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Marcelo Damy

Marcelo Damy: Opiniões atômicas

Físico defende o uso de usina nuclear para gerar eletricidade e critica a opção brasileira pela energia térmica

MIGUEL BOYAYANMarcelo DamyMIGUEL BOYAYAN

Marcello Damy de Souza Santos poderia facilmente ser definido como um homem de opiniões fortes. No seu caso, é pouco. Embora não pareça, ele é também fisicamente forte. À primeira vista, o aparelho contra a surdez no ouvido direito e um leve esforço para caminhar enganam os entrevistadores. Ocorre que, aos 88 anos, Damy fuma dez cigarros por dia, alimenta pessoalmente algumas dezenas de rolinhas que freqüentam seu jardim, lida freqüentemente com aparelhos elétricos e eletrônicos em sua casa (às vezes, até inventa um), orienta um grupo de ex-doutorandos formados por ele e presta assessoria para o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), que ajudou a criar em 1957, então com o nome de Instituto de Energia Atômica.

O físico Marcello Damy mostra-se ainda mais interessante quando começa a falar. Suas opiniões sobre qualquer assunto demonstram, sempre, enorme convicção. Seja para rechaçar, com ironia, ambientalistas que se opõem ao uso de energia nuclear, seja para criticar colegas que utilizam a universidade apenas em benefício próprio.

Marcello Damy ingressou na Escola Politécnica no começo dos anos 30 e teve a sorte de encontrar dois professores europeus que mudaram sua vida. As seções de física e química da então Faculdade de Filosofia, àquela época, funcionavam na Poli, o que permitia aos alunos acompanhar as aulas então revolucionárias dos italianos Gleb Wataghin (física) e Luigi Fantappié (matemática), completamente diferentes do hábito vigente de preparar aulas baseadas apenas em livros muito antigos.

O jovem Damy não hesitou em mergulhar na física e nas pesquisas lideradas por Wataghin. A partir daí, o jovem nascido em Campinas construiu um currículo exuberante, raramente igualado no Brasil, com contribuições reais para o conhecimento da física nuclear e, em alguns casos, para a indústria. Aposentou-se como professor emérito e catedrático pela Universidade de São Paulo e passou pela Universidade Estadual de Campinas e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, além de universidades da Inglaterra e dos Estados Unidos. Seu interesse pelos átomos o tornou um especialista na questão nuclear e férreo defensor da energia elétrica gerada a partir de urânio enriquecido. Com conhecimento e leve ironia, ele explica por que o Brasil deve redirecionar os investimentos nesse setor.

Seu leque de interesses é grande. A música é um deles – e não o menos importante. Com a mulher, Lúcia, e alguns amigos, Damy chegou a formar um grupo que tocava música antiga, com preferência para o barroco, em sua casa. Lúcia no piano, o marido na flauta doce. Na casa onde moram é fácil perceber-lhes o gosto: há um cravo, um piano e um pianoforte autêntico, além de instrumentos de corda e sopro. As paredes são forradas de quadros, quase todos pintados por Lúcia, alguns premiados no exterior. Com raro talento, Damy conseguiu unir algumas paixões: como ama a música e é um pioneiro da física experimental no Brasil, não lhe pareceu difícil inventar um aparelho para afinar instrumentos. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Causou polêmica o ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, ter dito que o Brasil deveria dominar todo o conhecimento nuclear, incluindo o da bomba atômica. Como o senhor vê a possibilidade do uso desse tipo de energia no país?
Se olharmos o panorama internacional, veremos que a energia hidrelétrica, que é a grande força motriz do Brasil, representa menos de 5% da geração de energia elétrica no mundo inteiro. Agora, a energia hidrelétrica vai muito bem quando existem condições favoráveis e há chuvas regulares. Mas quando São Pedro briga um pouco conosco, entramos no apagão. A energia hidrelétrica é interessante quando há uma queda-d’água natural que possa ser aproveitada e tenha um regime de funcionamento razoável por todo o ano. A fonte de energia que é a mais comum no mundo é a térmica, de petróleo, carvão, gás. Foi a que Fernando Henrique Cardoso escolheu para o Brasil. O país comprou certo número dessas usinas e elas até hoje não entraram em funcionamento.

