Imprimir PDF Republicar

Cooperação

Parceiros na pesquisa da Xylella

Pesquisadores vão decifrar código genético de mais duas bactérias

Os pesquisadores da rede Onsa (Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos) que participam do projeto Genomas Ambientais e Agronômicos mal tiveram tempo de se debruçar sobre seus dois empreendimentos atuais – decifrar o código genético de duas bactérias, da variante da Xylella fastidiosa que destrói as videiras e da Leifsonia xyli subsp.xyli, que ataca o talo da cana-de-açúcar – e já foram requisitados para mais duas missões. Os membros da rede virtual de laboratórios de pesquisa genômica criada pela FAPESP foram convidados pelo Joint Genome Institute (JGI), consórcio de laboratórios americanos com sede em Walnut Creek, na Califórnia, a auxiliá-lo na tarefa de desvendar o DNA de outras duas cepas da Xylella: a que acomete a amendoeira e a que se instala numa planta ornamental popularmente conhecida como espirradeira ou oleandro (Nerium oleander).

Pelo acordo verbal, fechado no fim de outubro, caberá aos brasileiros o trabalho de realizar a anotação do genoma dessas duas variantes da Xylella, cujo seqüenciamento puro e simples está sendo feito pelos próprios pesquisadores do JGI. Ou seja, os cientistas da Onsa vão identificar, entre os milhões de “letras químicas” (os pares de base) que compõem o genoma, as receitas que regulam a produção de proteínas, interpretando e analisando os dados brutos fornecidos pelos seus colegas californianos. No início de novembro, o JGI anunciou que acabara de terminar “rascunhos de alta qualidade” contendo 95% das seqüências genéticas dessas duas variedades da Xylella e de mais 13 bactérias.

Em meados de dezembro, os pesquisadores brasileiros vão aproveitar uma viagem a Davis, Califórnia, onde participarão de um workshop com especialistas em Xylella, para discutir os detalhes finais dessa nova parceria. Falta definir sobretudo se, além da anotação, os pesquisadores brasileiros também se encarregarão da tarefa de preencher as lacunas não cobertas pelo seqüenciamento feito no JGI, os 5% de material genético não mapeado. O acordo de cooperação não envolve valores monetários, apenas a troca de conhecimentos e esforços. “O convite de cooperação é um reconhecimento do nível de nosso trabalho. Podemos fazer a anotação sem problemas, mas preencher esses buracos é algo demorado. Temos prazos a cumprir nos nossos projetos”, afirma Marie-Anne Van Sluys, do Departamento de Botânica do Instituto de Biocências da Universidade de São Paulo (USP), uma das coordenadoras do projeto da Xylella da videira.

“A cooperação é interessante porque teremos a chance de comparar diferentes linhagens dessa bactéria”, diz Mariana Cabral de Oliveira, colega de departamento de Marie-Anne e também coordenadora do projeto da Xylella das parreiras. “Será um novo desafio. Com esse intercâmbio, poderemos fazer mapas comparando os genes de todas as variedades de Xylella seqüenciadas por nós e pelos americanos”, afirma João Paulo Kitajima, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenador de bioinformática da Xylella da uva. Em tempo: os pesquisadores paulistas foram os primeiros no mundo a decifrar o genoma completo de uma variedade da Xylella, a dos citros, causadora da praga do amarelinho que ataca os laranjais, num já célebre trabalho que mereceu capa da Nature, uma das mais renomadas revistas científicas do mundo.

O convite do JGI mostra que a relação com a rede Onsa, que se iniciou com um caráter claramente competitivo, pode evoluir para um patamar mais cooperativo. Vale a pena lembrar a recente disputa envolvendo os dois centros. Numa batalha de palavras que extrapolou o âmbito dos laboratórios e ganhou as páginas dos jornais brasileiros, o JGI se colocou, alguns meses atrás, como principal concorrente da rede Onsa na disputa pelo projeto de seqüenciamento da Xylella das parreiras – iniciativa de grande interesse e em parte financiada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), que tenta deter o avanço da doença de Pierce, causada por essa bactéria, na Califórnia, principal região produtora de vinhos nobres nesse país.

