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ENGENHARIA QUÍMICA

Combate à terra seca

Polímeros naturais superabsorventes misturados ao solo podem viabilizar culturas agrícolas em regiões áridas

Podcast: Rodrigo César Sabadini

 
     
Um dos desafios da agricultura moderna é gastar menos água no campo sem perder a produtividade, objetivo esse que pode contar com a contribuição tecnológica de polímeros com alta capacidade de absorção e retenção de líquidos. O químico Rodrigo César Sabadini desenvolveu durante o seu doutorado no Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC-USP), com orientação de Agnieszka Joanna Pawlica Maule, um hidrogel superabsorvente para uso em lavouras cultivadas em solos áridos que sofrem com a seca ou em plantações irrigadas, reduzindo o consumo de água. Misturado ao solo, o produto tem capacidade de absorver grande quantidade de água – da chuva ou da irrigação –, servindo como uma reserva hídrica em períodos de estiagem (ver infográfico). O hidrogel ou polímero hidrorretentor é feito a partir de polímeros naturais. A pesquisa rendeu um pedido de patente, relacionada à síntese do produto.

Os hidrogéis foram criados nos anos 1950 nos Estados Unidos e desde então têm sido usados na agricultura. “A maior parte da pesquisa e desenvolvimento desses materiais se baseia na utilização de polímeros sintéticos. A vantagem dos nossos é que eles são biodegradáveis, não deixam resíduos”, explica a química Agnieszka. “Os sintéticos, além de se acumularem no ambiente, por não se degradarem naturalmente, podem ser lixiviados para rios e cursos d’água. E seus resíduos de monômeros de acrilatos podem ser tóxicos para o solo e os rios.” Lixiviação é o processo de extração de uma substância (no caso, os acrilatos) de um meio sólido (o solo das lavouras) por sua contínua dissolução. Os hidrogéis comerciais sintéticos podem reter água por um período de três meses a um ano. Segundo Sabadini, ainda não foram feitos testes de durabilidade do hidrogel biodegradável.

Para tornar realidade o projeto de um novo hidrogel, Sabadini desenvolveu e testou durante seu doutorado várias fórmulas, entre elas uma composta por quitosana e goma gelana. “O processo de obtenção e purificação da quitosana, extraída da casca de crustáceos, é simples”, diz o pesquisador. A goma gelana, por sua vez, é gerada por bactérias que vivem na raiz de uma planta aquática, chamada elodea. Produzida em meio de cultura de laboratório, a goma está disponível comercialmente e foi escolhida pelo alto poder de absorção de água.

No Instituto de Química de São Carlos da USP: análises microscópica e termogravimétrica do hidrogel para verificar a perda de massa pela temperatura

léo ramosNo Instituto de Química de São Carlos da USP: análises microscópica e termogravimétrica do hidrogel para verificar a perda de massa pela temperaturaléo ramos

Esponja molhada
Tanto os hidrogéis sintéticos quanto os naturais são semelhantes aos usados na fabricação de fraldas infantis e absorventes íntimos femininos. Na versão agrícola, os géis podem ter diferentes formatos. Quando seco, o polímero superabsorvente criado na USP parece caco de plástico pouco maleável. Ao ser molhado, assemelha-se a uma esponja encharcada. Já o polímero hidrorretentor comercial Hydroplan-EB, do grupo francês SNF, líder mundial na fabricação de poliacrilatos, é um produto granulado, com diferentes tamanhos de partículas, que assume a forma de um gel transparente depois de hidratado. A empresa francesa exporta o produto para o Brasil de uma de suas fábricas nos Estados Unidos. No mundo, as empresas Evonik, Sanyo e Basf também fabricam hidrogéis.

“O gel distribuído pela Hydroplan-EB é um copolímero de acrilato de potássio e acrilamida e funciona como um reservatório junto às raízes, armazenando água e o que nela estiver dissolvido, como defensivos e fertilizantes”, explica o engenheiro químico Loremberg Fernandes de Moraes, gerente comercial da Hydroplan-EB. O produto pode absorver de 200 a 400 vezes o seu peso e aumentar 100 vezes o tamanho. “As raízes da planta captam a água do gel por osmose, da mesma forma que a capturam do solo.” Moraes destaca que a grande vantagem da tecnologia é reduzir a frequência e o volume de água usado na irrigação. “Se em condições normais o agricultor precisa molhar a lavoura a cada dois dias, com o nosso gel ele repete a operação a cada três ou quatro dias”, afirma Moraes.

“As poliacrilamidas não são degradadas biologicamente, por isso, uma vez aplicadas ao solo sofrem uma paulatina degradação ou dissociação por ação do cultivo, dos raios ultravioletas do sol e de um contínuo fracionamento, que gira em torno de 10% em solos cultivados continuamente por meio dos implementos agrícolas”, explica Moraes. “A deterioração do polímero ocorreu de forma acelerada. Em experimentos científicos, durante três meses, o polímero foi colocado em soluções que continham sais de cálcio, magnésio e ferro. Esse tipo de deterioração também pode acontecer em solos adubados anualmente com fertilizantes completos.” Ele se baseia em estudos publicados na década de 1980, em artigos científicos de Reda Azzam, da Autoridade de Energia Atômica, do Egito, e de pesquisadores do Instituto de Pesquisa em Horticultura, da Austrália, e da Universidade da Califórnia em Los Angeles.

