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Genômica

Avanço em dose dupla

Seqüenciamento da Xylella da uva ajuda a entender o amarelinho

Em meados de junho, quando terminaram o seqüenciamento do código genético da bactéria Xylella fastidiosa que provoca a doença de Pierce, um mal devastador para as videiras da Califórnia, os pesquisadores do projeto Genomas Agronômicos e Ambientais, um dos braços do Programa Genoma FAPESP, sabiam que tinham em mãos uma boa notícia não só para os produtores de vinho da costa oeste norte-americana. As novidades interessavam também aos plantadores de laranja do estado de São Paulo, que, de forma indireta, podem vir a ser beneficiados com o final do trabalho. Como assim? É que o mapa genético da Xylella da uva forneceu pistas importantes para o melhor entendimento do genoma do primeiro fitopatógeno seqüenciado no Brasil (e no mundo): o da linhagem da Xylella fastidiosa que causa a Clorose Variegada dos Citros (CVC), a popular praga do amarelinho, nociva aos laranjais.

Comparando o material genético das duas cepas, os pesquisadores identificaram trechos que podem estar associados ao processo de infecção da Xylella nos citros. “Essas regiões merecem ser objeto de estudo no futuro para determinarmos se realmente estão ligadas à doença causada pela bactéria nos laranjais”, diz Marie-Anne Van Sluys, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/USP), uma das coordenadoras do projeto que mapeou o DNA da Xylella da uva.

Um desses trechos é uma seqüência de 70 mil pares de base (unidades químicas que compõem o DNA de um organismo) só encontrada em bactérias especializadas em atacar laranjas. A seqüência está presente no genoma da Xylella da CVC e uma parte dela se encontra no da Xanthomonas citri, bactéria causadora do cancro cítrico, cujo código genético foi desvendado pelo Programa Genoma FAPESP. Essa seqüência, porém, não foi identificada na Xylella da uva nem em outra variedade da Xanthomonas, a campestris, que não infecta os laranjais.

Outra constatação dos pesquisadores paulistas: o genoma da Xylella da uva tem várias cópias de genes possivelmente associados ao processo de adesão da bactéria ao vetor ou ao hospedeiro. Os cientistas suspeitam de que, sem esses genes, a bactéria não consiga se manter presa ao inseto que a transmite ou à planta contaminada.

Parecidos, mas não iguais
Os genomas das duas Xylellas são muito parecidos, mas não iguais. O da bactéria especializada em atacar a uva é menor e não apresenta alguns trechos identificados no patógeno da laranja. Tem cerca de 2,5 milhões de pares de bases, 200 mil a menos que o da causadora do amarelinho. Os genes codificados pelos dois genomas são os mesmos em mais de 90% dos casos. “Constatamos, porém, muitos rearranjos internos”, diz Mariana Cabral de Oliveira, também do IB/USP, outra coordenadora do projeto. “Cada Xylella apresenta uma ordem própria de aparecimento de alguns genes ou regiões genéticas.”

Por ora, a Xylella da uva apresenta 3.400 regiões candidatas a serem reconhecidas como genes (a Xylella da CVC tem cerca de 2.800 genes). Os pesquisadores evitam chamar essas regiões de gene porque sabem que o número ainda não é definitivo. “A quantidade de genes deve cair para cerca de 2.600 à medida que refinarmos o processo de anotação do genoma”, diz João Paulo Kitajima, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenador de bioinformática da Xylella da uva.

Anotar um genoma é identificar as regiões que são genes e dizer, sempre que possível, que proteínas esses genes geram. Os dados iniciais do seqüenciamento da bactéria da uva são resultado de um processo de anotação automatizado, feito com auxílio de programas de computador. O próximo passo será efetuar a anotação à mão, mais detalhada.

Acordos
O seqüenciamento da Xylella da uva faz parte de um acordo de cooperação assinado em agosto do ano passado entre a FAPESP e o United States Department of Agriculture (USDA), órgão equivalente ao Ministério da Agricultura americano. A FAPESP e o USDA dividiram, meio a meio, o custo total da empreitada, de US$ 500 mil. Dos US$ 250 mil investidos pelo USDA no projeto, uma parte da quantia veio de verbas do próprio departamento e outra de repasses que lhe foram feitos pela American Vineyard Foundation (AVF), associação dos produtores de vinho da Califórnia, e pelo California Department of Food and Agriculture (CDFA). Preocupado com o avanço da doença de Pierce sobre as parreiras da Califórnia, principal região vinícola do país, o Serviço de Pesquisa Agrícola do USDA resolveu convidar os cientistas paulistas para realizar o seqüenciamento da bactéria que causa essa praga. Afinal, eles já tinham feito o mesmo trabalho na Xylella que provoca a CVC.

Num desdobramento da parceria, a FAPESP acaba de firmar um novo acordo com os americanos. Os pesquisadores paulistas vão fazer a montagem e anotação dos genomas de duas variedades da Xylella fastidiosa que foram quase totalmente seqüenciados nos Estados Unidos, a que ataca a amendoeira e a que infecta a planta espirradeira. O convite para executar o trabalho foi feito no ano passado, mas só agora formalizado. No projeto, serão investidos US$ 100 mil. A FAPESP entrará com 50% do valor, e o USDA, com US$ 25 mil, mesma soma a ser aplicada pela AVF. Para os pesquisadores paulistas, a montagem de mais dois genomas de Xylella vai enriquecer ainda mais seus conhecimentos sobre a bactéria.

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