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Energia

Filmes captam a energia do Sol

Flexíveis, ao contrário dos painéis fotovoltaicos tradicionais, células solares orgânicas começam a ser produzidas no Brasil em pequena escala

Em forma de filme, células solares da CSEM Brasil

csem brasilEm forma de filme, células solares da CSEM Brasilcsem brasil

A cada ano, a Terra recebe o equivalente, em forma de luz e calor, a 10 mil vezes o consumo mundial de energia elétrica. O problema é transformar toda essa potência em eletricidade. A tecnologia mais eficiente e usada hoje, empregada desde os anos 1980, são as células fotovoltaicas de silício, com aplicações limitadas, por serem pesadas e rígidas. A busca atual é por dispositivos na forma de filmes finos que possam ser aplicados e moldados em vários locais como vidros de janelas, por exemplo, como as células orgânicas OPV (do inglês Organic Photovoltaic), feitas de material semicondutor à base de carbono. No Brasil, há vários grupos de pesquisa e empresas trabalhando no desenvolvimento de células orgânicas.

A empresa nChemi, de São Carlos, produz nanopartículas de óxido de molibdênio, ferro, titânio e zircônio, por exemplo. Entre suas aplicações diversas, elas podem integrar algumas das camadas das células solares orgânicas. A nChemi foi criada há um ano em laboratório do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que é parte do Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDFM), um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela FAPESP.

As nanopartículas da nChemi estão sob análise, no nível de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), no CSEM Brasil para futura utilização pela empresa mineira Sunew, que começou em agosto a produção das células fotovoltaicas orgânicas. A Sunew foi criada em novembro de 2015 como spin-off do CSEM Brasil em composição com gestoras de fundos de capital empreendedor. O CSEM Brasil é uma instituição sem fins lucrativos que tem o objetivo de desenvolver pesquisa tecnológica e repassar para a indústria. Foi o que aconteceu com a tecnologia das OPVs licenciada para produção e comercialização pela Sunew. Para chegar a essa maturidade tecnológica, o CSEM recebeu apoio financeiro para pesquisa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), entre outras instituições públicas e privadas. A nChemi tem financiamento do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP.

Nanopartículas em solução na nChemi

LÉO RAMOSNanopartículas em solução na nChemiLÉO RAMOS

“Pela parceria que firmamos, somos responsáveis pelo design e pela produção das nanopartículas e o CSEM pela análise de seu desempenho nos dispositivos fotovoltaicos”, conta Bruno Lima, um dos sócios-fundadores da nChemi. “Esse acordo tem sido um modelo que queremos seguir, com a participação ativa do parceiro no desenvolvimento de nanopartículas sob demanda.” O pesquisador Edson Leite, do CDFM, que foi professor de Lima e de seu sócio, Tiago de Goes Conti, orientou os dois na aplicação das nanopartículas em OPV e na criação da nChemi. “Os elétrons são gerados no material ativo da célula, que é um polímero semicondutor”, explica Leite. “Eles surgem quando o polímero absorve a luz solar e são responsáveis pela geração da energia elétrica.” As nanopartículas são atualmente importadas pelo CSEM Brasil e a ideia principal do trabalho da empresa de São Carlos é ser um fornecedor nacional para oferecer vantagens em termos de custos e logística. “Esse desenvolvimento visa também obter materiais com melhor desempenho”, acrescenta Leite.

“As nanopartículas podem ter diversas funções, como aumento de propriedade mecânica, barreira contra entrada de umidade externa, ou até mesmo melhora das propriedades elétricas das células fotovoltaicas orgânicas”, explica Luiza Correa, pesquisadora do CSEM Brasil. “Dependendo de onde elas são aplicadas, existe um alto potencial para aumentar a eficiência e o tempo de vida dos módulos.” Luiza esclarece que o OPV é um conjunto de camadas poliméricas impressas por meio de solução sobre um substrato, que pode ser rígido, como vidro, ou flexível, como plástico.

Segundo Filipe Ivo, gerente de Novos Negócios do CSEM Brasil, um dos primeiros projetos com OPV desenvolvidos é a fachada de vidro do novo prédio da Totvs, em São Paulo, uma empresa brasileira de software, que será entregue em novembro deste ano. “É a instalação da primeira fachada de célula orgânica encapsulada em vidro e geradora de energia elétrica do país”, garante Ivo. “Os vidros externos do novo edifício vão gerar energia elétrica para consumo interno.” O CSEM mantém ainda projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) com a Fiat, para integração de OPVs no teto de automóveis; com a Votorantim, para aplicação em estruturas flutuantes em usinas hidrelétricas; e com a Medabil, para aplicação em telhas metálicas, entre outros projetos.

