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Transportes

Híbridos nas ruas

Ônibus com tração elétrica e convencional, produzido em São Bernardo, ganha destaque internacional

Ao percorrer as ruas e avenidas de São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista, o ônibus produzido pela empresa Eletra marca mais um ponto para esse tradicional pólo da indústria automobilística brasileira. Equipado de forma inovadora combinando duas formas de propulsão num mesmo veículo, a energia elétrica e o motor a diesel, o ônibus levou a empresa a ficar entre as sete instituições finalistas na categoria energia no prêmio World Technology 2003, de um total de 15 indicados por 700 pesquisadores e organizações de 50 países que formam a World Technology Network. O prêmio, considerado uma espécie de Oscar tecnológico, é patrocinado por empresas e organizações do porte da Nasdaq, Microsoft, DuPont e revista Time.Esse tipo de tecnologia está presente comercialmente em automóveis das empresas japonesas Toyota, com o carro Prius, e Honda, com o Insight.

Entre os ônibus, existem poucos fabricantes com essas características no mundo – além do Brasil, apenas os Estados Unidos possuem esse tipo de ônibus em operação comercial. Entre as vantagens em relação aos convencionais, estão o baixo preço e os ganhos ambientais. Segundo medições do Instituto de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ), a redução dos particulados, ou fumaça preta, chega a 90% em relação ao ônibus convencional. No balanço geral, a emissão de poluentes fica 63% menor. “Com esses índices de emissão de particulados, nosso ônibus já atende à norma Euro V, que só entrará em vigor na Europa em 2008”, diz o engenheiro eletrônico Antônio Vicente de Souza e Silva, diretor técnico da empresa e responsável pelo desenvolvimento do ônibus híbrido. “No Brasil, ainda vigora a Euro II”, compara.

O funcionamento desse ônibus se baseia num sistema com um motor de combustão interna, um motor elétrico, um gerador e um conjunto de baterias administrados por um sistema eletrônico que calcula, a cada momento, a necessidade energética do veículo. “Diferente dos veículos convencionais, o motor a combustão serve apenas para acionar o gerador que abastece o veículo de energia elétrica. O motor elétrico é o responsável pela movimentação do ônibus e recebe a energia do gerador e do banco de baterias”, diz o engenheiro. Nas baterias fica acumulada a energia excedente produzida pelo gerador. Quando comparado ao trólebus, o híbrido tem a vantagem de não depender da rede de fiação aérea para obter energia elétrica. “A rede exige manutenção constante, está exposta a contratempos, como quedas de árvores e raios, e limita a movimentação do veículo.”

O ônibus híbrido mesmo quando está parado é abastecido com a energia elétrica vinda do gerador que recarrega as baterias. Nos percursos planos, quando a demanda do motor elétrico é reduzida, a energia excedente também é armazenada. O aproveitamento energético se dá, ainda, durante a frenagem. “Em um veículo convencional, a energia de movimento se transforma em calor no sistema de freio e acaba se perdendo. No híbrido, a eletrônica reconhece o comando para frenagem e transforma o motor elétrico em um gerador, acumulando energia nas baterias ao invés de dissipá-la no sistema de freios.”

O fato de o motor a combustão ser usado apenas para acionar o gerador possibilita que sua potência seja bem inferior à utilizada em veículos convencionais do mesmo porte. Para movimentar um ônibus padrão de 12 metros (m) com sistema de tração convencional, por exemplo, é necessário um motor de pelo menos 210 cavalos (cv), enquanto o híbrido só demanda 80 cv – a potência de uma van. Isso diminui o consumo de combustível e de óleo lubrificante, além de reduzir os gastos com manutenção do motor.

O argumento de venda da empresa, no entanto, está centrado na redução de poluentes, nos gastos com combustível e manutenção, e na durabilidade do veículo, que, segundo Silva, é pelo menos duas vezes superior. “O tempo de vida do tradicional é de cinco a sete anos, enquanto os híbridos duram o mesmo que os trólebus, ou seja, 15 anos.” No combustível, ainda segundo a Coppe, a economia varia de 15% a 30% a depender da rota. A redução nos custos operacionais se estende, também, ao óleo lubrificante, lona de freio, pneus e manutenção do motor.

