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Economia

O lobby sobe a rampa

Estudos revelam a relação entre Legislativo, Executivo e os grupos de pressão de interesses

Foi de um prosaico “chá-de-cadeira” do século 19 que nasceu o hoje tão mal-afamado “lobby”: representantes de agricultores do Estado de Virgínia, nos EUA, se plantavam nas ante-salas (“lobby”, em inglês) do Congresso para, na pressão da conversa, influenciarem as decisões dos políticos. Por aqui, alguns entreviram sua presença ainda incipiente na tramitação de leis como a criação da Petrobras (“O Petróleo é nosso!”) ou o Estatudo do Trabalhador Rural. Mas o lobbying cresceu mesmo em outra época. “O seu desenvolvimento ocorreu em meados dos anos 1970, quando o país estava sob o regime militar, que centralizou o processo de tomada de decisões no Executivo, fragilizando o Legislativo”, conta Andréa Cristina de Jesus Oliveira, autora da pesquisa Lobby e representação de interesses, realizada na Unicamp.

Longe de mera espera para pressionar, o lobbying do Executivo nacional se baseava na compra de acessos e resultados, por meio de corrupção e tráfico de influência. Não se esperaria nada melhor de uma ditadura e a prática se transformou num jargão popular para “negociatas”. O curioso é que o “mal” que crescera nos corredores do Planalto com os generais teve o seu o apogeu com a democratização do país. “A partir de 1985 houve o fortalecimento do Congresso Nacional como poder político e, logo, dos grupos de pressão, que retomaram seu lugar no processo democrático”, diz. Daí, uma inusitada verdade: “A atividade do lobbying, independentemente do formato que assuma, é essencial em sociedades democráticas, porque os tomadores de decisão são confrontados com uma complexa rede de interesses e a informação técnica que os lobistas levam a eles é fundamental, ao subsidiar sua análise sobre o melhor caminho a seguir. Ele se transforma em força social de aproximação entre a sociedade civil e o Estado”, acredita a pesquisadora.

Andréa, no entanto, reconhece que não é fácil extrair o estigma da prática. “A corrupção, o lobbying não-legítimo, sempre existiu e continuará existindo enquanto não houver um sério debate envolvendo sociedade e governo sobre os limites da atuação dos lobistas no Brasil”, avisa. Nos EUA, por exemplo, o lobby, atividade prevista pelo exercício de liberdades previstas pela Primera Emenda, é regulamentado desde 1946. Aqui, em 1983, o então senador Marco Maciel apresentou o projeto de lei 6.132, ainda não votado, que dispõe sobre o registro de pessoas físicas ou jurídicas que exercem qualquer atividade que influencie o processo legislativo. “Ela não passa, porém, de uma tradução da lei americana de 1946. O nosso lobbying tem peculiaridades de que ela não dá conta”, afirma. Entre essas, a concomitância do foco de atuação: a via do tráfico de influência ou da informação.

“O caminho da corrupção é caro e sem garantias. O grupo de pressão está sujeito, toda vez que o assunto voltar a apresentar riscos ou oportunidades, a ter que retomar relações espúrias e mais dinheiro será gasto. Além disso, no Brasil, o Executivo hoje compete em poder com o Legislativo: 85% dos 5 mil projetos são propostos por ele. Nada garante que uma conquista do lobbying de hoje caia por terra com a chegada de um medida provisória do governo”, conta. Já, avalia a pesquisadora, a escolha pelo lobbying legítimo, que leva informações para o agente político, cria um canal positivo de comunicação com o governo e há grandes chances de ele ver sua pressão transformada em lei, de forma segura e duradoura. “A maioria dos lobistas que entrevistei é favorável à regulamentação do lobbying e há mesmo iniciativas, em face do desinteresse dos parlamentares, em criar uma auto-regulamentação da prática. Para eles, um debate sobre a realidade do lobby porá fim ao estigma e esclarecerá o seu real significado junto à opinião pública”, considera. Os contrários a uma legislação são apenas mais pessimistas quanto aos resultados. “Eles argumentam que não há forma de garantir o fim da corrupção e que lei só traria menos liberdade à atuação legítima.”

Executivo
A grande questão, então, é o desinteresse dos parlamentares. “Não há vontade política para a regulamentação, tanto no Executivo como no Legislativo. Afinal, os próprios parlamentares, muitas vezes, cumprem o papel de lobistas ao intermediar a liberação de verbas para estados e municípios ou defender setores que representam ou de que fazem parte”, diz Andréa. “Há, no Congresso, parlamentares que são donos de convênios médicos, universidades, agronegócios, indústrias etc. A lei do lobbying iria tirar a liberdade de ação que eles têm hoje”, explica.

Foi a Assembléia Constituinte que trouxe os grupos de pressão de volta ao Legislativo. “Muitos dizem que, na época, havia mais lobistas do que congressistas durante os debates da Constituição. Havia 383 grupos de pressão credenciados, entre esses o ‘lobby do batom’, grupo que defendeu causas feministas e questões como licença-maternidade, aborto, pátrio-poder, entre outras, que foram encaminhadas, com a ajuda dessa equipe, de forma decisiva”, lembra. Segundo a autora, outros projetos foram aprovados com a participação decisiva de grupos de pressão, ao longo dos anos 1980, como o aumento da contribuição previdenciária, a reserva de mercado na informática, o estatuto da microempresa etc. O lobby nem sempre é “do mal”.

