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ENGENHARIA AMBIENTAL

Radiografia da poluição de Campinas

Pesquisadora da Unicamp detecta a presença de metais nos efluentes, na água e no ar

Novas técnicas do uso de raios X tornam-se aliadas importantes para um melhor controle ambiental. Com elas, é possível detectar concentrações de metais na água, nos efluentes e no ar com muito mais precisão do que pelos métodos convencionais de análise química. No Brasil, o uso pioneiro dessas novas técnicas na área ambiental foi realizado em vários estudos, na região de Campinas, sob a coordenação da professora Silvana Moreira Simabuco, da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E os resultados não foram bons para a saúde da população. Eles detectaram a presença de metais acima dos níveis permitidos pela legislação. Foram achados cromo e níquel em lixões e efluentes industriais, cobre, níquel, cobalto e ferro nas águas dos rios Capivari e Atibaia e cobre, chumbo e cobalto no ar de Campinas.

A pesquisa de Silvana utilizou raios X em duas versões, a de fluorescência por dispersão de energia (ED-XRF) e por reflexão total (TXRF). Nesses casos, os raios X são bombardeados contra uma amostra, provocando uma excitação dos elementos químicos existentes nela. Sabe-se qual é o elemento químico pela resposta da energia emitida por cada um desses componentes do objeto analisado. Essa técnica é usada desde os últimos anos da década de 90, para a avaliação qualitativa e quantitativa da composição química em vários tipos de amostras, de interesse agropecuário, industrial, geológico e ambiental. Uma de suas vantagens é não ser destrutiva. Ela permite análisar vários elementos em uma única medida sem provocar alterações na amostra, preservando a qualidade das provas.

Os estudos ambientais em Campinas foram iniciados em 1995 com apoio financeiro da FAPESP. Um dos primeiros resultados surgiu no chamado Lixão de Americana, onde estima-se que existam cerca de 150 mil toneladas de resíduos tóxicos sólidos acumulados. “Verificamos que a presença de vários elementos contidos nas amostras do aterro estava bem acima do permitido pela legislação federal”, aponta a pesquisadora. O mais grave é que o lixão fica numa área de 19 hectares nas proximidades da confluência dos rios Atibaia e Jaguari, onde eles se juntam para formar o rio Piracicaba.

Efluentes industriais
Outro estudo que também mostrou os riscos da agressão à natureza e à saúde humana foi elaborado no município de Limeira, que possui o maior pólo de fabricação de bijuterias da América Latina e várias indústrias de autopeças. Silvana analisou os efluentes da indústria de galvanoplastia, ramo da metalurgia que opera com metais e derivados químicos para revestimento de peças metálicas. Os resultados permitiram concluir, por exemplo, que as concentrações de cromo total no resíduo sólido (lodo) nas amostras dos efluentes industriais de Limeira ficaram bem acima do limite máximo que estabelece a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABTN), que é de 100 mg de cromo por quilo.

“O nível de metais pesados nos efluentes dessas empresas é bastante elevado, o que inviabiliza a sua concentração em aterros e induz as empresas a depositar os efluentes em tambores. Isso não resolve porque eles se deterioram com a ação do tempo. Além disso, em virtude dos grandes volumes de lixo tóxico que se formam, surge o problema de espaço físico”, explica a professora.

“A situação dos efluentes da região é bastante grave, mas pode mudar. Algumas indústrias já nos procuraram para encontrar alternativas contra a poluição e para reaproveitar os efluentes”, comenta a pesquisadora. Uma das alternativas que a indústria galvanoplástica procura consolidar é reaproveitar os metais dos efluentes líquidos, antes mesmo do tratamento, ou utilizar o lodo tratado como matéria-prima para a construção civil.

Níquel por milhão
Os estudos também detectaram a presença do níquel nos efluentes líquidos em concentrações na faixa de 977 a 3.794 partes por milhão (ppm) e acentuaram a periculosidade desse resíduo. Essa pesquisa foi realizada a pedido de uma indústria do setor de autopeças, com unidades industriais em Limeira. Silvana comenta que depois dessa empresa outras indústrias da região a procuraram para realizar o mesmo trabalho. Foram feitos convênios e contratos de prestação de serviço entre a Unicamp e diversas empresas e órgãos públicos.

Outro projeto importante desenvolvido por Silvana e sua equipe, composta de oito alunos de mestrado e doutorado da Unicamp, que trabalham com bolsas de estudo da FAPESP e do CNPq, foi o de monitoramento de metais pesados em águas de rios e tratadas da região de Campinas, feito com amostras cedidas pela Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento (Sanasa) de Campinas. A análise do material mostrou que, nas amostras dos rios, os padrões de alguns metais estavam acima dos limites aceitáveis pela legislação federal, principalmente os níveis de cobre, níquel, cobalto e ferro. Desses elementos, o cobre e o níquel são os mais prejudiciais à saúde humana quando encontrados em valores superiores aos permitidos pela lei. Nas águas dos rios, também foi detectada a presença de zinco, manganês e cromo, o que aumentou a preocupação dos pesquisadores. Na amostra de água tratada, os resultados foram considerados normais.

