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Reciclagem

De volta às origens

Novos processos simplificam a limpeza e a recuperação de garrafas plásticas descartáveis

Mantas tecidas em tear manual, calças jeans, bandejas de frutas, couro artificial e até mesmo garrafas para produtos não-alimentícios têm em comum a mesma origem. São produtos obtidos principalmente de embalagens plásticas, conhecidas como PET, de refrigerantes, água, óleo de cozinha e produtos domésticos de limpeza, descartadas após o consumo e recicladas. Para que elas passem a ser reutilizadas, porém, é necessário passar por um processo que começa com a recuperação do material até chegar à etapa de transformação no produto final. Nos casos em que as garrafas são reprocessadas em novas embalagens para acondicionar alimentos, além da etapa de limpeza convencional, elas precisam passar por um processo de descontaminação para remoção de substâncias perigosas que são absorvidas pelo PET – como a resina Poli (tereftalato de etileno) é mais conhecida –, causa de danos à saúde humana quando ingeridas acima de determinados limites.

Essas substâncias geralmente são provenientes da reutilização de vasilhames pelo consumidor para acondicionar combustíveis, pesticidas, produtos químicos e de limpeza. Uma nova técnica, mais simples e econômica que os métodos utilizados atualmente para esse fim, foi desenvolvida e patenteada por pesquisadores do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Eles também desenvolveram um novo processo de recuperação molecular do PET  que muito vai ajudar no uso do material reciclado para fabricar novas garrafas para água e refrigerante, por exemplo, situação hoje inviável no Brasil.

No caso da descontaminação, os processos usados pelas empresas recicladoras utilizam atualmente altíssimo vácuo industrial durante várias horas ou substâncias alcalinas, como soda cáustica, para raspar as camadas mais superficiais do plástico onde estão depositados os contaminantes. O novo processo é muito mais simples: necessita apenas de um fluxo de ar seco quente por cerca de 15 minutos, em uma faixa de temperatura que vai de 130°C a 220°C. “O oxigênio contido no ar atmosférico apresenta interação com o PET e, ao mesmo tempo, alto poder de difusão, facilitando a remoção dos contaminantes do vasilhame em curto espaço de tempo”, diz a professora Sati Manrich, coordenadora do projeto, financiado pela FAPESP.

A simplicidade do novo método atraiu a atenção de cinco empresas brasileiras e estrangeiras, sendo que uma delas avançou bastante nas negociações. Três das interessadas já trabalham com processos de limpeza superclean, como são chamados os métodos empregados na descontaminação de embalagens plásticas pós-consumo. “Essas empresas podem incorporar a tecnologia que desenvolvemos para melhorar o processo usado atualmente, que ficará bem mais econômico”, diz Sati. Outra vantagem dessa tecnologia é que ela pode ser utilizada por empresas de qualquer tamanho, inclusive micros e pequenas. Por enquanto, no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não permite que plásticos reciclados entrem em contato com alimentos, como refrigerantes, chás, sucos, óleos de cozinha e outros produtos similares.

As garrafas plásticas recicladas podem se transformar novamente em uma garrafa, desde que seja para acondicionar produtos de limpeza, químicos, pesticidas e outros. “Existem pelo menos três empresas brasileiras que dispõem de tecnologia para produzir a resina reciclada que poderia transformar-se novamente em garrafa para abrigar alimentos”, diz Hermes Contesini, diretor de comunicação da Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet), entidade que congrega os fabricantes da resina, de embalagens e os recicladores de embalagens. A tecnologia disponível nas indústrias brasileiras, por enquanto, é importada. Mas pode ganhar o reforço do processo desenvolvido na UFSCar.

Pureza apropriada
Nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e na Europa o PET reciclado também é utilizado em garrafas de refrigerante, produzidas com porcentagens variadas da resina plástica. A Food and Drug Administration (FDA), a agência norte-americana reguladora de medicamentos e alimentos, e o International Life Sciences Institute (ILSI), da União Européia, exigem que o material reciclado tenha uma pureza apropriada, medida por parâmetros específicos e rigorosos. “Testes realizados com a resina moída em forma de flocos, previamente contaminada com tolueno, um solvente encontrado em produtos de limpeza e materiais de construção, e outros produtos químicos mostraram que a nossa tecnologia reduz a concentração dos contaminantes a níveis mínimos e se enquadra nas exigências de órgãos reguladores internacionais”, diz Sati.

O fato de a legislação brasileira proibir o retorno da garrafa para acondicionar alimentos não é obstáculo para o crescimento do setor de reciclagem. “No momento temos outras demandas que consomem todo o PET reciclado no Brasil”, diz Contesini. Segundo a Abipet, em 2004 foram recicladas 173 mil toneladas de embalagens plásticas, quase 50% das 360 mil produzidas no ano. Em 2003 foram recicladas 141.500 toneladas das 330 mil toneladas produzidas, o que indica um índice de reaproveitamento de 43% do material descartado. O índice de reciclagem poderia atingir números ainda maiores se a Política Nacional de Resíduos Sólidos, um projeto de lei que está desde 1997 tramitando no Congresso Nacional, já tivesse sido aprovada. Por ora, cabe a cada município estabelecer sua própria política de gestão de resíduos domésticos e industriais. “Todos os materiais de embalagem teriam melhores índices de reciclagem se a coleta seletiva fosse obrigatória”, diz Contesini. Hoje a maioria das embalagens sai das mãos dos consumidores diretamente para o lixo doméstico, sem prévia separação.

