Imprimir PDF Republicar

Matemática

Ganhadores da medalha Fields

Maior prêmio da disciplina é concedido para quatro pesquisadores em congresso no Rio de Janeiro

Os vencedores (a partir da esq.): o britânico de origem curda Birkar, o italiano Figalli, o alemão Scholze e o australiano nascido na Índia Venkatesh

Fabio Motta

Quatro jovens pesquisadores receberam no dia 1º de agosto a medalha Fields, considerada o “prêmio Nobel da matemática”, durante a cerimônia de abertura do Congresso Internacional de Matemáticos de 2018, na cidade do Rio de Janeiro. O principal evento internacional da área acontece de quatro em quatro anos em diferentes cidades do mundo e pela primeira vez ocorre em um país do hemisfério Sul.

Os medalhistas de 2018 são o britânico de origem curda Caucher Birkar, o italiano Alessio Figalli, o alemão Peter Scholze e o australiano de origem indiana Ashkay Venkatesh. Segundo reportagem no site da revista Nature, foi a primeira vez em 82 anos do prêmio que nenhum agraciado é cidadão da França ou dos Estados Unidos, países que detêm quase a metade das medalhas.

Entre os favoritos para ganhar a medalha Fields neste ano estava o alagoano de 38 anos Fernando Codá Marques, professor na Universidade de Princeton, Estados Unidos. Marques vem resolvendo nos últimos 10 anos uma série de problemas importantes da geometria de superfícies desenhadas sobre objetos curvos, como a esfera e o toro.

Se a torcida brasileira ficou desapontada, a alemã não se surpreendeu. Peter Scholze, de 30 anos, era cotado para o prêmio desde 2014 pelas conexões surpreendentes que tem revelado entre duas áreas da matemática: a geometria, que lida com as formas de objetos com várias dimensões espaciais, e a teoria dos números. Seus trabalhos se baseiam em uma de suas criações, um novo tipo de forma geométrica chamada de espaço perfectoide. O conceito se baseia em conjuntos de números especiais, diferentes dos números reais utilizados no cotidiano, capazes de resolver certas equações matemáticas intratáveis com a matemática comum.

“A matemática é um campo imensamente vasto, do qual cada um de nós conhece apenas alguns pequenos pedaços”, Scholze afirmou em um vídeo exibido na cerimônia de premiação. “Dentro desses pedaços que conheço há tantos problemas em aberto – e isso é bom.”

A vastidão da matemática contemporânea mencionada por Scholze dificulta a escolha dos medalhistas. “É impossível dominar todas as áreas da matemática; duas pessoas trabalhando em áreas distintas podem não compreender a linguagem usada pela outra”, diz Paolo Piccione, matemático da Universidade de São Paulo (USP) presente na cerimônia de premiação. Um dos principais eventos do congresso serão as palestras dos medalhistas, que devem explicar seus trabalhos aos colegas de outras subáreas. “O nível de especialização é muito alto. Entender tecnicamente a contribuição de cada pesquisador pode ser muito complicado.”

Alexandre Campbell / ICM 2018 Visão geral do congressoAlexandre Campbell / ICM 2018

O medalhista Caucher Birkar, de 40 anos, nasceu em uma vila agrícola no Curdistão em território iraniano. Iniciou a graduação em matemática na Universidade de Teerã, no Irã, antes de pedir asilo político no Reino Unido, onde adquiriu cidadania e trabalha hoje como professor na Universidade de Cambridge. “Espero que o prêmio coloque um pequeno sorriso no rosto de 40 milhões de pessoas”, declarou Birkar, referindo-se ao povo curdo. Logo após receber a premiação, sua medalha, que ele havia deixado dentro de uma pasta em sua mesa no congresso, foi furtada, juntamente com sua carteira. Três dias depois do furto, uma nova medalha foi entregue ao matemático.

Conexões matemáticas
Assim como os trabalhos de Scholze, a pesquisa de Birkar relaciona conjuntos de soluções para certos tipos de equação, as equações polinomiais, com formas geométricas específicas, as variedades algébricas. Para Birkar, o matemático resolve problemas primeiro como um turista a pé, descobrindo as ruas e edifícios de uma cidade, para depois sobrevoar a área e só então perceber como os diferentes edifícios se conectam uns com os outros.

“Os avanços cruciais em matemática acontecem quando alguém consegue abstrair um problema de modo diferente e ver tudo de cima”, diz Piccione. “É difícil progredir em um problema utilizando as mesmas técnicas que outros matemáticos tentaram usar no passado para a mesma questão. Avançamos quando fazemos conexões entre teorias diferentes, que permitem enxergar o problema de outra forma.”

Ashkay Venkatesh, australiano de 36 anos nascido na Índia, também ganhou sua medalha por descobrir conexões entre diferentes áreas da matemática. Em um de seus principais trabalhos na Universidade Stanford, Estados Unidos, Venkatesh mostra como o estudo do movimento de partículas confinadas pode ajudar a compreender a teoria dos números, ramo da matemática que estuda os números inteiros.

Já o trabalho do italiano Alessio Figalli, 34 anos, pesquisador do Instituto Federal de Tecnologia (ETH), Suíça, lida com um problema relativamente mais prático, o do transporte otimizado: a busca pela maneira mais eficiente, gastando menos dinheiro ou energia, de mover algum material de um local para outro. As equações matemáticas desse problema de engenharia também servem para modelar processos físicos, como a formação de cristais ou de nuvens no céu. Figalli recentemente identificou uma propriedade geral das soluções de equações usadas em meteorologia para descrever o movimento de frentes de ar.

A medalha Fields foi criada pelo canadense John Charles Fields em 1936. Desde então, é concedida a cada quatro anos para dois ou no máximo quatro matemáticos com menos de 40 anos de idade. O prêmio reconhece o grande impacto que os ganhadores produziram em suas áreas de pesquisa. Os medalhistas são selecionados por uma comissão especial formada por uma dúzia de matemáticos de reconhecida importância, a maioria medalhista de anos anteriores. A edição de 2014 do prêmio ficou marcada como a primeira vez em que uma mulher recebeu a medalha, a iraniana Maryam Mirzakhani, falecida em 2017 aos 40 anos. Também foi a vez do único medalhista brasileiro, o carioca Artur Avila.

Republicar