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Engenharia Florestal

Secagem rápida e econômica

Pesquisador da Embrapa desenvolve método para tratamento de madeira

Em meados dos anos 90, quando passou a defender para seus colegas um novo método de secagem acelerada de madeira, que seria capaz de reduzir drasticamente o tempo e o dinheiro consumidos nessa tarefa vital para a indústria do setor, o engenheiro florestal Osmar José Romeiro de Aguiar, da Embrapa Amazônia Oriental, em Belém, no Pará, ouvia freqüentemente que estava maluco. Baseado no relaxamento das tensões de secagem que ocorrem no interior da madeira (a parte externa vai secando e a de dentro permanece úmida) quando submetida à estufa, o novo processo prometia maravilhas.

Segundo seu inventor, esse método diminui o teor de água de qualquer tipo de madeira serrada – independentemente da espécie, espessura e grau inicial de umidade – aos níveis desejados, geralmente em torno dos 10%, num prazo de dez a 20 vezes menor do que o normal. E fazia tudo isso sem provocar rachaduras ou empenamentos nas tábuas e sem recorrer à chamada pré-secagem ao ar livre. Essa técnica consiste em deixar no ambiente natural por longos períodos, meses geralmente, a madeira cortada para que as tábuas percam progressivamente grande parte de seu conteúdo líquido antes de serem encaminhadas para um estágio mais breve no interior de um secador, a estufa industrial, que terminará a redução do teor de água do material.

Retira-se o excesso de água presente naturalmente numa tábua de pinho, mogno ou de qualquer outra árvore porque a madeira úmida é instável e difícil de se trabalhar. Nesse estado, ela não lixa bem, não cola e não mantém seu tamanho original de jeito nenhum. Fora isso, há outras vantagens em abaixar o teor de umidade de uma ripa de carvalho ou ipê: madeira seca pesa menos (e reduz o custo do frete), é mais resistente e apodrece menos, pois suporta melhor ataques de fungos e insetos.

Perguntas insistentes
A importância da secagem da madeira – o setor produz cerca de 90 milhões de metros cúbicos de madeira em tora e fatura R$ 2,5 bilhões por ano – levou a confrontação entre a técnica antiga e a proposta do pesquisador da Embrapa. “Mas onde está escrito que se deve proceder assim? Se eu não fizer a pré-secagem e adotar o seu método, a madeira não vai rachar ou queimar? E quem pagará o prejuízo?”, eram as perguntas que ele ouvia de colegas e madeireiros quando terminava de expor suas idéias.

Hoje, Aguiar ainda ouve esse tipo de indagação, mas com menor freqüência porque carrega dois trunfos na manga que lhe dão credibilidade: defendeu seu método de secagem numa tese de doutorado na Escola Nacional de Engenharia Rural, Águas e Florestas de Nancy (Engref), na França, e obteve, em parceria com os franceses, co-autores da descoberta, a patente do processo no Brasil, União Européia, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Indonésia e Malásia. “Agora, sou procurado para dar palestrasem empresas e universidades”, afirma o pesquisador, que, por uma questão de sigilo industrial, não pode divulgar todos os detalhes de sua criação intelectual. Ele acredita que o interesse despertado se deve a uma estimativa de custos de secagem pelo seu método, em média, 60% menores em relação aos processos tradicionais.

A economia gerada por sua invenção decorre, em grande parte, da vantagem de usar as estufas, que consomem grande quantidade de energia elétrica e térmica (vapor), por um tempo menor do que o empregado pelos métodos conhecidos. Na abordagem convencional, o tempo gasto para, por exemplo, secar tábuas de carvalho – madeira nobre usada para móveis de luxo, instrumentos musicais e barris para envelhecimento de bebidas – varia de um ano e meio a dois anos. Primeiro, a madeira fica secando ao ar livre por cerca de 18 meses e, em seguida, permanece 40 dias dentro de uma estufa a 45° C. Haja paciência. “Pelo meu método, o carvalho é colocado diretamente no secador industrial, a temperaturas superiores a 70° C, e seca em 20 dias”, assegura Aguiar.

Fluidez molecular
O nome técnico do novo método é secagem baseada nas propriedades reológicas da madeira, caracterizadas pela fluidez molecular dos seus polímeros naturais quando aquecida a uma certa temperatura. Esse método explora a transição vítrea da lignina, substância orgânica complexa que se deposita nas paredes celulares do lenho e lhe confere dureza e rigidez. Se mantida em seu ponto de transição vítrea, dentro de uma faixa de temperatura, geralmente superior a 70° C, a madeira momentaneamente perde seu caráter rígido e ganha viscosidade e elasticidade. É essa condição mais flexível que permite o relaxamento das tensões da secagem tradicional, e dessa maneira permite um processo mais rápido e homogêneo.

Nessa condição vítrea, menos rígida e mais viscosa, a madeira sofre de forma mais suave o impacto das tensões de secagem inerentes ao processo de diminuição de seu teor de água e, conseqüentemente, apresenta menos rachaduras, de acordo com Aguiar. “Pense num tubo de PVC aquecido. Se você aquecê-lo um pouco, mas não em demasia, ele não muda de estado físico, mas se torna maleável. É possível, então, alterar seus contornos sem estragá-lo ou quebrá-lo. Quando esfriar, o tubo se enrijece novamente e conserva seu novo formato”, compara Aguiar. “Algo semelhante acontece com a madeira aquecida e em processo de secagem enquanto está dentro da faixa de transição vítrea.

Como a lignina se torna temporariamente viscosa e mole, a madeira perde água e sofre rearranjos moleculares sem grandes traumas. Quando a temperatura baixa, a madeira volta a endurecer e mantém seu novo teor de umidade.” Se a faixa de transição vítrea for ultrapassada, pode-se perder toda a madeira dentro da estufa, um risco do novo processo, que trabalha com temperaturas mais elevadas do que o usual.

Dependendo da árvore e do teor inicial de umidade de um lote de madeira, esse rearranjo molecular no interior da matéria pode ser brutal ao final do processo de secagem. Em termos visuais, uma conseqüência perceptível do processo de secagem – portanto, dessas deformações internas decorrentes da perda de água – é a contração da madeira. Quando seca, uma tábua de eucalipto com 1 metro de largura poderá ser reduzida para apenas 85 centímetros.

Aguiar espera que o processo que inventou se mostre realmente mais eficaz do que o usual – muita gente ainda não está convencida disso e, por ora, apenas uma empresa de Belém o utiliza de forma comercial. “Quando a licença de uso da patente for negociada com alguma grande empresa, meu método vai ser mais bem compreendido e se disseminar”, acredita.

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