o projeto).
4. O mapa da indústria no início do século XXI: Diferentes paradigmas para a leitura territorial da dinâmica econômica no estado de São Paulo (nº 2004/16069-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático; Pesquisador responsável Eliseu Savério Sposito (FCT-Unesp); Investimento R$ 188.217,15.

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