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ASTRONOMIA

Estrelas fora do comum

Descobertos nos últimos anos, astros com variação irregular de brilho desafiam pesquisadores

Representação artística da estrela Tabby, orbitada por um espesso disco de poeira que explicaria seus eclipses irregulares

Nasa/JPL-Caltech

O astrônomo brasileiro Roberto Kalbusch Saito procurava estrelas que aumentam de brilho a períodos regulares, astros importantes para determinar distâncias na galáxia, quando encontrou um objeto de comportamento incomum, que ainda não sabe explicar. Descrito em um artigo publicado em novembro na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, o astro enigmático recebeu o nome de WIT-07. As três letras são a abreviatura de what is this, frase em inglês que significa o que é isso? O numeral indica que é o sétimo objeto de comportamento inesperado entre os quase 800 milhões observados de 2010 a 2018 pelo telescópio Vista, no Chile, que faz um mapeamento tridimensional em alta resolução do centro da Via Láctea.

Dos sete objetos com alteração anormal de brilho detectados pelo Vista, seis apresentaram um aumento inicial na emissão de luz e depois desvaneceram, levando o astrônomo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e seus colaboradores a imaginar que fossem estrelas que sofreram erupções. A exceção foi o WIT-01, que, após ganhar luminosidade, não foi mais observado, possivelmente por ter sofrido uma morte explosiva, da qual restaria uma estrela quase apagada. Já o WIT-07 comportou-se de modo diferente. Em vez de brilhar mais, de tempos em tempos escurecia, como se um corpo denso passasse à sua frente e barrasse a chegada de parte de sua luz à Terra.

Saito e seus colaboradores notaram que os eclipses sofridos pelo WIT-07 eram irregulares. Havia reduções variáveis no brilho com frequência inconstante. Os eclipses estelares, causados pela passagem de um planeta diante de uma estrela ou de uma estrela menor na frente da principal, costumam ter periodicidade fixa e deixar uma marca registrada em gráficos chamados curva de luz, que mostram como o brilho varia com o tempo. Cada eclipse causa uma diminuição na luz que chega à Terra, seguida de um aumento no brilho, que ocorre com a mesma duração e intensidade. “A passagem de um corpo esférico, como um planeta, diante de uma estrela gera um gráfico em forma de U”, explica Saito.

Entrevista: Roberto Kalbusch Saito
     

Não é o que ocorre com a WIT-07. Observada 85 vezes em oito anos, essa estrela, aparentemente mais velha que o Sol e de massa desconhecida, apresentou ao menos quatro apagões com intensidade e duração diferentes. O mais longo ocorreu em 2012.

No final de maio daquele ano, a estrela começou a perder lentamente seu brilho ao longo de 48 dias. Em julho, apresentou uma redução abrupta de 80% na sua luminosidade que durou 11 dias. Ao final do eclipse, em poucos dias voltou a brilhar como antes. “A WIT-07 é uma das estrelas que não se enquadram em nenhuma categoria de astro com brilho variável”, conta Saito. Ele próprio não arrisca uma explicação detalhada para a causa dos eclipses. Poderiam ser restos de um sistema planetário recém-formado, aglomerados de poeira liberados por uma estrela de pouca massa ou fragmentos de um planeta que sofreu uma colisão recente. “Não sabemos o que estamos vendo”, afirma.

Saito, R. K. et al. Mnras. 2019 A estrela WIT-07Saito, R. K. et al. Mnras. 2019

Até hoje, apenas duas outras estrelas apresentaram comportamento semelhante. A primeira foi descrita em 2012 pelo astrônomo norte-americano Eric Mamajek, professor da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos. À época trabalhando no Chile, Mamajek analisou dados do Superwasp, um levantamento para detectar planetas extrassolares, e identificou o eclipse irregular de uma estrela com massa semelhante à do Sol, porém bem mais nova: a Swasp J140747.93-394542.6, ou, simplesmente, J1407. Com 16 milhões de anos e distante 420 anos-luz da Terra, a estrela apresentou um apagão incomum de vários dias no início de 2007. O evento culminou em abril com uma redução de 95% em seu brilho. No artigo em que descrevem o apagão na revista The Astronomical Journal, Mamajek e colaboradores sugerem que teria sido causado pela passagem de um planeta com anéis muito mais vastos e densos que os de Saturno à frente da J1407.

Três anos mais tarde, a astrônoma norte-americana Tabetha Boyajian apresentou outra estrela incomum. Em um estágio de pós-doutorado na Universidade Yale, Estados Unidos, ela teve acesso aos dados de quatro anos de observações do satélite Kepler, da Nasa, que buscava planetas semelhantes à Terra em 150 mil estrelas. Em paralelo à análise automática dos dados, Tabetha, pesquisadores dos Estados Unidos e da Europa e quase 3 mil astrônomos amadores revisaram uma a uma as curvas de luz obtidas pelo Kepler. Uma chamou a atenção. Mostrava 10 ocultações de uma estrela semelhante ao Sol localizada na constelação do Cisne, distante 1.470 anos-luz da Terra.

Os eclipses dessa estrela – a KIC 8462852, apelidada de Tabby star – também apresentavam duração variável e perda de brilho que oscilava de 0,5% a 22%. Caso a maior das ocultações fosse causada por um planeta, ele teria de ser mil vezes maior que a Terra, contou Tabetha, hoje professora da Universidade Estadual de Luisiana, Estados Unidos, em uma palestra TED em 2016. No artigo descrevendo as ocultações, publicado em 2015 na Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, os autores apresentaram diferentes interpretações para o fenômeno. As mais plausíveis, segundo eles, seriam a passagem de um enxame com centenas a milhares de cometas diante da Tabby ou de fragmentos liberados pela ruptura de um corpo rochoso com ao menos 100 quilômetros de diâmetro.

“Embora existam muitas estrelas com brilho variável, não conheço outros casos com padrão de variação semelhante ao dessas três estrelas”, afirma o astrônomo brasileiro Márcio Catelan, professor da Pontifícia Universidade Católica do Chile e coautor do estudo que descreve a WIT-07. “Acredito que esses são apenas os primeiros de uma nova classe de objetos variáveis, que poderia ser batizada de Tabby-Bobby-Mamajek stars.” Espera-se que outros objetos sejam encontrados em mapeamentos que devem começar na próxima década.

Por ora, não se sabe quão diferente a WIT-07 é das outras duas estrelas. “Ainda há pouca informação sobre a WIT-07”, contou Tabetha, por e-mail, à Pesquisa FAPESP. Também via e-mail, Mamajek afirmou: “Ela parece ser mais quente e ter massa maior que as outras duas, mas não sabemos se é mais nova, mais velha ou se tem a mesma idade”.

Artigos científicos
SAITO, R. et alVVV-WIT-07: another Boyajian’s star or a Mamajek’s object? Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. v. 482, n. 4, p. 5000-9. 1º fev. 2019.
MAMAJEK, E. E. et al. Planetary construction zones in occultation: Discovery of an extrasolar ring system transiting a young sun-like star and future prospects for detecting eclipses by circumsecondary and circumplanetary disksThe Astronomical Journal. v. 143, n. 3, p. 143-72. 10 fev. 2012.
BOYAJIAN, T. S. et alPlanet Hunters IX. KIC 8462852 – where’s the flux? Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. v. 457, n. 4, p. 3988-4004. 21 Abr. 2016.

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