O Brasil, de acordo com Moraes, é o segundo maior consumidor de hidrogéis para agricultura do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, onde o produto é usado também em jardins. “Aqui, a principal aplicação dos géis superabsorventes é em plantações de eucalipto, que exigem muita água. Estimamos que a demanda do produto pela agricultura gire em torno de 500 toneladas por ano. Em uma plantação de eucalipto, por exemplo, com cerca de 1.200 pés, são utilizados 1,5 quilo por hectare. O preço do Hydroplan-EB varia segundo o volume encomendado pelo produtor, mas fica entre R$ 25 e R$ 30 o quilo”, esclarece Moraes.

O alto custo do hidrogel natural à base de quitosana e goma gelana é, de acordo com Agnieszka Maule, do IQSC-USP, a maior desvantagem da inovação. “Nossa matéria-prima tem um custo elevado em relação à dos polímeros sintéticos, cerca de 100 vezes maior. Esperamos que as matérias-primas naturais tenham uma redução de preço à medida que a demanda por elas aumentar”, avalia. Antes do início da fabricação comercial, o produto ainda precisa passar por testes em pequena escala. “Normalmente, os testes são desenvolvidos em parceria com empresas interessadas na produção ou com laboratórios de instituto de tecnologia.”

Hidrogel_248Alface e Café
Durante o desenvolvimento do produto, Sabadini testou o hidrogel no plantio de alface a fim de avaliar sua eficácia. Sementes foram colocadas em pequenos potes para germinar em substrato de casca de coco. Em alguns recipientes foram misturadas amostras de hidrogel seco e em outros, com fertilizante. Um terceiro lote foi montado com amostras-controle, somente com as sementes. Todas os potes receberam a mesma quantidade de água de uma só vez. “Depois de alguns dias foi observada a germinação das sementes que receberam hidrogel apenas e hidrogel com fertilizante. Nas amostras-controle, não houve germinação”, conta Sabadini.

As primeiras pesquisas no Brasil sobre a tecnologia começaram a ser feitas por volta de 2000. Em princípio, os hidrogéis podem ser usados em qualquer tipo de cultura agrícola ou florestal e em diferentes tipos de solo. “Não existe limitação para a aplicação do produto, já que a ideia é prolongar a presença de água no solo ou promover sua fertilização. Mas eles seriam mais bem aproveitados em terrenos áridos e arenosos, que não têm a capacidade de reter a água”, afirma Agnieszka.

A Universidade Federal de Lavras (Ufla), em Minas Gerais, desenvolve pesquisas sobre essa tecnologia desde 2009. O engenheiro-agrônomo Rubens José Guimarães investiga os benefícios dos hidrogéis sintéticos em plantações de café. O estudo tem o apoio do Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café, com sede em Brasília, e deu origem a quatro dissertações de mestrado e uma tese de doutorado, que, segundo o pesquisador, confirmaram a eficácia do produto. Embora os hidrogéis sejam uma tecnologia consagrada, é importante estabelecer parâmetros de seu uso, que varia conforme a cultura, o solo, o clima e as características meteorológicas da região. O estudo também buscou identificar a granulometria ideal do gel, que é o Hydroplan-EB, a ser usado em cafezais, além da quantidade do produto usada em cada pé, entre outras variáveis.

“A otimização da água com esse produto pode ocorrer tanto em regiões de cafeicultura de sequeiro [não irrigadas e com baixo índice pluviométrico] quanto em áreas irrigadas. No caso das lavouras de sequeiro, o emprego do polímero pode garantir o ‘pegamento’ das mudas enquanto a chuva não vem. Já nas plantações irrigadas, os hidrogéis permitem um tempo maior entre as irrigações”, esclarece Guimarães. “O produto pode ser um aliado dos cafeicultores em períodos de estiagem prolongada, reduzindo as perdas.”

Na USP, experimento com plantio de alface mostrou que nos potes com hidrogel as sementes germinaram. Em potes sem hidrogel, elas não prosperaram

Rodrigo César Sabadi Na USP, experimento com plantio de alface mostrou que nos potes com hidrogel as sementes germinaram. Em potes sem hidrogel, elas não prosperaramRodrigo César Sabadi

Os estudos da Ufla mostraram que os pés de café que tiveram adição do polímero hidrorretentor apresentaram uma evolução 10% maior do que os demais. Outro resultado surpreendente foi o detectado nas raízes, que cresceram 40% mais que as das plantas que não receberam o produto. O hidrogel, segundo Guimarães, deve ser utilizado para que o agricultor não perca as mudas e sementes plantadas em caso de estiagem. Dessa forma o produto é uma garantia que a plantação vai prosperar mesmo na falta de chuvas. “O uso dos géis é uma opção viável porque as plantas têm facilidade em extrair do polímero a água necessária para sua sobrevivência. Isso foi evidenciado nos trabalhos que destacaram a evolução das raízes por dentro dos grânulos do polímero hidratado, promovendo maior superfície de contato entre elas, a água e os nutrientes essenciais ao crescimento da planta”, explica Guimarães.

Segundo o pesquisador, a tecnologia reduziu a mortalidade dos pés de café e, consequentemente, o percentual de replantio, uma prática que onera os custos da produção. “Mas outras tecnologias devem ser igualmente incentivadas, como o manejo adequado das plantas invasoras, a adubação verde, a irrigação localizada, entre outras práticas.”

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