O senhor se refere ao gás?
Sim. Então tem que importar gás da Bolívia. O gasoduto vai do Brasil à Bolívia, para retirar o gás deles – o que é uma coisa absurda, mesmo do ponto de vista estratégico, uma enorme linha de transmissão de gás, de tubos. Qualquer coisa pode causar um acidente e, aí, param todas as usinas. Não se pode ter indústria dependendo de variáveis tão fáceis de serem atingidas. E é caro, depende de política externa, é um problema complicado. Ao passo que a energia atômica, não. O Brasil é o quinto depositário de jazidas de urânio do mundo. E é o quinto porque nós exploramos uma região muito pequena. Precisávamos desenvolver a tecnologia do emprego do urânio em reatores para gerar força eletromotriz. Esse problema foi totalmente resolvido no Brasil. Nós desenvolvemos a tecnologia de construir um reator nuclear e fizemos isso com urânio nosso. Depois desenvolveu-se toda a tecnologia de produção de urânio e de urânio enriquecido, que é o que se usa na bomba. Isso foi feito com uma colaboração entre o Ipen, a Marinha e o Rio de Janeiro. A descoberta da tecnologia de enriquecimento ocorreu lá pelos anos 70. Antes foram feitas tentativas baseadas em métodos clássicos. Usaram uma centrífuga para separar o urânio mais pesado, porque as partículas do urânio mais leve adquirem menos velocidade numa centrífuga, então se pensava que com centrífuga a gente podia separar o urânio facilmente. Mas se separam dificilmente. Então essa técnica de separação foi estudada aqui e desenvolvida no mundo inteiro. Nós temos essa tecnologia de centrifugação, que funciona muito bem, os reatores são mantidos com urânio nacional, enriquecido aqui, trabalhado e transformado em combustível aqui no Brasil.

Se todas essas questões estão resolvidas, por que temos problemas em relação à questão da energia nuclear?
As usinas de Angra foram adquiridas pelo almirante Álvaro Alberto num tempo em que o Brasil não dominava o enriquecimento de urânio, quer dizer, a separação do urânio 235 do 238. Nessa época é que foi feito o acordo Brasil-Alemanha, nos anos 70. Ocorre que nós ficaríamos sempre dependentes da importação, e essa importação, em caso de guerra, é impossível de se fazer, porque o combustível usado para a produção de energia pode ser um pouco mais refinado e utilizado para fazer bomba atômica. Estudos feitos aqui conduziram ao método de separação de urânio perfeitamente equivalente aos métodos de separação que se usavam nos Estados Unidos, na Alemanha e na então União Soviética. Em conseqüência, o Brasil ficou independente na produção de combustível. E, considerando que somos o quinto detentor do mundo de jazidas de urânio e nós examinamos apenas cerca de 1/30 do território nacional, fica claro que este é um combustível que deveríamos usar.

Os ambientalistas sempre levantam dúvidas em relação às usinas nucleares.
O problema dos ambientalistas é a exploração do desconhecimento do problema. É claro que os primeiros reatores feitos para produzir energia nada mais eram do que bombas atômicas controladas. Havia o risco potencial de explodir. Isso não existe mais. Hoje, uma usina nuclear oferece muito menos risco do que uma usina hidrelétrica.

Mas há os exemplos de Chernobyl (1986) e de Three Miles Islands (1979)…
Chernobyl tinha um reator muito bom, muito bem projetado, que funcionava extremamente bem – existem vários reatores em Chernobyl. Num deles, os técnicos, num fim de semana, resolveram explorar para ver se as condições de segurança estavam funcionando bem. Mudaram um pouco o sistema e quando fizeram a experiência aconteceu o que se deveria esperar. Quer dizer, se meteram numa coisa que não entendiam e acabaram provocando a explosão. Mas é o único reator que explodiu. Agora, explodiu não porque ele estava em condições normais de trabalho, mas porque os técnicos procuraram colocá-lo numa posição anormal para ver se o vidro quebrava. Derrubaram o copo e viram que quebrou mesmo. Three Miles Islands foi a mesma coisa. É um caso de técnicos que começaram a mexer no sistema de controle.

