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Mineralogia

Minerais descobertos no Brasil

Compêndio atualiza análises e corrige erros mineralógicos acumulados por séculos

Um mineralogista do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc-USP) resolveu problemas de nomenclatura de minerais brasileiros, complementou estudos antigos e fez um levantamento de todos os minerais descobertos primeiro aqui – em geral, por estrangeiros -, os chamados minerais-tipo do Brasil. Daniel Atencio dedicou cinco anos a colher informações dispersas e fazer análises minuciosas, para produzir o compêndio Memória da Mineralogia Brasileira – sua tese de livre-docência de 1999.

Antes de 1959, quando a Associação Mineralógica Internacional criou uma comissão especial onde Atencio representa o Brasil, havia mais de 100 minerais tidos como descobertos aqui – sem contar variações ortográficas ou atribuição de vários nomes a um mineral. Seguindo diretrizes que a comissão fixou para validar os nomes, Atencio verificou que cerca de 80 minerais deviam ser rejeitados – ou porque não eram realmente novos, ou porque o estudo não tinha dados conclusivos. Assim, a lista brasileira ficou reduzida a 39 minerais.

Falta o básico
“É um número muito pequeno”, diz ele, “e certamente não condiz com a riqueza mineral brasileira, que muitos comparam às dos Estados Unidos e da Rússia”. Cada um desses países tem mais de 600 minerais descritos e no mundo todo já foram descobertos cerca de 4 mil. Isso sugere que o solo brasileiro é pouco explorado – ao menos cientificamente. A região de Poços de Caldas (MG), por exemplo, é rica em nefelina sienito, rocha alcalina onde se desenvolvem minerais raros, como os de zircônio. Na Rússia e no Canadá foram encontrados nessa rocha cerca de 200 minerais. No Brasil, só 20.

Dos 39 minerais descobertos no país, 33 foram descritos por estrangeiros. “A maioria dos alunos só se interessa por pesquisa aplicada, mas a aplicação, invariavelmente, depende de informações que só se obtêm com um bom trabalho de base”, diz Atencio, que constatou o problema ao formar-se em 1982. “As descrições, algumas de séculos passados, estavam muito dispersas. Muita coisa se perdeu.” Faltava um esforço de compilação dos dados. Decidido a pôr ordem no assunto, descobriu erros e lacunas, já que a maioria dos trabalhos era dos séculos 18, 19 e início do 20, quando a tecnologia não permitia análises apuradas.

Um grande feito foi o resgate de estudos dispersos. O maior volume foi enviado pelo belga Jacques Jedwab, da Universidade de Bruxelas. Localizaram-se estudos raros, como os originais sobre o paládio, de William Hyde Wollaston (1766-1828), e o trabalho de 1833 de Lampadius e Plattner sobre a paladinita. O paládio é um metal encontrado em Minas Gerais, na forma de grãos opacos, de branco a cinza-aço pálido. E a paladinita é um óxido de paládio e cobre em forma de grãos cinza.

Erros de análise
Os erros eram comuns porque as análises se faziam por via úmida: volumes relativamente grandes de minerais eram dissolvidos, de modo que muitas vezes os resultados não se referiam a um só mineral, mas a misturas. Já com a microssonda eletrônica, é possível obter composições químicas para áreas muito pequenas. Um dos equívocos constatados envolve a harbortita da ilha de Trauíra (MA), descrita em 1932 por F. Brandt: Ao determinar a composição do mineral, o autor desprezou o sódio e o designou como um fosfato de alumínio hidratado. Atencio descobriu um estudo meio perdido nos Anais do 31º Congresso Brasileiro de Geologia (1980): “Era de pesquisadores brasileiros, Marcondes L. Costa et al., que já haviam comprovado que o mineral coletado na ilha de Trauíra era, na verdade, um fosfato de alumínio e sódio – ou seja, era outro mineral, já conhecido como wardita”. Resultado: o nome harbortita foi banido.

A chernikovita, que forma placas de cor verde-limão, fora descrita na Rússia por Andrey Chernikov (1927-), mas era chamada de hidrogênio autunita. Havia uma segunda ocorrência na capital paulista, no distrito de Perus, em forma de bastonetes que preenchem cavidades de turmalina granito. As análises de Atencio revelaram que o mineral não era do grupo da autunita, e sim da meta-autunita, e que continha íons (H3O)+, e não simplesmente H+, como se acreditava. Ele renomeou o mineral como chernikovita, em homenagem ao mineralogista russo.

