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ALFABETIZAÇÃO

Quando o cotidiano ensina

Em Diadema, analfabetismo não é ignorância

Nas escolas públicas do município de Diadema, a palavra alfabetização ganhou um novo sentido. Depois de quatro anos de trabalho intenso com professores e à comunidade, pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP construíram um novo programa de alfabetização, pautado na experiência dos moradores e na história da cidade onde vivem. Como preconizava o educador Paulo Freire, crianças, jovens e adultos agora aprendem a ler e escrever a partir de elementos bem próximos de seu cotidiano; e os professores aprenderam a valorizar e aproveitar o conhecimento que o aluno já traz consigo. Tendo vergonha de ser analfabetos, “muitos adultos ficavam na porta da escola e não entravam”, conta a coordenadora da pesquisa, Zilda Márcia Gricoli Iokoi. O problema foi solucionado aos poucos, quando os alunos perceberam que a escola dava importância ao que já sabiam e quando os professores livraram-se dos preconceitos. “Eles entenderam que analfabetismo não é sinônimo de ignorância”, diz a pesquisadora.

Apoiado pela FAPESP, o projeto começou com a formação de 14 professores e diretores de sete escolas da rede pública, mas teve efeito multiplicador: hoje todas as escolas municipais e estaduais de Diadema utilizam essa filosofia e o vasto material didático criado. “Até a matemática é ensinada a partir de situações do dia-a-dia. Os alunos calculam, por exemplo, a distância que percorrem de casa até a escola e fazem contas a partir do orçamento doméstico”, explica Zilda.

Das experiências relatadas pelos alunos nasceram dois livros de contos, um para adultos e outro para crianças, escritos pela própria pesquisadora. A pesquisa histórica no município (território dos monges beneditinos até o século 18) também resultou em livro:Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha . Usado como material de apoio para os professores, o livro procura mostrar as origens das questões sociais atuais da região. Localizada junto a uma represa, Diadema nasceu como área de lazer para famílias alemãs que residiam na capital. Transformou-se em cidade-dormitório, acompanhando a expansão industrial do ABC, puxada pela indústria automobilística.

Hoje é habitada em grande parte por imigrantes nordestinos e tem até uma Vila Socialista, “exemplo vivo do movimento de ocupação de terras do início da década de 70”, segundo Zilda. Outro documento produzido foi um CD-ROM com músicas regionais inéditas, muitas fotografias e ilustrações elaboradas pelos próprios alunos. Está em fase de acabamento e também vai ser usado nas escolas para ajudar no processo de alfabetização. O material levantado durante a pesquisa passou a fazer parte do acervo do Centro de Memória de Diadema, que o projeto ajudou a organizar.

O que poderá garantir a continuidade do trabalho, porém, está em outro campo. “Conseguimos convencer os diretores das escolas a deixar de ser meros burocratas. Hoje eles participam ativamente do programa pedagógico e acompanham mais de perto os problemas dos professores”, afirma Zilda. “Estamos certos de que o projeto não vai morrer, porque eles realmente abraçaram o desafio de buscar soluções para que os alunos aprendam mais.”

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