Não poderia acontecer o mesmo com outras usinas?
Pode acontecer com vários tipos de experiência, até na farmácia. Se a pessoa entra na farmácia, pega um vidro em que está escrito que o material é venenoso e bebe para experimentar, verifica que era veneno mesmo.

Bom, o problema aí é do alcance do estrago que uma usina faz…
É um problema de disciplina e de escolha dos técnicos que vão operar o reator. Agora, a gente pode sempre tomar o cuidado de nunca deixar o reator armazenar mais combustível do que ele precisa no seu funcionamento normal. Aí acaba a possibilidade de explodir, mesmo que queiram.

A questão dos rejeitos não é uma questão ambiental grave?
Não é. Basta planejar um reator que tenha rejeitos mínimos. O rejeito se desintegra com o tempo. É só enterrá-lo bem, num lugar separado, que ele acaba sendo inócuo. Mesmo que leve alguns milhares de anos para isso. Agora, é de se notar o seguinte: o argumento sobre a periculosidade dos rejeitos é ridículo, porque a quantidade de urânio que se queima em um ano para manter o reator de Angra em funcionamento é algo que cabe em dois baldes, ou coisa que o valha. Pode-se pegar uma mina velha, em um lugar onde não haja infiltração de água, e jogar esse urânio utilizado lá dentro. Como fazem nos Estados Unidos, na Alemanha, França, Inglaterra, em todo mundo. Nesses lugares não parece perigoso, só aqui. E só se for feito por nós! Se for feito por eles, não, não tem perigo nenhum.

Angra 2 já foi chamada de “usina vaga-lume”, por funcionar e apagar com muita freqüência. Esse tipo de problema foi resolvido?
Nunca mais ouvi falar de problemas técnicos com os reatores de Angra. Eu fui contrário à construção dos reatores de Angra porque eu achava que em lugar de o Brasil comprar dois reatores a peso de ouro da Alemanha nós devíamos construir aqui. Ainda que inicialmente fizéssemos um reator menor para avaliar a qualidade do nosso urânio, testar nossa tecnologia e depois ir partindo para coisas maiores. Em lugar disso fizeram aquele programa de vários reatores de potência.

Mas isso não tem a ver com os acordos internacionais que o Brasil assinou, de controle de armamentos?
Não, pelo seguinte: os acordos internacionais que existem dizem respeito ao urânio que é importado junto com o reator que vai utilizá-lo. Para Angra 1 e 2, no início nós importávamos todo o combustível, porque o Brasil não sabia enriquecer urânio. Depois descobrimos como enriquecer urânio. E para Angra 3 não temos necessidade de usar urânio de ninguém, podemos fazer todo ele.

Como o senhor viu a declaração do ministro Roberto Amaral por causa da referência “sim, devemos inclusive conhecer como se faz a bomba atômica”?
Nisso eu acho que ele foi um pouco infeliz. Parece que não pesou bem o que estava dizendo ou não avaliou as conseqüências. Ele deveria esperar essa reação, se não fosse tão imprudente.

O senhor não acredita que a produção de energia a partir da biomassa não pode ser uma saída?
Isso é piada. Se você pensar que vai encontrar bagaço de cana para manter uma usina tipo Itaipu funcionando… Não vai, nunca. Dá para acender numa tarde, que é para divertir o pessoal. Quanto aos outros tipos de energia, eles deram muito pouco resultado no resto do mundo. Energia solar, por exemplo, é muito limitada e cara.