Veículo multimarcas
A tecnologia dos ônibus híbridos é adaptável a praticamente todas as marcas de carroceria e chassis, que podem ser escolhidas de acordo com a necessidade do cliente. Até o momento, foram usadas carrocerias da Marcopolo e da Buscar e chassis da Volvo, Mercedes e Volkswagen. Com os motores ocorre o mesmo. Os híbridos produzidos pela Eletra têm motores a combustão da International ou da Mercedes e motores elétricos da Weg e da Equacional. “Isso é importante porque, às vezes, o cliente tem uma frota com chassis e carroceria de determinada marca e quer continuar com ela para facilitar a manutenção”, diz o engenheiro.

Um ônibus híbrido padrão de 12 m, por exemplo, custa 30% mais que um convencional. A diferença cai para 10% no articulado de 18 m e sobe para 40% no microônibus. O motivo da variação é que o sistema eletrônico tem um custo fixo sem relação direta com o tamanho do veículo. Silva assegura, no entanto, que a diferença de 30%, no carro padrão, se paga em aproximadamente três anos com a economia de consumo e manutenção. Um veículo padrão de 12 m pode ser vendido no mercado internacional por US$ 150 mil.

Nos Estados Unidos, um modelo semelhante custa em torno de US$ 370 mil. A diferença de preço ocorre, segundo ele, pelo fato de o Brasil ser um dos maiores produtores de carrocerias e chassis do mundo e dispor de mão-de-obra de baixo custo.A Eletra ainda tem uma produção tímida. Segundo a diretora-presidente, Maria Beatriz Setti Braga, a empresa possui 14 ônibus em circulação comercial e trabalha na produção de 51 veículos que serão entregues até o final do semestre. “Quando começarmos a produzir em maior quantidade, nosso preço chegará perto do ônibus convencional”, promete. Ela esclarece, no entanto, que a empresa não pretende entrar no mercado de produção em massa, porque não tem a intenção de concorrer com grandes montadoras. “Nosso trabalho será sempre por encomenda, como ocorre com os aviões da Embraer”, exemplifica.

Beatriz e o irmão, João Antônio, são proprietários da ABC Transportes Urbanos que atua há 90 anos em São Bernardo. Eles criaram a Eletra há quatro anos para atender uma demanda da empresa de ônibus. “Nós queríamos um veículo que não poluísse, não fizesse barulho e consumisse pouco combustível. Inicialmente pensamos em comprar ônibus elétricos à bateria, mas decidimos aproveitar a experiência do engenheiro Antônio e Silva, que trabalhou por muitos anos no projeto e produção de trólebus, e fazer nosso próprio híbrido”, diz Maria Beatriz.

Paulistão e exportação
O desenvolvimento do primeiro ônibus durou 12 meses e custou cerca de US$ 500 mil. Segundo a presidente, os primeiros carros da Eletra entraram em circulação em 1999, um pouco antes dos híbridos norte-americanos que só começaram a rodar em 2000. Quatro anos depois, com patentes requeridas no Brasil, nos Estados Unidos, no Chile, no Panamá e países da União Européia, a empresa começa a fechar os primeiros grandes contratos. O primeiro é para o projeto Paulistão, da Prefeitura de São Paulo, que será feito exclusivamente com híbridos. Segundo a diretora presidente, já foi assinado o contrato para a produção dos primeiros 15 ônibus. A Metra Sistema Metropolitano de Transporte testa, desde o final de 2002, três ônibus híbridos da Eletra, num percurso de 33 quilômetros entre os bairros de São Mateus e Jabaquara, em São Paulo, passando pelas cidades de São Bernardo e Santo André. As exportações também começam a se concretizar. A empresa possui um veículo em demonstração no Chile, onde vai participar de uma grande concorrência para a substituição da frota urbana da cidade de Santiago.

O prestígio alcançado com o prêmio poderá acelerar o processo de crescimento da empresa. Afinal, o híbrido brasileiro foi escolhido entre os melhores projetos de desenvolvimento tecnológico na área de energia por um júri internacional e concorreu com empresas e universidades de diversas partes do mundo. Nessa categoria, o vencedor foi o Lawrence Berkeley Laboratory, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, pelo conjunto de trabalhos no campo energético que resultou em melhor eficiência e diminuição dos impactos ambientais. Entre as empresas finalistas, a Eletra teve companhia brasileira em outras categorias.

Na área de empreendedor social, o primeiro lugar foi conquistado pelo professor de informática e empresário Rodrigo Baggio, criador do Centro para Democratização da Informática, entidade voltada para a inclusão digital. Como finalista nessa área também ficou o diretor do projeto Viva Rio, Rubem César Fernandes, que oferece cursos de informática em comunidades pobres no Rio de Janeiro.

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