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Astronomia

Pretzel cósmico

Imagem registra sistema formado por duas estrelas recém-nascidas envoltas por discos e filamentos de gás e de poeira entrelaçados

Estrutura formada por protoestrelas binárias em estágio inicial de desenvolvimento foi identificada no extremo sul da Nebulosa do Cachimbo

Alma (ESO / NAOJ / NRAO), Alves et al.

Na constelação de Ofiúco, distante cerca de 600 anos-luz da Terra, duas estrelas jovens de massa equivalente à do Sol alimentam-se de uma rede de filamentos de gás e poeira interestelar envolta por um disco maior na forma de uma espiral. De longe, essa figura lembra um pretzel, tipo de pão bastante popular nos países de origem germânica. A imagem desse sistema estelar foi possível graças a uma observação em alta resolução realizada por um grupo internacional de pesquisadores, entre eles os astrofísicos brasileiros Felipe de Oliveira Alves, que faz estágio de pós-doutorado no Centro de Estudos Astronômicos do Instituto Max Planck para Física Extraterrestre, em Munique, na Alemanha, e Gabriel Armando Franco, do Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Um artigo publicado em outubro na revista Science traz detalhes desse flagra cósmico.

Pesquisadores de outros grupos já haviam obtido um esboço das estruturas em torno das duas estrelas recém-nascidas a partir de informações fornecidas pelo radiotelescópio Submillimeter Array (SMA), no Havaí. Desta vez, no entanto, a equipe coordenada por Alves usou a rede de radiotelescópios do Atacama Large Millimeter/Submillimeter Array (Alma), em San Pedro de Atacama, no Chile, um dos maiores sítios de observação astronômica do mundo. As imagens obtidas pelo Alma são muito mais nítidas que as feitas pelo SMA e permitiram aos pesquisadores analisar os pormenores de toda a estrutura do sistema, batizado de [BHB2007] 11, inclusive sua intrincada rede de filamentos de gás e poeira que parecem dançar em torno dos dois pontos brilhantes. “Essa é a primeira vez que astrofísicos conseguem obter uma imagem tão nítida de um sistema de protoestrelas binárias em seus estágios iniciais de formação”, destaca Franco.

Entrevista: Felipe de Oliveira Alves
00:00 / 11:36

Com base nas observações, os pesquisadores calculam que as duas estrelas estão separadas uma da outra por uma distância 28 vezes maior do que a da Terra em relação ao Sol, que é de aproximadamente 149,6 milhões de quilômetros. Também estimam que elas tenham nascido há cerca de 200 mil anos, a partir do colapso de uma nuvem molecular, também conhecida como nebulosa escura.

Essas regiões da Via Láctea apresentam grandes concentrações de gás e poeira interestelar. São tão densas que são capazes de obscurecer a luz das estrelas situadas atrás delas. As nebulosas são também extremamente frias, com temperaturas de até -250 graus Celsius, próximas ao zero absoluto. Essas condições favorecem a aglomeração de gases. Quando a densidade atinge um valor limite, essas nuvens colapsam sob a ação de sua própria força gravitacional e se despedaçam em fragmentos menores que dão origem às protoestrelas. “É por isso que as nebulosas escuras passaram a ser conhecidas como berçários de estrelas entre astrônomos e astrofísicos”, conta Franco.

Alma (ESO / NAOJ / NRAO), Alves et al. Nebulosa do CachimboAlma (ESO / NAOJ / NRAO), Alves et al.

As duas protoestrelas estão situadas em um pequeno aglomerado estelar em uma nebulosa escura chamada Barnard 59, na extremidade de uma nuvem de poeira interestelar mais densa e maior chamada Nebulosa do Cachimbo — assim batizada por conta de seu formato. Cada estrela tem seu próprio disco circunstelar, ambos compostos de poeira e gás. “O tamanho de cada um desses discos é semelhante à distância do Sol em relação ao cinturão de asteroides, localizado entre as órbitas de Marte e Júpiter”, explica Alves, principal autor do estudo. “Ambos estão cercados por um disco maior, quase circular, de massa equivalente a 80 vezes à de Júpiter.” Na imagem divulgada, os filamentos estão entrelaçados e é possível identificar dois deles. Não é possível ver o disco maior.

Segundo os pesquisadores, as duas protoestrelas provavelmente se alimentam do material contido no disco maior por meio de um mecanismo dividido em duas etapas. Em um primeiro momento, a massa do disco maior é transferida para o menor, que, em seguida, é absorvido pelas jovens estrelas. “Há uma hierarquia no modo como elas se alimentam e ganham massa”, diz Alves.

Ele explica que, à medida que o material desses anéis cai no centro das protoestrelas, elas se tornam maiores. Isso ocorre porque o gás sugado por elas se contrai, convertendo energia cinética, do movimento, em calor. Esse processo faz com que tanto sua pressão quanto sua temperatura aumentem. Ao atingirem alguns milhares de graus de temperatura, daqui a estimados 12 milhões de anos, as protoestrelas vão se tornar uma fonte de radiação infravermelha e se transformar em uma estrela como o Sol.

Segundo Franco, as duas protoestrelas binárias têm massas parecidas, mas uma possivelmente é menor que a outra. “Ela parece se alimentar mais do material contido no seu disco e ganhar massa mais rápido que a estrela maior”, comenta ele. Apesar dessa ligeira irregularidade, as observações indicam que todo o sistema tende a se autorregular para que as duas protoestrelas mantenham massas mais ou menos equivalentes e se desenvolvam de modo homogêneo. “Esses dados nos ajudam a compreender melhor como se dá a formação desses sistemas nascentes compostos por duas estrelas”, afirma Alves.

Artigo científico
ALVES, F. O. et al. Gas flow and accretion via spiral streamers and circumstellar disks in a young binary protostar. Science. v. 366, nº 6461, p. 90-93. out. 2019.

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