Quando a física nuclear entrou na sua vida?
Foi uma evolução natural. No período em que comecei a estudar com o professor Gleb Wataghin, nos anos 30, primeiro na Politécnica depois na Faculdade de Filosofia, conheciam-se os raios cósmicos, essas partículas carregadas que caem na Terra, e substâncias radioativas. Nós trabalhávamos com isso. Não se conhecia a energia nuclear e o aproveitamento industrial da energia. Isso veio com a Segunda Grande Guerra. A física, no fundo, é uma ciência experimental. Nós estudamos os fenômenos da natureza. Entre eles, estão os fenômenos radioativos, descobertos por Pierre e Marie Curie, no início do século 20. Ora, o estudo da radioatividade passou a ser importante. No mundo inteiro começou-se a estudar as propriedades do rádio e das radiações. Esses estudos foram se desenvolvendo e transformaram-se na física nuclear.

O senhor foi um dos pioneiros da física experimental no Brasil. Não havia muito interesse pelo tema na época?
Naquele tempo, década de 30, os professores apenas ensinavam física. E da seguinte maneira: o professor estudava a aula na véspera para no dia seguinte passar para os alunos. A diferença do conhecimento do professor para o aluno era de 24 horas. Em 1938, depois de formado, fui para a Universidade de Cambrigde, na Inglaterra, e estagiei no Laboratório Cavendish, que era o maior centro de física do mundo. Lá apresentei um projeto ao meu diretor, William Lawrence Bragg, Prêmio Nobel de Física, para a construção de um equipamento meio complicado para estudar raios cósmicos penetrantes, que caíssem em grande extensão. Ele aprovou o projeto e quando o aparelho estava quase pronto para funcionar veio a decisão de fechar a universidade, por causa da guerra. Aí o meu supervisor, W. H. Lewis, me convidou a ficar lá, trabalhando com eles. Eu disse que não dependia só de mim, até porque eu estava lá pelo governo brasileiro. Eles escreveram uma carta ao nosso governo perguntando sobre essa possibilidade. E por sorte minha e por azar deles – ou vice-versa – o ministro das Relações Exteriores era o Oswaldo Aranha, primo-irmão do meu pai. O raciocínio dele foi este: “Se o Marcello pode ser tão útil na Inglaterra a ponto de quererem mantê-lo lá, ele vai ser muito mais útil aqui, porque não temos ninguém com essa especialização”. Aí, voltei.

O físico José Leite Lopes destaca, de suas contribuições para a física, a descoberta do componente penetrante da radiação cósmica, em 1939.
Isso foi feito com esse aparelho que eu trouxe da Inglaterra. Os ingleses foram tão corretos comigo, que o diretor do laboratório disse: “É importante acabar essa experiência. O laboratório dá o aparelho que você construiu para levar para o Brasil”. No Rio de Janeiro – o Brasil estava entrando na guerra e havia muita espionagem alemã feita por rádio -, um zeloso funcionário da alfândega inspecionou o aparelho que eu trazia, montado em uma caixa de aço com uns 80 centímetros de fundo. Quando ele viu que tinha 40 e tantas válvulas disse: “Isso é um transmissor de rádio”. E apreendeu minha bagagem. Mas, no final, a consegui de volta e foi com ele que fizemos o estudo dos chuveiros penetrantes em grandes profundidades.

O físico alemão Werner Heisenberg publicou um livro sobre radiação cósmica analisando o trabalho do senhor, do Gleb Wataghin e do Paulus Pompéia sobre essa descoberta. Ele atribui parte do êxito da pesquisa ao período em que o senhor passou na Inglaterra.
Exato. Meu aparelho foi o primeiro no mundo que mediu tempos da ordem de 1 centésimo de 1 milionésimo de segundo. Os que funcionavam até aquela época era com a tecnologia que o Wataghin trouxe ao Brasil. Com ela, media-se 100 milionésimos de segundo e eu consegui medir, com meu aparelho, 1 centésimo de 1 milionésimo de segundo. Era 10 mil vezes mais sensível. Com isso, nós, aqui no Brasil, descobrimos os chuveiros penetrantes, um fenômeno característico dos raios cósmicos. Raios cósmicos são uma radiação que vem do espaço e atinge a Terra. É resquício da formação do Universo, são partículas que não se uniram a massas maiores para dar origem a planetas, estrelas, etc. Então perambulam pelo espaço – estamos continuamente sujeitos ao bombardeio dos raios cósmicos. Ocorre que descobriram que, algumas vezes, esses raios vêm simultaneamente, como um grupo de partículas, e isso constitui um chuveiro. Estudando esses chuveiros, verificamos que existem alguns com dezenas de metros de extensão. E esses são muito penetrantes – nós conseguimos medi-los até debaixo da mina de Morro Velho, em Minas Gerais, a mais profunda do mundo. Então batizamos com o nome de chuveiro penetrante. Foi descoberto por nós aqui em São Paulo, pelo Wataghin, por mim e pelo Pompéia. O Wataghin ficou tão entusiasmado, que escreveu um resumo do trabalho e conseguiu publicar na Physical Review Letters , em 1940.