Pesquisa feita em 2004 pelo Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), uma associação mantida por empresas privadas de diversos setores, indica que os programas oficiais de coleta seletiva, em funcionamento em 237 cidades do país, concentradas nas regiões Sudeste e Sul, recuperam cerca de mil toneladas por ano. Isso é muito pouco. “De modo geral, grande parte dos municípios não tem nenhum sistema de coleta de lixo, quanto mais seletiva”, diz Contesini. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 30% dos mais de 5 mil municípios brasileiros não têm esse serviço de recolhimento de lixo. O sistema de coleta seletiva que tem como destino a reciclagem é feito ainda principalmente pelos catadores, pessoas que de modo informal coletam material reciclável como meio de sobrevivência. Depois de entregue às cooperativas, é encaminhado para a indústria recicladora. O processo de reciclagem de frascos PET descartados começa com a separação das embalagens por cor. Em seguida elas são prensadas, moídas em flocos e, depois de passar por uma máquina de extrusão, transformadas em grânulos, também chamados de pellets. Quando os flocos estão limpos, é aplicado o processo de descontaminação desenvolvido na UFSCar.

Circuito fechado
O mesmo projeto contemplou ainda outro aspecto relacionado à recuperação das propriedades físicas do PET reciclado e resultou em mais um pedido de patente. No processo de reciclagem mecânica das garrafas, que envolve lavagem, cristalização, secagem e granulação, por conta do aquecimento o material perde algumas características físicas, dentre elas a relacionada à massa molar – ou tamanho das moléculas –, o que impede sua utilização em alguns tipos de produtos que exigem resistência, como uma nova garrafa. “Quanto maior a massa molar, maior a resistência mecânica, química e térmica do material”, diz Sati. No processo desenvolvido na universidade, a recuperação da massa molar é feita em uma única etapa de cristalização, secagem e  polimerização no estado sólido do PET na forma de flocos, dispensando uma etapa adicional de granulação, necessária para a produção de novas garrafas. Por esse método, os flocos são submetidos a uma reação de polimerização no estado sólido, na qual um fluxo de gás inerte como o nitrogênio ou vácuo é aplicado a uma temperatura abaixo do ponto de fusão do polímero.

As principais vantagens do novo processo é que o tempo de recuperação de massa molar é reduzido e ele é feito em um equipamento compacto, usando um fluxo de gás inerte que pode ser reutilizado sem nenhum tratamento, uma vez que o circuito é fechado. Como é um processo econômico e que não exige muito investimento, é recomendado para micros e pequenas empresas. Já os processos utilizados atualmente pelas grandes indústrias necessitam de uma grande quantidade de gás, que precisa passar por um tratamento de purificação em outros equipamentos antes de ser reutilizado. O processo de recuperação de massa molar deve ser realizado logo após a descontaminação do PET, já que as duas etapas são feitas no mesmo equipamento. Terminado esse processo, os flocos passam por uma máquina extrusora, onde são produzidos grânulos apropriados para moldar garrafas ou fios de reforço de pneus.

O sistema compacto pode ser usado por empresas ligadas à reciclagem de PET, fabricantes de fios têxteis e embalagens. Por enquanto ainda não apareceram interessados. Mas o crescimento do setor de reciclagem no Brasil mostra que investir tanto na descontaminação da resina plástica como na recuperação das suas propriedades físicas podem ser alternativas viáveis para os pequenos empresários e também para livrar dos aterros sanitários as garrafas plásticas.

Polímero versátil
O PET foi desenvolvido em 1941 por dois químicos ingleses, Rex Whinfield e Dickson, do Laboratório ICI, que iniciou a produção de fibras a partir de 1950 na Inglaterra. Na mesma época, a produção nos Estados Unidos começava com a Du Pont, mas as garrafas produzidas com esse polímero derivado do petróleo só começaram a ser fabricadas na década de 1970. A reciclagem começou dez anos depois, quando os Estados Unidos e o Canadá iniciaram a coleta das garrafas, que se transformavam em enchimento de almofadas. A qualidade do PET foi melhorando e, com isso, novas aplicações surgiram, como tecidos e garrafas para produtos não-alimentícios. Apenas na década de 1990, o governo norte-americano liberou o uso do material reciclado em embalagens de alimentos. No Brasil, o polímero começou a ser utilizado em 1988, inicialmente na indústria têxtil. Somente em 1993 começou a ser usado no mercado de embalagens de forma significativa, principalmente em refrigerantes. Os números de 2003 traduzem bem esse quadro. Das 330 mil toneladas produzidas naquele ano, 227 mil tiveram como destino a indústria de refrigerantes, 65 mil a de água mineral e 38 mil a de óleo comestível. A reciclagem do PET, além de tirar o lixo plástico dos aterros, utiliza apenas 0,3% da energia total necessária para a produção da resina virgem. Além disso, o Pet tem a vantagem de poder ser reciclado várias vezes, para a fabricação de diferentes produtos de alta qualidade. As fibras são usadas para enchimento de colchões e travesseiros, confecção de edredons e mantas, tecidos e malhas, e os filamentos para a fabricação de cordas, cerdas de vassouras e escovas. Parte dessa resina é utilizada como matéria-prima também na indústria de tintas, tubos hidráulicos, peças injetadas, filmes para termoformagem, entre outras aplicações.

O Projeto
1. Estudos em reciclagem de PET pós-consumo para aplicações em embalagens alimentos
2. Processo de descontaminação e aumento de massa molar de PET reciclado
Modalidades
1. Linha Regular de Auxílio à Pesquisa
2. Programa de Apoio à Propriedade Intelectual
Coordenador
Sati Manrich – UFSCar
Investimento
1. R$ 43.318,00 (FAPESP)
2. R$ 6.000,00 (FAPESP)

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