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CARTA DA EDITORA | 256

O orçamento de C&T e além

O corte anunciado no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) para 2017, de aproximadamente 40% em relação a 2016 – e de quase 56%, comparado a 2014 –, mobilizou a comunidade científica nacional. O fim da pesquisa brasileira foi decretado por alguns, o corte foi minimizado por outras vozes e a discussão passou ao largo de muitos mais.

A redução de recursos para ciência e tecnologia (C&T) não pode ser interpretada como boa notícia, mas uma discussão construtiva da atual conjuntura demanda uma análise ampla, que contemple a complexidade do sistema nacional de C&T. Em nível federal, recursos para o sistema provêm não apenas do MCTIC, como também do Ministério da Educação, da Saúde, da Defesa, entre outros. Todos sofreram algum grau de contingenciamento neste ano, embora em proporção menor que o MCTIC, que agora divide o orçamento com o setor de Comunicações, após a fusão das pastas em 2016. Os estados também são importante componente dessa equação ao contribuir com 17% do investimento nacional em pesquisa e desenvolvimento (P&D) por meio de suas universidades e institutos de pesquisa estaduais e das suas fundações de amparo à pesquisa – entre as quais se destaca a FAPESP, responsável por um quinhão superior à soma das demais FAPs. Por último, o setor privado é responsável por 47% do investimento em P&D, que, segundo o MCTIC, totalizou 1,3% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2014.

A abrangente reportagem de capa desta edição, do editor de Política Científica e Tecnológica, Fabrício Marques, faz um retrato do financiamento do sistema nacional de C&T e discute possíveis caminhos para melhorar o investimento do país nessa área em um cenário de corte de recursos públicos. Eventuais saídas envolvem a reformulação de instrumentos de fomento, como os Fundos Setoriais, e um aumento significativo da participação do setor privado – dificultado pela conjuntura de retração da economia e por fatores estruturais como a baixa participação de setores intensivos em inovação na composição do PIB. Nesse contexto, a meta de empresas e governo investirem 2% do PIB em P&D até 2019, prevista na Estratégia Nacional de Ciência e Tecnologia, lançada em 2016, não será alcançada tão cedo.

Na discussão sobre investimentos em C&T, um ponto pouco discutido é a melhoria da qualidade dos gastos. Instrumentos e programas demandam avaliação sistemática, o que passa pela análise da produção científica nacional. Reportagem sobre artigos que demoram até serem descobertos – citados – apresenta trabalho com um alerta importante. Depois de analisar 660 mil artigos, observou-se que, nos três primeiros anos, a probabilidade de um paper considerado inovador estar no conjunto dos 1% muito citados era menor que a dos demais. Os trabalhos inicialmente muito citados tenderam à obsolescência. Os que tinham alto grau de novidade representavam 60% dos trabalhos mais citados 15 anos após sua publicação. A conclusão é que, apesar de a defesa do investimento em pesquisa de caráter transformador ser amplamente disseminada, os sistemas de avaliação privilegiam estudos incrementais. Ao se restringirem a indicadores de impacto mais populares, que tendem a dar muito peso à repercussão imediata dos artigos científicos, correm o risco de deixar de valorizar trabalhos que podem trazer contribuições mais robustas para o sistema de C&T. Um bom sistema de avaliação também precisa dar conta da complexidade do sistema.

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