Gostaríamos que falasse sobre os cristais e a influência que o senhor teve na área da indústria.
Durante o período da guerra, eu e o professor Pompéia fomos mobilizados a ajudar a Marinha. O problema era localizar submarinos a distância por meio de sonares. Na época, tentamos usar o método auditivo, com um microfone muito sensível que colocávamos na água para ouvir o ruído da hélice inimiga. Fizemos um laboratório flutuante na represa de Santo Amaro, aqui em São Paulo, aperfeiçoamos os instrumentos e desenvolvemos detectores. Nós púnhamos o detector na água e, bem longe dele, um barquinho feito por nós, que funcionava com um motorzinho elétrico e uma pilha. O microfone captava o ruído do turbilhão provocado pela hélice. Depois, quando fizemos a experiência no Rio, tivemos uma surpresa que deveria ser esperada se algum de nós fosse marinheiro: é que o mar é muito barulhento. Há marola, ventos… Quando colocávamos o aparelho na água, ouvíamos tudo, qualquer ondinha vagabunda. Ouvíamos tantos ruídos que era impossível distinguir uma coisa de outra. Aí passamos a usar uma técnica diferente, a do sonador ultra-sônico, que foi estudada por um grande físico, Langevin, na Primeira Guerra. Ele usava um microfone muito sensível, mas só com freqüências muito altas, e esses microfones eram feitos de quartzo piezoelétrico. Nós começamos a trabalhar o quartzo, cortando em lâminas finas, num determinado ângulo, para chegar a resultados melhores. E, no final, resolvemos o problema de sonares para a Marinha.

Os experimentos com quartzo tiveram influência sobre a indústria de aço?
Não. Teve influência sobre a indústria de relógios e de pedras preciosas. Mas isso foi feito muito depois da guerra. Na guerra, nós trabalhávamos com sal de Rochelle. Depois, quando surgiu o problema de falta de quartzo no Brasil – as regiões que produziam quartzo puro passaram a produzir quartzos imperfeitos e não se aproveitava quase nada -, viu-se que a solução para o Brasil era tomar a pedra pura, mas mal cristalizada, dissolver e cristalizá-la bem.

Qual a visão que o senhor tem hoje do sistema de ciência e tecnologia?
Houve um progresso extraordinário. Principalmente quando se leva em conta a dificuldade que existe no Brasil de conseguir recursos para pesquisa. Hoje nós encontramos duas coisas contraditórias: de um lado laboratórios competentes que têm dificuldades em conseguir recursos; e de outro laboratórios incompetentes que jogam dinheiro fora sem produzir nada. Isso acontece em todos os países, mas no Brasil essa relação está um pouco alta. Agora, quando falo isso excluo obviamente a FAPESP, um modelo de correção, de como se deve trabalhar no auxílio do desenvolvimento científico. Eu me refiro a verbas de ministério e coisas que o valham, que entram pela universidade e são aplicadas em áreas que não têm sentido nenhum.

E a física, como está hoje no Brasil?
Eu acho que vai bem. O número de trabalhos científicos de alto nível que publicamos por ano é significativo e tem sido crescente. Mas acho que a pesquisa científica poderia ser ainda mais desenvolvida se houvesse um critério mais rigoroso e justo na maioria das instituições científicas brasileiras. Os recursos ainda são aplicados muito por causa de interesses políticos. Não em São Paulo, mas no resto do Brasil, sim.

