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Memória

A subversão do gênero

Há 100 anos, Marie Curie ganhava seu segundo Prêmio Nobel, o de Química

Hulton Archive / Getty ImagesMarie e Pierre trabalhando no laboratórioHulton Archive / Getty Images

Em 1911 Marie Curie ganhou o Prêmio Nobel de Química pelos trabalhos sobre radioatividade – nome proposto por ela em 1898 –, pela descoberta dos elementos polônio e rádio e por ter isolado o rádio. Foi a sua segunda láurea. A primeira ocorreu em 1903, quando recebeu o Nobel de Física junto com  o marido Pierre e Henri Becquerel, pelos estudos sobre radioatividade espontânea. Madame Curie foi pioneira em muitas outras frentes. É até hoje a única pessoa  a receber duas vezes o Nobel em áreas diferentes da ciência. Foi a primeira mulher doutora em ciências físicas, a primeira professora universitária da França e coordenadora de um laboratório no país e a primeira a ganhar uma cátedra na Universidade de Sorbonne. “Suas descobertas inquestionáveis transformaram duas áreas, a física e a química”, observa o físico Vanderlei Salvador Bagnato, do Instituto de Física  da Universidade de São Paulo (USP), de São Carlos.

Os 100 anos do segundo Nobel de Marie Curie entrarão no rol das comemorações de 2011, escolhido pelas Nações Unidas como o Ano Internacional da Química (ver Pesquisa FAPESP nº 180) – este mês, em 8 de março, se comemora também o Dia Internacional da Mulher. Há décadas a cientista simboliza o sucesso e a competência feminina em áreas com grande predominância masculina, como a química e a física. Suas lutas e tropeços, no entanto, são um pouco menos conhecidos.

Madame Curie (1867- 1934) nasceu em Varsóvia, capital da Polônia então ocupada pela Rússia,  como Maria Sklodowska. Completou os estudos do ensino médio e frequentou centros clandestinos de ensino para mulheres,  uma vez que os russos  só admitiam homens nas universidades. Maria queria continuar estudando e ambicionava um doutorado. Em 1891 partiu para Paris e foi aceita na Universidade de Sorbonne onde se graduou em física e matemática. No período, conheceu e casou com o físico Pierre Curie em 1895. Virou, então, Marie Curie.

Em busca de um  tema de pesquisa,  Marie optou pelos raios recém-descobertos pelo francês Henri Becquerel.  Estudioso das substâncias fosforescentes e fluorescentes, ele queria verificar se elas emitiam raios X, descobertos em 1895 pelo alemão Wilhelm Röntgen. Ao utilizar urânio, o francês viu que o elemento emitia radiação, mas diferente dos raios X. No final de 1897, Marie tentou descobrir outros materiais que emitissem  o mesmo tipo de radiação do urânio. Na Alemanha, G. C. Smith teve a mesma ideia. Já em abril de 1898 os dois relataram que  o tório também emitia radiação semelhante. Marie, porém, notou que dois minerais de urânio,  a pechblenda e a calcolita, eram mais ativos do que  o próprio urânio. A partir daí ela predisse a existência de dois novos elementos:  o polônio, em homenagem à Polônia, e o rádio,  por ser o mais radioativo dos materiais analisados por ela. Na mesma ocasião em que divulgou suas descobertas, em 1898,  ela chamou a atenção  para o fato de o urânio  e o tório serem elementos  de maior peso atômico.

Marie e Pierre trabalharam por anos em um galpão cedido pela École de Physique et Chimie Industrielle,  sem nenhuma estrutura.  O lugar só era conveniente por estar próximo da residência, o que permitia a ela cuidar da casa e  da filha e trabalhar no laboratório. Marie sempre realizou suas pesquisas com apoio e colaboração de Pierre tanto na parte científica como para  ser levada a sério pela comunidade de cientistas. O primeiro Nobel, por exemplo, era para ser  dado apenas para Pierre  e Becquerel. Foi preciso  a mobilização de Pierre  para fazer a Academia Sueca incluir Marie  na premiação.

“Marie Curie era  tão capaz como  qualquer outro cientista importante, mas, por ser mulher, foi colocada  na borda do centro da ciência daquele período”, diz o antropólogo Gabriel Pugliese, da Escola de Sociologia e Política,  que estudou o assunto  com orientação de Lilia  Moritz Schwarcz, da USP.  “Os prêmios não apagam  uma trajetória cheia de dificuldades.” Quando voltou de Estocolmo depois de ter recebido  o Nobel de 1911, Marie encontrou sua casa em Paris apedrejada. Motivo: os jornais haviam divulgado um caso amoroso dela – que já era viúva havia cinco anos –  com um colega francês casado, com quatro filhos.

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