Na ocasião, diretores do instituto chegaram a afirmar que teriam condições de realizar a leitura do DNA da bactéria em muito menos tempo do que a rede da FAPESP. Primeiro, disseram que precisariam apenas de duas semanas para tal tarefa. Depois, baixaram o prazo para 24 horas. Como o JGI não se comprometia a fornecer a anotação do material genético da bactéria da uva, justamente a parte mais analítica e refinada de qualquer esforço de desvendamento do DNA de um ser vivo, o USDA preferiu apostar suas fichas na Onsa.

Primeiros resultados
O projeto de seqüenciamento da Xylella das videiras, um investimento de US$ 500 mil bancado meio a meio pela FAPESP e pelo USDA, já apresenta os primeiros resultados. Até o dia 16 de novembro, os cinco centros que coordenam o trabalho dos 20 laboratórios envolvidos na iniciativa contabilizavam 20.375 seqüências já depositadas no banco de dados, quase 40% do número total de seqüências previstas paras serem mapeadas durante o projeto.

Nesse tipo de iniciativa, os pesquisadores geram uma quantidade de seqüências muito maior do que o necessário para simplesmente mapear de forma superficial um genoma. Eles procedem dessa maneira para reduzir ao máximo, ou até mesmo eliminar, trechos do DNA não lidos pelas máquinas de seqüenciamento e obter dados mais confiáveis.

Por isso, apesar de o genoma da Xylella ter cerca de 2,7 milhões de bases, os pesquisadores vão seqüenciar 24 milhões de bases. Na prática, isso equivale a dizer que cada base do DNA da bactéria vai ser lida oito vezes – e não apenas uma. Até o final de dezembro, 95% do genoma da Xylella deverá ter sido mapeado. Em fins de janeiro, todo o trabalho deverá ter sido concluído, abrindo espaço nos seqüenciadores para o DNA da Leifsonia, a próxima missão da Onsa.

JGI, um gigante da genômica

O Joint Genome Institute (JGI), apesar de operado pela Universidade da Califórnia, é um instituto do Departamento de Energia norte-americano (DOE). Ao lado dos Institutos Nacionais de Saúde (NIHs), o DOE é o segundo grande órgão americano envolvido no consórcio público internacional que toca o Projeto Genoma Humano. E o JGI é o braço do DOE que atua no Projeto Genoma e em outras iniciativas genômicas.

Concebido em 1996 e formalmente criado no ano seguinte, o JGI nasceu com a missão de conjugar os esforços de três bem-sucedidos centros de pesquisa envolvidos há mais de uma década no Projeto Genoma Humano: os laboratórios nacionais Lawrence Berkeley, Lawrence Livermore (ambos na Califórnia) e o de Los Alamos (no Novo México). Quando se diz bem-sucedidos, não há nenhum exagero na expressão.

As contribuições dadas por essa trinca de laboratórios nas áreas de mapeamento físico e seqüenciamento de genomas, seus pontos fortes, fazem do JGI um consórcio de altíssimo pedigree científico. Apenas um exemplo basta para dar a dimensão desse gigante: em abril deste ano, o JGI divulgou o rascunho de três cromossomos humanos, os de número 5, 16 e 19. Genes desses cromossomos devem estar ligados à ocorrência de doenças nos rins, câncer de colo, reto e próstata, leucemia, hipertensão, diabetes e arteriosclerose.

O JGI emprega 240 pessoas. Metade de seus funcionários fica na sede em Walnut Creek e metade nos três laboratórios do instituto. Para cobrir todas as etapas do processo de mapeamento de um DNA, além de contar com os serviços de seus três laboratórios membros, o instituto mantém parcerias com outros laboratórios nacionais: Oak Ridge (para anotação de genoma), Brookhaven (biologia molecular) e Pacific Northwest (estudos do proteoma, conjunto de genes responsáveis pela formação de proteínas). O Centro de Genoma de Stanford é outro parceiro do JGI.

Republicar