Ainda que essa teoria funcione várias vezes, nem sempre é perfeita. “Qualquer grupo de interesse pode se associar e montar uma estratégia de lobbying no Congresso. Porém uma ação dessas implica investimentos de porte e nem todos têm condições financeiras e estrutura para a prática. Só isso já leva a um desequilíbrio na esfera da representação de interesses. Um bom exemplo é a disparidade entre o lobbying da Confederação Nacional da Indústria (CNI), com vastos recursos, e o do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), que depende da mensalidade de seus associados para se manter”, observa Andréa. Essa diferença, aliás, é o tema de outra pesquisa, o Lobby da indústria no Congresso Nacional, de Wagner Pralon Mancuso, da USP, que contou com o apoio da FAPESP.

Segundo dados apurados pelo professor, as classes produtoras, desde 1996, fizeram chegar à Câmara e ao Congresso 233 propostas de alterações legais, das quais 67,8% foram aceitas pelos parlamentares. Dentre as leis e emendas constitucionais aprovadas, 85% delas foram ao encontro do desejo dos grandes industriais brasileiros. Ao se analisar a estrutura das vitórias, percebe-se bem o poder de fogo do grupo de pressão empresarial: 79,3% delas foram em questões ligadas à infra-estrutura; 74% sobre legislação trabalhista; 62,5% no quesito financiamento; 61,4% de sucessos sobre a regulamentação da economia; mesmo na questão tributária, em que têm menos influência, eles venceram em 56,4% das questões votadas. E fazem, pessoalmente, um bom número: há 100 parlamentares que se apresentam como empresários e, ao se juntar outros 150 políticos que se alinham com eles, a bancada empresarial consegue um lobbying e tanto: 250 parlamentares ante 50 políticos da bancada de sindicalistas. “Minha tese vai de encontro aos que sustentam a posição da debilidade política da indústria no Brasil, que representam os empresários do setor como inábeis para a ação coletiva e que atribuem isso à presença do sistema corporativista de representação de interesses”, avalia.

Sucesso
“A indústria não somente tem sido capaz de identificar projetos de lei referentes ao custo Brasil e de definir e defender seu ponto de vista em relação a eles, mas também tem obtido um índice de sucesso elevado”, observa. As várias correntes históricas e sociológicas por décadas denunciaram a incapacidade do setor industrial de liderar um projeto de desenvolvimento econômico independente para o país, já que viveriam cindidos por visões de mundo e interesses incompatíveis. A partir dos anos 1990, no entanto, com a inflexão liberal e a retração do Estado, analisa Mancuso, o empresariado nacional tomou a bandeira da redução do custo Brasil (conjunto de fatores que prejudicam a competitividade das empresas do país ante as estrangeiras: leis trabalhistas, falta de infra-estrutura, tributos elevados, entre outros fatores) como forma de se transformar num ator político eficiente.

A chegada de produtos importados ao mercado, com a nova onda liberal, acabou causando essa inusitada reunião de interesses do setor industrial, que passou a buscar com mais ênfase a competitividade por meio do lobbying junto ao Executivo e ao Legislativo. “Assim, mesmo reconhecendo os limites estruturais da burguesia industrial brasileira, minha pesquisa sustenta que os produtores realizaram uma atividade política intensa, e muitas vezes bem-sucedida, ao longo de todas as fases do processo de industrialização e, hoje, continuam atuando e colhendo sucessos importantes”, nota o autor. Por meio de uma CNI profissionalizada (na Constituinte ela se saiu mal em seu lobbying) para a pressão, os industriais passaram a realizar um trabalho constante de identificação e monitoramento de proposições legislativas que teriam impacto no custo Brasil.

“É importante compreender que o clamor dos industriais pela redução do custo Brasil não foi motivado apenas pelo anseio de enfrentar os concorrentes estrangeiros. O interesse pelo mercado interno também desempenhou o seu papel. Para os empresários industriais, a conquista dos novos mercados no exterior não pode prescindir dos desdobramentos benfazejos que a redução do custo Brasil exerceria sobre a competitividade das suas empresas.”

A CNI, em sua Agenda Legislativa de 2000, assume “a prática de um lobby aberto e permanente”, cujo alvo prioritário, nota Mancuso, é o Executivo. À proporção que as decisões empresariais determinam em grande medida o perfil da economia, há, nota o autor, “nas decisões do Estado deferência e atenção especiais às necessidades do empresariado. Assim como os políticos, a população percebe que a própria sorte está ligada à sorte dos empresários”, diz. “A lei de falências e a alteração da MP 232 são dois bons exemplos que parecem sugerir que o sucesso político do empresariado industrial se mantém sob o governo Lula”, afirma Mancuso.

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