Protótipos de células solares no CTI Renato Archer

Léo RamosProtótipos de células solares no CTI Renato ArcherLéo Ramos

Nanopartículas semicondutoras
No Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI) em Campinas, o pesquisador Fernando Ely desde 2007 trabalha no desenvolvimento de OPVs. Elas são produzidas a partir de tintas de nanopartículas semicondutoras na camada ativa. “As células que desenvolvemos no laboratório possuem, em geral, cinco camadas, cada uma delas com função específica de geração, transporte e coleta de cargas”, explica. “O uso de tintas viabiliza a fabricação por técnicas baratas de impressão da indústria gráfica, reduzindo o custo de produção e aumentando as possibilidades de aplicações, quando feitas sobre materiais leves e flexíveis.”

Além de ter uma variedade maior de aplicações, as células fotovoltaicas orgânicas têm outras vantagens. “Diferentemente das de silício cristalino, que são caracterizadas por serem monolíticas, em forma de lâminas, a maior parte das células OPV é constituída de filmes de algumas centenas de nanômetros de espessura, depositados sobre substratos de vidro ou plástico”, informa Ely. “Assim, enquanto para fabricar um painel de silício é preciso soldar as células individuais, os de OPV são fabricados diretamente sobre os substratos a partir de um desenho predefinido.” A medida, de acordo com ele, simplifica o processo produtivo. O consumo de energia (elétrica e térmica) para criar painéis fotovoltaicos do tipo OPV é menor do que para fazer os convencionais de silício, que consomem mais, especialmente na etapa de purificação da matéria-prima.

Leite, do CDFM, acrescenta que, diferentemente das células orgânicas, as convencionais de silício, por não serem flexíveis, são bem mais frágeis mecanicamente. Em compensação apresentam uma melhor eficiência na conversão solar, mais de 15%, ante algo entre 4% e 8% das OPVs. Essas porcentagens indicam o quanto do total de energia recebida do Sol é convertido em eletricidade. Além da menor eficiência energética, as orgânicas têm outra grande desvantagem, que é menor tempo de vida útil que as de silício. “Ao passar a usar as nanopartículas, nosso objetivo é aumentar seu tempo de duração”, diz Leite. “É nisso que a nChemi trabalha, em parceria com o CSEM e o CDFM. As células orgânicas hoje duram entre 5 e 10 anos, enquanto as de silício passam de 10 anos.”

Prédio em São Paulo com filmes orgânicos da CSEM Brasil

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Ainda em relação à menor eficiência energética das células orgânicas, Filipe Ivo, do CSEM Brasil, ressalva que nessa nova tecnologia se leva em conta outras variáveis, como as próprias características físicas do material: leveza, transparência, flexibilidade, baixa pegada de carbono e ser reciclável, por exemplo. “Por esses fatores, as OPVs são a melhor opção de utilização em vários cenários de aplicação, como, por exemplo, no teto de automóveis ou em fachadas de vidro”, afirma Ivo. “É importante ressaltar que a tecnologia do silício é uma indústria madura com mais de 40 anos de existência. Já a orgânica impressa é recente e vem conquistando espaço agora.” Para ele, a produção em grande escala trará melhoria dos processos produtivos para ter impacto na eficiência e na vida útil.

Ely, do CTI, é cauteloso quanto ao avanço das OPVs. “Para tornar essas células comercialmente viáveis ainda é preciso superar desafios importantes, como aumentar a confiabilidade, a durabilidade e a eficiência”, alerta. “Existe também a dificuldade econômica comum à maioria das fontes de energias renováveis porque ainda levam desvantagem no preço em relação às fontes mais tradicionais como a hidrelétrica ou a térmica.”

China tem maior potência instalada

A utilização de energia solar cresce em todo o mundo. Segundo o boletim Energia solar no Brasil e no mundo 2015, publicado em julho deste ano pelo Ministério das Minas e Energia (MME), a potência instalada no mundo no ano passado era de 234 GW (Gigawatts), o que corresponde a 16,7 usinas de Itaipu. A China é a primeira colocada, com 43,4 GW, seguida da Alemanha, com 39,6 GW, e do Japão, com 35,4 GW. O Brasil, em julho, contava com apenas 51 Megawatts (MW) de potência instalada de geração solar, correspondentes a 3.851 instalações(o triplo do que havia oito meses antes), principalmente residências, empresas e fábricas. Ainda de acordo com o boletim do MME, o Plano Decenal de Expansão de Energia prevê que a capacidade instalada de geração solar chegue a 1% do total da energia produzida no país em 2024. Em julho, esse índice era de apenas 0,01%, segundo o Banco de Informações de Geração, da Agência Nacional de Energia Elétrica.

Projetos
1. Tinta nanoestruturada para células fotovoltaicas orgânicas (nº 2015/15921-0); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Tiago de Goes Conti (nChemi); Investimento R$ 124.450,00.
2. Síntese de nanopartículas funcionalizadas em escala piloto (nº 2014/21682-5); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Bruno Henrique Ramos de Lima (nChemi); Investimento R$ R$ 113.157,00.

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