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Cinema

Um inédito de Nelson Pereira

Historiador encontra cópia de curta-metragem feito pelo cineasta sobre projeto pioneiro da Universidade Federal de Mato Grosso

Cineasta em set de filmagem em 1971

Wikimedia Commons

Um rolo de filme de 16 milímetros, de cerca de 30 minutos, contendo um curta-metragem dirigido em 1973 por Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), foi encontrado pelo historiador José Amílcar Bertholini de Castro durante pesquisa de doutorado desenvolvida na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em Cuiabá. Apesar de constar da filmografia do cineasta, o paradeiro da obra era desconhecido até então.

Rodado durante parceria entre a UFMT e a produtora Regina Filmes, que ainda hoje pertence à família do cineasta, o filme traz imagens e depoimentos sobre a Cidade Laboratório de Humboldt, um dos primeiros projetos de pesquisa da universidade, que foi criada em 1970. Construída no município de Aripuanã, a cerca de 900 km de Cuiabá, a Cidade Laboratório funcionou entre 1973 e 1978 com a finalidade de reunir cientistas brasileiros e estrangeiros, pequenos agricultores e povos indígenas na busca por soluções de desenvolvimento que não degradassem o meio ambiente da região amazônica. O projeto foi criado a partir de convênio estabelecido entre os ministérios do Planejamento, do Interior, da Educação e Cultura, além do governo de Mato Grosso.

UFMT Cópia do filmeUFMT

Ofícios trocados à época entre o médico Gabriel Novis Neves, primeiro reitor da UFMT, fundada em 1970, e o Ministério da Educação indicam que a iniciativa pretendia fomentar “a participação da ciência e tecnologia no desenvolvimento de uma área potencialmente rica e ainda não integrada à economia nacional”. “A cidade foi montada por meio de suporte logístico dos aviões da Força Aérea Brasileira, que permitiu levar casas pré-fabricadas à região, onde chegaram a viver cerca de 150 pessoas”, conta o engenheiro e atual vice-reitor da UFMT, Evandro Soares. Documentos administrativos da universidade indicam que dificuldades de acesso, desinteresse dos cientistas, disputas pelo território em que estava instalada a Cidade Laboratório, problemas gerenciais e escassez de verbas motivaram o encerramento da empreitada, cinco anos depois de seu início. Parte dos artefatos coletados pelos antropólogos e sociólogos que trabalharam no projeto, entre eles adereços e ferramentas de índios Cinta Larga, pertence hoje ao acervo do Museu Rondon de Etnologia e Arqueologia, que fica no campus de Cuiabá da UFMT.

Cópia única
Bertholini de Castro, que descobriu o filme e é funcionário da UFMT, trabalhava na organização e no tratamento de arquivos institucionais da reitoria como parte de um processo de preparação do acervo para consultas públicas, quando se deparou com uma pasta com informações sobre o projeto da Cidade Laboratório. “Sou funcionário da instituição desde 1982 e nunca tinha ouvido falar dele. Resolvi investigar o assunto na pesquisa de doutorado que atualmente desenvolvo no Departamento de História da UFMT”, conta. O esforço para levantar dados sobre a Cidade Laboratório envolveu consultas em documentos administrativos da universidade, além de informações obtidas em Cuiabá e no Rio de Janeiro. Foi em edições de jornais e revistas da década de 1970 – entre eles O Estado de Mato Grosso, O Globo, Opinião e Veja – que o pesquisador encontrou menções a respeito de um filme de Santos sobre o projeto. “Busquei a obra, sem sucesso, na Cinemateca do Rio e na própria Regina Filmes”, conta.

UFMT Vista aérea da Cidade Laboratório e pesquisadores em trabalho de campoUFMT

Algum tempo depois, durante entrevista com o ex-reitor Neves, o historiador ficou sabendo que o filme teria sido exibido apenas uma vez, para seis pessoas ligadas à UFMT, tão logo foi concluído, em 1973. Com o fim do projeto da Cidade Laboratório, o rolo original ficou sob a responsabilidade de um funcionário da universidade, que se encarregou de realizar cópias do trabalho, mas acabou por não fazê-lo. Com a ajuda de Neves, Bertholini de Castro conseguiu reaver o rolo original, que foi devolvido à reitoria da UFMT. “Agora precisamos de financiamento para a restauração. Essa provavelmente é a única cópia disponível do filme, daí a importância de resgatá-la, mesmo que parcialmente. O rolo está muito danificado”, explica o vice-reitor Soares.

Considerado um dos principais cineastas brasileiros, Nelson Pereira dos Santos foi um dos precursores do Cinema Novo, movimento de renovação da cinematografia nacional entre as décadas de 1960 e 1970. Questões sociais marcaram a trajetória do cineasta que, em 1955, realizou seu primeiro longa-metragem, Rio, 40 graus. Em 1963, dirigiu Boca de ouro e Vidas secas baseados, respectivamente, em livros de Nelson Rodrigues (1912-1980) e Graciliano Ramos (1892-1953). Em 1967, rodou El justicero e Fome de amor e, no ano seguinte, ajudou a criar o curso de cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde passou a dar aulas. O professor Mateus Araújo, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), desconfia que Santos realizou o curta-metragem sob encomenda. “Certamente ele não se tornará uma peça-chave de sua filmografia, mas dada a importância de Santos na história do cinema brasileiro, sem dúvida alguma é necessário restaurá-lo”, finaliza.

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