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Propriedade Industrial

Alavanca emperrada

Em meio a uma crise sem precedentes, INPI espera ajuda do governo federal

O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que deveria ser alavanca estratégica de políticas de desenvolvimento e inovação, vive uma de suas maiores crises administrativas e financeiras. Opera com menos da metade do seu quadro de funcionários, sendo que 57% destes se aposentam até 2007. Desde o ano passado, tenta obter autorização do governo federal para realizar concurso público e contratar 108 servidores, a maioria para a função de examinador de patentes. A principal tarefa desses novos funcionários seria a de desobstruir uma fila de 45 mil processos de registro de patentes e de 300 mil pedidos de registro de marcas que, há anos, aguardam para ser examinados.

O corte de 30% no orçamento deste ano foi um golpe fatal para uma série de projetos – como o que daria acesso ao escritório europeu de patentes, por exemplo – e para os programas de difusão do instituto. E o cargo de presidente do INPI está vago desde março. O governo federal promete investir e redefinir as funções do instituto. O projeto de recuperação do INPI, aliás, faz parte do programa nacional de desenvolvimento industrial e tecnológico, que tem como objetivo aumentar a eficiência produtiva, a capacidade de inovação das empresas brasileiras e as exportações.

O modelo do novo INPI já está pronto. Roberto Jaguaribe, secretário de Tecnologia Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MIDC), explica que a idéia é transformá-lo num instrumento de capacitação tecnológica e industrial. “O instituto não deverá mais funcionar como um cartório ou autarquia. Vai atuar em rede com as agências de fomento e os institutos de pesquisa, como a FAPESP e o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT), por exemplo. Deverá também integrar-se com a indústria e dialogar com as universidades, de forma que o tema propriedade intelectual passe a fazer parte dos cursos superiores”, adianta.

Falta apenas concluir o novo desenho administrativo e as projeções dos recursos necessários para dar início ao processo de recuperação do instituto. Jaguaribe garante que “há receptividade do Ministério da Fazenda” para a liberação de R$ 10 milhões, ainda este ano. Também já está autorizado um reajuste de 30% na tabela de preços de registro de marca ou patente, o que permitirá, segundo ele, a geração de receita adicional e a ampliação do quadro de funcionários. “A defasagem dos preços, de fato, é de 90%. Vamos recuperar apenas parte disso”, ele afirma.

Crise financeira
O cronograma de recuperação do instituto – que já foi vanguarda entre os escritórios de patentes na América Latina, no início dos anos 90 – é de, no mínimo, quatro anos. Em 2003, o orçamento de R$ 36,8 milhões para investimento e custeio sofreu corte de 30%. Somado aos R$ 6,6 milhões de restos a pagar relativos a 2002, chega-se a uma perda real de 40% de receita. A falta de recursos comprometeu todas as atividades, desde o registro de marcas e patentes até ações de difusão da cultura de propriedade intelectual. As nove unidades do INPI em todo o país, por exemplo, estão há quase dois meses sem acesso ao sistema de informação integrado (Sinpi). O acesso ao sistema foi cortado pela Embratel por conta de uma dívida de R$ 800 mil que cresce à base de R$ 250 mil a R$ 280 mil, mensalmente.

Alguns projetos tiveram que ser abortados, como o da fase 2 do programa de acesso ao banco de dados de patentes do escritório europeu de patentes, que previa a instalação de 150 terminais no INPI, para consultas públicas, com acesso direto ao banco de dados europeu, que tem mais de 90 milhões de patentes disponíveis em meio eletrônico. O projeto estava orçado em R$ 6 milhões. Também, por falta de recursos, foram suspensos todos os eventos de disseminação da cultura de propriedade intelectual, com cursos e programas de capacitação, por exemplo. E não há verbas para a publicação da revista Panorama de Tecnologia ou de qualquer outro material de divulgação institucional.

O instituto tem 560 servidores – no final da década de 1980 tinha 1.085. Desse total, 34 deverão se aposentar este ano e outros 289 até 2007. Esses funcionários não conseguem colocar em dia os pedidos de registro protocolados na instituição. No ano passado, por exemplo, foram depositados mais 24 mil pedidos de patentes e 94,9 mil pedidos de marca. Há ainda alguns problemas tecnológicos que precisam ser resolvidos. Toda terça-feira, o instituto envia aos escritórios de patentes de todo o mundo as patentes concedidas no Brasil, utilizando um meio obsoleto: o papel.

Recebe os documentos de patentes registradas nos outros países gravados em CD-ROM ou, no caso do escritório de patentes norte-americano (USPTO), em DVD. Já foram digitalizados os documentos de patentes concedidas no Brasil entre 1982 e 1998, mas os usuários interessados em consultar os registros têm que buscar informações em processos, ou seja, em papel. O instituto já adquiriu dez computadores, que vão funcionar como terminal de consultas. Devem entrar em operação em dois meses, permitindo o acesso às informações digitalizadas, não só do banco de dados do INPI como dos documentos de patentes dos escritórios estrangeiros.