Feixe de luz
Uma das variantes mais eficientes, rápidas e econômicas da técnica nuclear de fluorescência de raios X é a que obtém a excitação dos elementos químicos das amostras por meio da radiação de luz síncrotron. Esse feixe luminoso é diferente da luminescência (que não emite calor) emitida pelos raios X comuns porque possui amplo espectro eletromagnético, de especial intensidade, que abrange o infravermelho, o ultravioleta, além da faixa de luz visível. Vários trabalhos da pesquisadora foram feitos em parceriacom o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas. A luz síncrotron detecta os níveis mais baixos de um elemento químico, com a precisão de contagem em partes por bilhão. Um desses projetos mediu a concentração de cromo III e VI em amostras de efluentes industriais despejados nos rios Capivari, Atibaia e foz do ribeirão Pinheiros, nas proximidades de Piracicaba e de Campinas. Os resultados mostraram que é alta a concentração dos dois tipos de cromo nos efluentes.

Segundo Silvana, os problemas apontados na pesquisa poderiam ser resolvidos com maior empenho dos empresários e autoridades públicas. “Hoje existem formas de tratamento de água e várias técnicas de descarte e reaproveitamento de efluentes industriais que reduzem ou até mesmo zeram os níveis de contaminação.”

Chumbo no ar
A fluorescência de raios X e a radiação de luz síncrotron também foram usadas pela professora Silvana para medir níveis de poluição do ar. Nesse caso, ela se utilizou da ajuda de folhas de duas plantas ornamentais: a espirradeira Nerium Oleander e a azaléia Rhododendron ferrigineum, muito comuns em parques e praças públicas da região. “A escolha dessas espécies vegetais deve-se à existência de literatura sobre suas propriedades bioindicadoras e por serem facilmente encontradas em Campinas, em diversos locais, e em outras cidades do país”, explica Silvana. Elas funcionam como uma alternativa de análise para o método de filtragem convencional de material particulado do ar por meio de bombas de sucção acopladas em filtros de membrana porosa. A idéia foi medir os poluentes em áreas de grande concentração de indústrias e de tráfego intenso de veículos.

Além de Campinas, o estudo contou com experimentos realizados na cidade do Rio de Janeiro, com a colaboração de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foram analisadas as concentrações de titânio, manganês, vanádio, ferro, cobre, zinco, bromo e chumbo. As azaléias capturaram os níveis de poluição no centro de Campinas, na Av. Francisco Glicério, onde circulam 2.199 veículos por hora, e no Jardim Shangrilá, um condomínio fechado, onde o fluxo é de menos de 100 veículos por hora. Os resultados obtidos pela fonte de luz síncrotron reafirmam que os níveis crescentes de poluição atmosférica em cidades dos portes de Campinas e Rio de Janeiro devem ser considerados gravíssimos pelas autoridades. Cobre, chumbo e cobalto foram os elementos detectados em maior quantidade pelas espirradeiras e azaléias localizadas em pontos de circulação intensa de veículos nas duas cidades.

Silvana Simabuco pretende, agora, na fase atual de seu trabalho, fazer medições em amostras de sangue e de leite materno para avaliar a concentração de metais nesses fluidos. “Trata-se do uso de uma nova variante das técnicas nucleares de raios X para fazer análises de amostras de pequenos volumes, da ordem de microlitros.” A coleta desses materiais deverá ser feita de pessoas residentes em diversos locais do município de Campinas e de variadas classes sociais.

O trabalho desenvolvido pela pesquisadora pode abranger também outras aplicações, como as recentes exigências da Organização Mundial de Saúde (OMS), que passou a requerer a análise de produtos da indústria farmacêutica tendo como alvo principal os elementos cádmio, chumbo, arsênico e mercúrio. Duas indústrias de São Paulo já se anteciparam e levaram amostras de guaraná em pó e óleo de eucalipto para serem analisadas. Os dados, resultantes da experiência feita pela equipe de Silvana no LNLS, com a técnica de fluorescência de raios X por reflexão total, indicaram a ausência de todos esses elementos nas amostras testadas.

Mil utilidades
Em sua longa lista deprojetos, surgem como prioritários os que medem o acúmulo de metais em sedimentos dos rios Atibaia e Capivari. Outro importante projeto é o que analisa óleos lubrificantes e aditivos de gasolina, também em parceria com o Síncrotron. “Temos ainda, para este ano, projetos em colaboração com a Faculdade de Farmácia de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), sobre plantas medicinais e medicamentos e estamos trabalhando em Limeira, com a companhia Águas de Limeira para avaliar os efeitos da irrigação, com esgoto doméstico tratado, em plantios de milho.” A idéia, nesse caso, é medir a concentração de metais nas plantações de milho, em suas folhas, raízes e grãos. Um trabalho que, como os outros, é essencial para a boa saúde humana.

O projeto
Implantação da técnica analítica nuclear e instrumental, fluorescencia de Raios X por dispersão de energia, na pesquisa ambiental e industrial (nº 95/00647-4); Modalidade Linha regular de auxílio à pesquisa; Coordenadora Silvana Moreira Simabuco – Unicamp; Investimentos
R$ 28.228,48 e US$ 44.618,00

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