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Carta do editor | 74

Do medo à esperança

O medo em seu estado mais bruto, esse pavor inconsciente e ancestral que trabalha a favor do instinto de sobrevivência de homens e outros animais, que produz reações instantâneas diante de algo, real ou imaginário, percebido como ameaça, aparece bem delineado na reportagem de capa desta edição. Não se trata aqui, decerto, de cantar o medo, “nosso pai e nosso companheiro”, à maneira poética aguda, dolorosa, de Carlos Drummond de Andrade em Congresso Internacional do Medo. Trata-se em vez disso de mostrar as evidências, levantadas por um grupo de pesquisadores, de que podem estar implicadas com o medo mais arcaico, primordial, três estruturas extremamente primitivas na escala evolutiva do cérebro, presentes em espécies animais desde a era dos primeiros répteis sobre a terra. São evidências que provocam, necessariamente, uma revisão do circuito estímulo aversivo/reação de defesa do organismo que, neste caso, reduz um pouco o papel da amígdala cerebral dentro dele, tida até aqui como única estrutura responsável pelo processo de separação entre o que pode ser ameaçador, ou não, para o organismo. A reportagem elaborada por Marcos Pivetta, também faz referência à expectativa dos pesquisadores de que um maior conhecimento dos circuitos cerebrais envolvidos no medo e na ansiedade possa resultar em novos tratamentos para doenças psiquiátricas nas quais esses dois fenômenos são componentes fundamentais.

Do medo à esperança. Esse é o percurso proposto pela reportagem sobre as experiências com a terapia fotodinâmica, um novo e promissor tratamento contra cânceres, que aqui no país vêm sendo levadas a efeito pelo Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela FAPESP desde 2000. Aprovada em 1998 pela Food and Drugs Administration (FDA), a agência governamental norte-americana de controle de alimentos e medicamentos, a terapia fotodinâmica (TFD) já vem sendo usada em 18 países. No caso brasileiro, relata Marcos de Oliveira na reportagem de abertura da seção de Tecnologia, o grupo de quase 30 pessoas envolvidas com sua pesquisa desenvolveu os equipamentos, aprimorou a técnica da TFD e agora faz os testes clínicos para finalizar o protocolo que vai orientar os médicos brasileiros nessa especialidade. Os resultados apresentados até aqui pelos testes são, de fato, animadores.

No cenário da política científica e tecnológica, mesmo no Brasil, nem sempre o setor público é o ator principal de determinadas cenas que vão se sucedendo para desembocar, finalmente, no turning point de uma peça que promete. O anúncio de constituição da empresa de biotecnologia Alellyx pelo fundo de capital de risco Votorantim Ventures e pelos cinco pesquisadores que são seus sócios fundadores, em 13 de março, mostra claramente que, por vezes, o setor privado domina a cena. E, ao fazê-lo, aumenta as expectativas de que estejamos nos aproximando do ponto de virada que, no caso específico dessa peça, seria o ansiado equilíbrio entre investimentos públicos e privados em pesquisa e desenvolvimento (PeD) no Brasil. Essencial é observar que o ato em que a cena da Alellyx se encaixa foi aberto em 1997, com a decisão da FAPESP de iniciar um programa de pesquisa em genômica, a partir do seqüenciamento da Xylella fastidiosa. É justa- mente a este fitopatógeno, que em 2000 projetou internacionalmente a competência brasileira em biologia molecular, que o nome da empresa alude, numa inversão quase exata de suas letras.

No mais, há que se observar como contracenam e evoluem os atores desta peça para não perder o momento em que o equilíbrio entre investimentos públicos e privados em PeD atestar a inserção madura da pesquisa científica e tecnológica na economia do país.

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