Um mineral coletado em Poços de Caldas, descrito em 1948 por Djalma Guimarães (1894-1973), ocorre em forma de cristais que preenchem cavidades de rochas e era chamado giannettita. Atencio analisou a estrutura cristalina por raios X e fez análise química pontual por microssonda eletrônica: descobriu que se tratava da hainita, já descrita em 1893 na República Tcheca. A djalmaíta – em octaedros pardo-amarelados, pardo-esverdeados ou negro-pardacentos – também foi descrita por Guimarães e em 1957 teve o nome mudado para uranomicrolita. “Ele foi descrito como um mineral de tântalo e urânio, mas eu descobri que sua composição é muito variável. Algumas porções são ricas em chumbo, outras em urânio, outras em cálcio, etc.” O nome uranomicrolita não é definitivo: dependerá de novas análises.

Para comprovar erros, é preciso de amostras, difíceis de obter, sobretudo de minerais descritos quando não era obrigatório enviá-las para um museu. Numa busca, Atencio obteve os maiores cristais do mundo do chamado mineral X de Perus: são cristais tubulares alongados de cor amarelo vivo. Descrito em 1965, não fora submetido a análises químicas quantitativas porque não havia quantidade suficiente. Conclusão de Atencio: o mineral X era a furcalita, já descrita.Há outros motivos para vasculhar pedreiras de São Paulo, Minas e Goiás: “Suspeito que vários minerais tidos como raros são muito mais comuns do que se pensa”, afirma. Da zanazziíta, por exemplo -, cristais verde-oliva em forma de barris ou rosetas – descrita em 1990, fora registrada uma só ocorrência, numa ilha dorio Jequitinhonha em Itinga, nordeste mineiro. Recentemente, ele descobriu mais duas ocorrências.

Ouro preto e brazilianita
Atencio relata casos curiosos como o do ouro preto. Esse curioso metal recoberto com uma crosta escura é um equívoco secular. De tão abundante em Vila Rica, as autoridades deram seu nome à cidade. Descrito em 1711 pelo padre jesuíta André João Antonil (1649-1716), que relatava as riquezas do Brasil para a corte portuguesa, era o mineral mais antigo descrito no país. Até que, em 1995, foi desmascarado por estudos de Jacques Jedwab: trata-se de uma mistura de óxidos de ferro, paládio, platina, ouro, cobre e manganês.

Esses compostos não podem receber nome de mineral, porque são amorfos, ou seja, não têm estrutura cristalina – condição essencial, em 99,9% dos casos, para a classificação dos minerais. Já que a fórmula era incompatível com a definição-padrão, o ouro preto foi expurgado. E o lugar de mais antigo passou para um mineral descrito em 1789 por D.L.G. Karsten: o crisoberilo, de cristais tabulares ou prismáticos curtos em várias tonalidades de verde ou amarelo.Outro equívoco resultou de uma tentativa de homenagear o país: em 1818, deu-se o nome brazilianita a um mineral fibroso de Córrego Carmo, entre Ouro Preto e Mariana (MG). Depois, viu-se que se tratava de gibbsita. Já em 1945, o nome foi merecidamente dado a uma valiosa gema de cristais amarelo-esverdeados, realmente inédita, descoberta em Divino das Laranjeiras (MG).

A partir de sua tese-compêndio, que está na Biblioteca do IGc-USP, Atencio preparou Type Mineralogy of Brazil, livro de 114 páginas publicado em 2000 pelo Museu de Geociências da USP. Agora, dedica-se a uma lista de minerais sem estrutura cristalina determinada ou sem descrição completa. Afinal, a lista de minerais-tipo do Brasil precisa crescer.

O Projeto
Minerais descritos pela primeira vez no Brasil e suas paragêneses (nº 96/00669-0); Modalidade Linha regular de auxílio à pesquisa; Coordenador Daniel Atencio – Instituto de Geociências da USP; Investimento R$22.539,00 e US$ 26.156,77

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