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Carta da editora | 88

“Bate outra vez…”

Na animada discussão para encontrar o título principal da capa desta edição, brotavam aos borbotões, de nossa memória, as frases incontáveis do cancioneiro popular brasileiro que falam em coração. Ao fim, optamos por uma saída ao largo da música, mas uma dessas belas frases ficou insistentemente conosco nos dias que se seguiram. São os versos de abertura de um tocante samba-canção de Cartola, As Rosas Não Falam. Diz ele: “Bate outra vez de esperanças o meu coração…”. E pouco importa que daí surja um pequeno retalho das dores de um amor sem esperanças de realizar-se numa relação real, porque o que permanece da atmosfera emocional da música são suas palpitações positivas.

Creio que foi a palavra esperança, ou sua combinação com coração, que mais pesou para essa boa e prolongada intromissão da música de Cartola nas agruras do fechamento desta edição. Porque, se é antes de tudo de competência científica que dá testemunho a reportagem sobre experiências que grupos no Rio de Janeiro, em São Paulo e na Bahia vêm realizando com células-tronco para a recuperação do músculo cardíaco afetado por insuficiência decorrente de diferentes cardiopatias – com resultados promissores –, é também de esperança que o texto fala. A esperança, por exemplo, do prolongamento da vida, com qualidade, para pacientes que até aqui tinham no transplante de coração a única alternativa de sobrevivência. Ainda em fase de experiência, o pouco invasivo transplante de células-tronco, relata Ricardo Zorzetto, editor-assistente de Ciência, é uma bela promessa contra a insuficiência cardíaca crônica provocada por hipertensão, obstrução das artérias coronárias e mal de Chagas. É no campo vasto e nem sempre bem entendido da pesquisa genômica que os pesquisadores brasileiros estão travando essa boa batalha em favor do coração.

E, por falar em pesquisa genômica, também merece destaque a reportagem sobre a conclusão do projeto genoma da bactéria Leptospira interrogans por pesquisadores paulistas, com a colaboração de colegas da Bahia. Nesse texto o repórter especial Marcos Pivetta, depois de lembrar que uma equipe do Centro de Genoma Humano Chinês concluiu pouco antes o seqüenciamento de uma outra variedade da bactéria, a Lai, relata que o grupo brasileiro, além de desvendar a estrutura molecular da variedade Copenhageni, a responsável pela maioria dos casos de leptospirose humana no Brasil, solicitou nos Estados Unidos a patente de 24 genes e de suas respectivas proteínas, que podem ser úteis para o desenvolvimento tanto de uma vacina como de testes mais eficientes de diagnóstico.

Em Tecnologia, destacamos a reportagem do editor Marcos de Oliveira sobre o Genius Instituto de Tecnologia, em Manaus, que persegue inovações nas áreas de equipamentos eletrônicos, telecomunicações e multimídias. Criado pela Gradiente, reunindo 90 pesquisadores de 14 estados brasileiros, em pouco tempo o instituto acumulou conquistas e se prepara para ampliar suas bases, começando por Campinas.

Para finalizar, uma amostra das contradições brasileiras nas páginas da revista, iluminadas pela atividade de pesquisa: de um lado, a partir da página 20, a editora Claudia Izique relata resultados de trabalhos do Centro de Estudos da Violência, entre os quais este: dos mais de 600 mil crimes registrados em 16 delegacias de polícia na cidade de São Paulo, nos últimos cinco anos, somente algo em torno de 5% redundará em pena. No extremo oposto, na página 27, temos a notícia do editorial e reportagens da edição de 22 de maio da Nature , em que, entre palavras de reconhecimento explícito ao dinamismo exibido por setores da ciência brasileira, a revista sugere ao presidente Lula que agarre a oportunidade de transformar a força da pesquisa brasileira nas ciências físicas e biológicas em vantagem econômica.

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