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Acervos

Ameaçada de extinção

Com coleções científicas que somam 600 mil peças, Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul luta pela sobrevivência

Fachada da fundação, que abriga museu, jardim botânico e zoológico

Félix Zucco/Agência RBS

Há mais de três anos, a Fundação Zoobotânica (FZB) do Rio Grande do Sul está na iminência de ser extinta, envolta em um clima de incerteza sobre o prosseguimento de suas pesquisas e serviços e o destino de suas coleções biológicas e paleontológicas, que reúnem cerca de 600 mil amostras de animais e plantas, do presente e do passado remoto. Responsável pela administração do Jardim Botânico, do Museu de Ciências Naturais e do Parque Zoológico, a FZB faz parte, ao lado de outras nove fundações gaúchas, da lista de instituições a serem fechadas em razão de um corte de despesas anunciado pelo governador gaúcho José Ivo Sartori em agosto de 2015. A medida foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em dezembro de 2016.

Desde então, a instituição, que foi criada em 1972 e tem um orçamento anual da ordem de R$ 30 milhões, luta na Justiça para não ser fechada, em um processo cheio de idas e vindas. Em 11 de outubro, a batalha parecia ter chegado ao fim: o governo gaúcho oficialmente extinguiu a FZB por meio do Decreto Estadual nº 54.268/2018. No entanto, oito dias mais tarde o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul revogou o decreto em atendimento a um pedido de tutela provisória de urgência do Ministério Público Estadual. A suspensão vale até o julgamento definitivo de agravo de instrumento em que o ministério público pleiteia que o governo gaúcho apresente um plano de extinção da FZB capaz de garantir a continuidade das atividades do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais (a proposta é que o zoológico seja cedido à iniciativa privada).

O decreto do governo gaúcho prevê que as atividades e os 180 funcionários da FZB, dos quais 25 são pesquisadores, sejam incorporados pela Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema). “As pesquisas da fundação eram boas e independentes, mas descoladas da Sema. Não sei se a extinção da FZB é a melhor solução, mas o que a motivou foi a reforma administrativa para reduzir os gastos”, explica Ana Pellini, secretária do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. “Minha vontade é aproveitar todas as pessoas. Porém, com a nova administração, não tenho como garantir a permanência de todos.” No ano passado, o governo gaúcho apresentou um déficit de R$ 1,67 bilhão.

Ana Maria Ribeiro Ossos da pata do dinossauro Guaibasaurus candelariensis, parte da coleção paleontológica do Museu de Ciências NaturaisAna Maria Ribeiro

Segundo o biólogo Jan Karel Felix Mahler Junior, da seção de Conservação e Manejo do museu, a Sema não tem mão de obra qualificada e treinada especificamente para tomar conta das 18 coleções de fauna e de flora atual e fossil da FZB ou conduzir suas pesquisas. A coleção de répteis do museu, por exemplo, é a mais importante do Sul, com cerca de 17 mil amostras, das quais 15 são espécimes-tipo (que servem como modelo de uma espécie) ou parátipos (que representam um pouco da variação dentro da espécie). “Não basta designar um biólogo para cuidar das coleções. As funções da fundação e da secretaria são diferentes”, comenta Mahler. Em sua coleção paleontológica, a fundação também abriga fósseis de alguns dos dinossauros mais antigos do Brasil e do mundo, como Guaibasaurus candelariensis e Sacisaurus agudoensis, ambos encontrados em terras gaúchas e que viveram há cerca de 220 milhões de anos.

Para o diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), Odir Antônio Dellagostin, a incorporação do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais à Sema pode ajudar a manter os acervos, porém as perspectivas para as pesquisas são menos otimistas. “A contratação de novos pesquisadores provavelmente deixará de existir”, diz Dellagostin.

Pesquisa Básica e aplicada
Alguns pesquisadores temem que a incorporação da FZB à secretaria leve à perda de liberdade na escolha dos temas e enfoques de seus estudos porque a Sema está diretamente ligada ao Poder Executivo. “O que a secretaria entende como pesquisa é a pesquisa aplicada. Ela não entende que a pesquisa básica fornece subsídios para a aplicada”, ressalta Ana Maria Ribeiro, curadora do acervo de paleontologia do museu, composto de 18 mil de peças. “O Museu Nacional chamou a atenção do público pelo seu incêndio repentino. Aqui estão acabando com nosso museu a fogo lento.” Hoje a FZB toca 148 projetos e subprojetos, dos quais 41% são vinculados à secretaria, 36% a demandas externas e 23% a demandas internas. Outro ponto levantado pelos pesquisadores é que a fundação, por dispor de um CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) próprio, tem mais flexibilidade para captar recursos, uma vantagem que seria perdida com sua incorporação à Sema.

Mariano Pairet Fundação não renovou parceria com o Instituto Vital Brazil para produção de soro antiofídicoMariano Pairet

A fim de tentar manter suas pesquisas e atividades acadêmicas, a FZB tem procurado firmar parcerias com instituições de ensino superior e estimular a pós-graduação. Em setembro, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) aprovou, por exemplo, a criação do primeiro mestrado acadêmico da fundação, na área de sistemática e conservação da diversidade biológica, a ser ministrado conjuntamente com a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs). Porém, com a possível extinção da FZB, o programa tende a não ser implementado.

As dúvidas sobre o futuro da fundação também têm afetado a área de prestação de serviços. Entre as atividades impactadas está a interrupção dos programas Ciência na Praça e Museu vai à Escola. “A parceria entre a FZB e o Instituto Vital Brazil não foi renovada no ano passado”, afirma o biólogo Marco Aurélio Azevedo, do Museu de Ciências Naturais. A colaboração envolvia o uso do veneno de serpentes nativas na produção de soro antiofídico e a realização de pesquisas sobre a peçonha. Se a situação da FZB não chegar a um bom termo até o fim do ano, seu destino será decidido depois da posse da nova administração estadual, em janeiro de 2019.

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