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Nutrição

Mesa à brasileira

Rede de laboratórios analisa a composição de 500 alimentos que integram o cardápio nacional

MIGUEL BOYAYANBanana-maçã, banana-prata, banana-nanica… que brasileiro não conhece essas variedades, não tem suas favoritas? Agora é possível conhecê-las ainda melhor, com a publicação da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (Taco) pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa) da Universidade Estadual de Campinas.

A Taco traz a composição em nutrientes de 500 alimentos, entre produtos naturais e industrializados. Dentre as seis bananas que integram a tabela, a da terra é a que tem mais calorias, enquanto a nanica é mais rica em potássio. A banana-maçã deixa a desejar em ferro, comparada às outras. Estão também representadas na tabela algumas preparações de comidas típicas brasileiras, como acarajé e baião-de-dois.

“A iniciativa é única na América Latina”, diz Jaime Amaya-Farfán, do Nepa. Nutricionistas latino-americanos costumam usar a tabela dos Estados Unidos, da Europa ou uma combinação de ambas, explica. A Taco é mais adequada para uso local, pois foi elaborada a partir da análise de alimentos brasileiros. Os mesmos produtos podem ter composições nutricionais diferentes conforme a origem, sobretudo em termos de minerais e vitaminas. Além disso, a tabela brasileira contém alimentos típicos de nossa região, como cupuaçu, caju, jiló e acerola, que têm dez vezes mais vitamina C do que o mesmo peso em laranja. Sem falar nas seis bananas – a tabela norte-americana traz somente um tipo.

Múltiplas utilidades
A Taco tem financiamento dos ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e da Saúde (MS). Será distribuída a profissionais da saúde – sobretudo nutricionistas, médicos e educadores. Lílian Cuppari, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que a tabela é essencial para diversas ações de saúde pública. Ela permite estudos de consumo alimentar no país, a partir dos quais se podem avaliar fatores de risco para doenças ou situações de desnutrição. Também possibilita realizar estudos epidemiológicos e planejamento de alimentação. Na área clínica, o conhecimento detalhado da composição dos alimentos é essencial para a elaboração de dietas em casos de doenças que exijam modificação alimentar.

Amaya-Farfán explica que a tabela atende a uma reivindicação de nutricionistas brasileiros, que até agora não tinham como elaborar dietas equilibradas de forma precisa. Isso é importante para medidas com amplo impacto no país inteiro, como o planejamento de merendas escolares.

A indústria alimentícia também leva em conta a composição dos alimentos na preparação de seus produtos. Por essa razão, os setores de pesquisa e desenvolvimento dos produtores de alimentos necessitam ter à mão um banco de dados que corresponda à realidade local.

Conhecer os valores nutricionais de alimentos não-processados pode também orientar o plantio agrícola. A avaliação do estado nutricional da população e da composição dos alimentos plantados fornece informações relevantes sobre o valor social da produção agrícola que poderiam ser levadas em consideração por agrônomos. Uma plantação de feijão, por exemplo, pode se adaptar às necessidades das pessoas de uma determinada região caso se escolha um cultivar com propriedades mais nutritivas – a Taco traz sete variedades de feijão. Mas esse trabalho de aconselhamento agrícola, possível com a divulgação da tabela, fica a cargo de iniciativas independentes. “É o grau de consciência social do agricultor que determinará o sucesso dessa iniciativa”, alerta Amaya-Farfán.

Para o lançamento oficial em 30 de junho foram impressos somente 300 exemplares de uma versão preliminar da Taco. Segundo Amaya-Farfán, o compromisso inicial da equipe era entregar a tabela completa em janeiro deste ano, mas faltaram dados de 45 alimentos e a tiragem definitiva foi adiada. Esse atraso deve prejudicar a distribuição da versão impressa da tabela integral, proibida durante o período eleitoral por trazer a logomarca do governo federal. Num primeiro momento, portanto, a Taco ficará disponível somente no portal do Ministério da Saúde na internet (http://www.saude.gov.br/nutricao/taco.php).