Como o senhor vê o esforço de se fazer uma espécie de casamento entre empresa e universidade de uma forma que renda frutos para todos?
Durante o período em que estive na Inglaterra e, depois, nos Estados Unidos, vi que a universidade dá o know-how para a indústria e, às vezes, sugere coisas novas ao industrial que ele nunca pensou que existissem. Aí o pesquisador transfere a sua criação para uma firma. Mas isso não é pela universidade. A firma entra em contato com a universidade, a universidade com o professor e o professor continua trabalhando na universidade e ambos auferem uma fração do contrato. Funciona assim nos Estados Unidos e na Inglaterra.

O que acha de o pesquisador trabalhar na universidade e na empresa, ou ter participação de royalties no desenvolvimento de produtos?
Ter uma participação de royalties é razoável. Se o pesquisador fizer uma descoberta boa; é bom que ele tenha um lucro maior; se fez uma descoberta vagabunda que dê prejuízo, deveria contribuir no prejuízo que causou, em lugar de receber o ordenado. O resto acredito que só pode ser feito pelas universidades. Quer dizer, uma coisa limpa, correta. A universidade sempre como intermediária. Claro que há um perigo aí: o indivíduo começar a usar a universidade para resolver problemas da empresa. E isso acontece muito aqui no Brasil. Principalmente na área de química e biologia. É uma coisa feia. Indivíduos que são assalariados, ganham do governo e ainda recebem uma gorjeta por fora para dirigir a pesquisa num ramo em que há muito interesse.

O senhor é favorável a empresa, por conta própria, contratar pesquisadores?
Claro. Acho que toda tecnologia deve ser feita por tecnólogos pagos pelos beneficiários dessa tecnologia. Como faz o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), por exemplo. Isso poderia ser feito para a universidade. Agora, o único perigo que eu vejo é descobrir que o número de colegas ladrões que existem é muito maior do que se imaginava. Muito sujeito que faz uma pesquisazinha ali não conta para ninguém, vende para outro e depois fica dirigindo a pesquisa da universidade, não para o interesse da universidade ou da ciência, mas do amigo dele.

O senhor ganhou dinheiro com suas pesquisas e inovações?
Nunca vendi nada, sempre publiquei. A única vez que trabalhei para a indústria foi no período das pesquisas com quartzo, na X-Tal, no Rio, onde eu era empregado como técnico consultor e recebia 500 cruzeiros por mês e uma vez por semana passagem aérea, ida e volta, paga. Essa influência da pesquisa na empresa permitiu que a indústria conseguisse, em dois anos, fazer quartzo de tal qualidade que hoje todos os relógios usam cristais feitos pela receita de Marcello Damy.

Por que não temos um Nobel de Física?
Acho que a nossa física não atingiu o nível do Nobel porque começou a se desenvolver no Brasil há menos tempo que em outros países. Talvez o trabalho do César Lattes, que descobriu o méson-pi, merecesse o prêmio.

O senhor também gosta muito de música. Como é esse instrumento de afinação inventado pelo senhor?
O som é sempre produzido por uma vibração no ar, produzida em geral por algum objeto que se move. Pode ser um diafragma, uma caixa de ressonância – como o violino -, ou uma corda de um instrumento de arco, ou de percussão – como o piano. O problema é estabelecer alguma coisa que vibre com uma freqüência predeterminada e com alto grau de precisão. Isso se faz com quartzo. Pego um quartzo e tiro uma lâmina. A lâmina vai impulsionar milhões de vibrações por segundo. Aí, uso circuitos eletrônicos. Variando a espessura do quartzo, variam as freqüências que ele pode produzir. Eu programo o aparelho, coloco nas cordas do instrumento e ele dá todas as freqüências que eu preciso para o piano, o cravo, etc. Construí o aparelho aqui em casa, mesmo.

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