O preço do atraso
Os problemas do instituto, portanto, não serão resolvidos de uma penada. Nos cálculos de Luiz Otávio Beaklini, presidente em exercício do INPI, qualquer mudança iniciada neste ano só trará resultados efetivos em 2007. Ele explica que, para superar todo esse atraso, será necessário contratar 600 funcionários, entre os quais 400 examinadores de marcas e patentes. “Acontece que não temos como treinar esse pessoal ao mesmo tempo nem temos espaço físico para abrigá-los. Por isso, as contratações terão que ser escalonadas”, afirma. Neste ano, ele prevê, serão admitidos 108 servidores por meio de concurso público solicitado desde o ano passado, mas cujo edital ainda não foi autorizado. As novas contratações, no entanto, “só surtirão efeito”, como ele diz, no final do ano, já que o período de treinamento de um examinador de patentes é de seis meses.

A partir de 2004, serão incorporados anualmente entre 100 e 150 novos funcionários até que se complete o quadro de 600 novos servidores em 2007. A expectativa é que, até lá, o INPI tenha zerado o seu débito em relação aos registros de marcas e patentes. “Aí então estaremos próximos de uma situação em que será possível conceder registro de marca em um ano, e de patentes, em menos de quatro anos”, justifica. Se essas projeções se confirmarem, Beaklini acredita que, a partir de 2007, o instituto estará preparado para operar como uma alavanca para a inovação.

Hoje essa alavanca está emperrada. Mas o projeto do novo INPI prevê que, oito meses após o pedido de registro – ainda durante o período de sigilo de 18 meses que protege o pedido de registro -, o órgão já possa tomar decisões em relação à anterioridade da patente requerida, ou seja, adiantar aos interessados que a patente é original e deverá ser registrada. Mais que isso: poderá recomendar o depósito da patente em determinados países.”Essa é a verdadeira tarefa do INPI: facilitar e dar instrumentos para que as empresas decidam se vão explorar e investir, ou não, naquela idéia”, diz Beaklini. Atualmente, o registro de uma marca no Brasil leva, em média, três anos e a concessão de uma patente pode demorar até oito anos, no caso de tecnologias mais complexas.

Esse é o caso dos pedidos de patentes registrados pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec), criado em 2000 pela FAPESP para o licenciamento de inventos resultantes de pesquisas por ela patrocinadas. Na avaliação de Ricardo Bérgamo, assessor de patentes do Nuplitec, essa demora pode ser um entrave no licenciamento do projeto. “É impossível precisar o valor correto dos negócios feitos com base em pedidos de patentes sem exame, que têm que ser fechados na base da confiança”, observa. O atraso também corre o risco de comprometer o desenvolvimento das pesquisas.

“Desconhecendo se seu trabalho será aceito como patente, os pesquisadores sentem-se desestimulados a prosseguir com a pesquisa. Isso sem falar na desconfiança das empresas interessadas. Elas podem supor que a demora na concessão signifique que o invento não é bom, o que não é verdade”, observa Ciro de la Cerda, coordenador do Escritório de Difusão de Tecnologia (Edistec), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Expectativa de direito
O atraso na avaliação dos pedidos de patente, no entanto, não chega a impedir o licenciamento da tecnologia, já que os contratos são firmados com base na expectativa de direito, que se confirmará no momento em que o INPI formalizar a concessão. “O licenciamento de tecnologia é feito mediante termo de confiabilidade. É risco do parceiro”, diz Sueli Conceição da Silva, coordenadora de Proteção da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), instituição que depositou 186 pedidos de patentes, sendo que 56 também no exterior. “Mas carta patente concedida só temos cinco”, ressalva Sueli.

A demora também não compromete os negócios do Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT), de acordo com Angela Azanha Puhlmann, coordenadora do Núcleo de Propriedade Intelectual. Para contornar esse problema, empresas de ponta e institutos de pesquisa se antecipam aos examinadores do INPI e realizam o rastreamento da originalidade do invento para não desperdiçar recursos em tecnologias já patenteadas. Mas o país paga um preço alto pelo fato de o INPI não atuar como um órgão de estímulo à inovação, diz Maria Celeste Emerick, do escritório da patentes da Fiocruz.

Enquanto a Organização Mundial da Propriedade Industrial (Ompi) inicia o debate sobre a patente global, num cenário em que as novas tecnologias ficam obsoletas cada vez mais rapidamente, o Brasil ainda tenta definir uma política para alavancar a inovação e se esforça para reestruturar e dar maior agilidade ao seu escritório de patentes. Essa defasagem compromete, cada vez mais, a competitividade do Brasilno mercado internacional. E, nesse aspecto, a Fiocruz é um bom exemplo.

Atua numa das áreas mais competitivas do mercado internacional – a de biotecnologia – e confronta-se com gigantes da indústria farmacêutica. Tem 110 patentes requeridas: 36 no Brasil e 74 no exterior. Outras 40 patentes já foram concedidas, 13 no Brasil e 27 no exterior. “O problema é que as patentes registradas no Brasil não geram negócios”, comenta Maria Celeste. Os registros obtidos no exterior, ao contrário, atraem o interesse das empresas, até pela rigidez com que escritórios como o USPTO, por exemplo, investigam a originalidade da tecnologia. Ela menciona o exemplo de três patentes de um mesmo projeto desenvolvido pela Fiocruz, depositadas no exterior, que já estão sendo negociadas, ainda protegidas por sigilo, com uma grande indústria do setor veterinário.

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