MIGUEL BOYAYANA Taco não é a única do gênero. A Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Rede Brasileira de Dados de Composição de Alimentos (Brasilfoods), lançou em 1998 a sua Tabela Brasileira de Composição de Alimentos: a TBCA-USP, que se encontra em sua segunda versão, de 2004.

O que torna a Taco uma iniciativa ímpar são a ampla amostragem e o método de análise unificado e rigoroso. Enquanto a TBCA-USP é alimentada por dados enviados por pesquisadores independentes, o grupo do Nepa utilizou uma metodologia padronizada e selecionou os laboratórios qualificados a participar da elaboração da Taco por meio de Estudos Interlaboratoriais Cooperativos (EIC). “Poucos laboratórios estavam preparados, por isso foi preciso muito tempo de planejamento”, explica Amaya-Farfán. Iniciado em 1996, o projeto consumiu três anos para esboçar um plano de ação completo, da coleta à análise, e alcançar o entendimento entre laboratórios.

Os EICs consistiram na análise feita por diversos laboratórios selecionados de materiais certificados e padronizados. Foi necessário um grande investimento, pois essas matrizes com composição uniforme assegurada têm de ser importadas de institutos especializados nos Estados Unidos e na Europa. De acordo com Amaya-Farfán, alguns laboratórios apresentaram bom desempenho na análise de certos componentes mas não de outros. Inicialmente foram testados 16 laboratórios, nenhum dos quais foi capaz de executar bem todas as análises. Após um segundo EIC, somente seis laboratórios foram selecionados para participar do projeto – cada um somente para aqueles nutrientes que quantificaram com maior precisão. Todo esse rigor garante a confiabilidade dos dados publicados na tabela.

Foram analisados alimentos industrializados de nove grandes cidades das cinco regiões do país. Para cada tipo de alimento, os pesquisadores selecionaram de três a cinco das marcas mais consumidas. As amostras foram então homogeneizadas e examinadas em conjunto, de forma que os valores que aparecem na Taco representam valores médios. A equipe coletou amostras de produtos de origem vegetal e animal em grandes distribuidores de alimentos localizados nos estados de São Paulo e Santa Catarina. Os pesquisadores esperavam assim obter alimentos consumidos em outras regiões, apesar de adquiridos em grandes centros.

Atualmente está em curso a quinta fase da produção da tabela, que pretende analisar um novo lote de outros cem alimentos. Também serão avaliados o conteúdo de vitamina A de frutas e verduras já incluídas na tabela atual e o teor de aminoácidos dos alimentos regionais. Nessa etapa, porém, o orçamento só permitirá trabalhar com os laboratórios já selecionados. A partir da sexta fase, o plano é sondar um maior número de parceiros. Para isso o projeto conta com a ajuda da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que abriu em seu site um espaço para cadastro de novos laboratórios.

Uma deficiência da versão atual da Taco é não incluir alimentos orgânicos. “Avaliações feitas por outras equipes apontam que esse tipo de alimento tem um maior conteúdo de nutrientes”, diz Amaya-Farfán. Ele afirma, no entanto, que a análise dos alimentos orgânicos não é prioridade atualmente, pois sua produção ainda é limitada. “No momento a tecnologia de campo não permite a produção de orgânicos com a mesma eficiência dos alimentos convencionais”, explica. A produção de uma mesma quantidade de verduras e legumes orgânicos exige uma área plantada de 30% a 60% maior que a usada na agricultura convencional. Por isso um aumento de produção é, por enquanto, inviável e geraria um impacto importante na biodiversidade brasileira. “Seriam necessárias mais pesquisas na área de alimentos orgânicos para alcançar uma produtividade maior”, conclui.

A grande limitação brasileira, de acordo com Amaya-Farfán, é a inexistência de grandes laboratórios capazes de analisar todos os nutrientes dos alimentos, como acontece nos Estados Unidos. Ele explica que o governo norte-americano investe US$ 10 milhões a cada quatro anos na elaboração de sua tabela, que já conta com 4 mil alimentos. Amaya-Farfán calcula que nos últimos dez anos o governo brasileiro tenha investido por volta de R$ 3,5 milhões na Taco, suficientes apenas para cobrir as despesas. “Precisamos de investimento em infra-estrutura”, afirma.

No Brasil os laboratórios participantes da produção da Taco pertencem a entidades públicas, sobretudo universidades, nas quais os pesquisadores precisam apresentar altas taxas de publicação em periódicos científicos. “Trabalhos de levantamento, caracterização e análise de alimentos não interessam às revistas científicas”, diz Amaya-Farfán. Por isso essa tarefa não atrai pesquisadores universitários, o que emperra seu avanço. “Estamos fazendo uma campanha de conscientização supraministerial no governo federal para a criação do programa da Taco”, conta o pesquisador. Segundo ele, já foram sensibilizados o Ministério da Saúde, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a Anvisa e a Financiadora de Estudos e Projetos. Ainda não é o suficiente para que se crie um programa permanente de avaliação de alimentos.

As próximas metas da Taco são aumentar o número de alimentos e preparações regionais, além do número de nutrientes analisados. A amostra de carnes, por exemplo, foi feita apenas em grandes frigoríficos dos estados de São Paulo e Santa Catarina, selecionados por seu alcance disseminado no território nacional. No entanto, a equipe da Taco pretende aumentar a representação geopolítica, para que seja o mais abrangente possível. Para atingir outras regiões, será necessário credenciar laboratórios locais. O ideal é analisar separadamente os alimentos de cada região. “A farinha de mandioca de Santa Catarina pode ter um teor de minerais diferente da produzida na Bahia”, exemplifica o especialista do Nepa.

O momento é oportuno devido à pandemia atual de obesidade e as conseqüências que deve acarretar para a saúde. Amaya-Farfán afirma que jamais a população esteve tão consciente da relação entre dieta e saúde. “Há um desejo generalizado de educação alimentar”, diz. “Por isso, a Taco pode ter um impacto importante na melhoria da saúde dos brasileiros”.

Culinária experimental
Na elaboração da Taco, os pesquisadores prepararam pratos como o baião-de-dois, típico da cozinha nordestina.

1. Pese 2 kg de feijão-de-corda, 2 kg de arroz branco tipo 1, 250 g de toucinho em cubos. Pique quatro cebolas (400 g), 25 dentes de alho (50 g) e coentro fresco (50 g). Separe uma colher de sopa de sal refinado (35 g), três xícaras de chá de queijo coalho picado (300 g) e 10 litros de água

2. Coloque o toucinho em uma panela e acrescente a cebola, o alho, o sal e o feijão-de-corda. Coloque toda a água e deixe cozinhar em fogo médio por 40 minutos. Mexa sempre, vagarosamente

3. Acrescente o arroz e mexa bem. Deixe cozinhar por mais 20 minutos ou até que o arroz esteja al dente. Adicione o queijo coalho e mexa delicadamente. Tampe a panela e deixar esfriar

Cada 100 gramas contêm: 69% de água, 136 kcal, 6 g de proteína, 4 mg de colesterol, 20 g de carboidrato, 5,1 g de fibra dietética, 1,1 g de cinzas, 33 mg de cálcio, 19 mg de magnésio, 0,3 g de manganês, 72 mg de fósforo, 0,6 mg de ferro, 93 mg de  sódio, 157 mg de potássio, 0,08 mg de cobre, 0,6 mg de zinco, 0,04 mg de tiamina, 0,04 mg de piridoxina e 3 g de lipídios (0,6 g saturado, 1 g monoinsaturado e 1,5 g poliinsaturado)

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