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Resenhas

O modelo do ritmo

A enunciação explicada de uma forma inovadora: a teoria dos sistemas dinâmicos entre o lingüístico e o motor

Em Incursões em torno do ritmo da fala, Barbosa propõe um modelo dinâmico de ritmo, doravante MDR, cujo poder explanatório e potencial de simulação são evidenciados por resultados de experimentos de descrição e de geração dos padrões rítmicos das línguas portuguesa e francesa conduzidos e relatados pelo referido autor. O modelo contempla a inter-relação entre estruturação e regularidade, pois simula o ritmo da fala a partir do acoplamento entre dois osciladores: o acentual, que estrutura as proeminências frasais, e o silábico, que organiza a seqüenciação do fluxo da fala em torno de unidades delimitadas a partir de um onset vocálico e que compreendem a vogal e todos os segmentos consonantais que a seguem  a unidade VV.

O acoplamento dos dois osciladores especifica atratores cíclicos (os onsets das vogais acentuadas frasalmente) e define padrões de movimentação ideais (sinergias) para os quais o sistema dinâmico tende. Fenômenos prosódicos, como o deslocamento acentual e o acento secundário, são explicados pelo acoplamento entre os osciladores acentual e silábico e a caracterização dos ritmos das línguas, pela força de acoplamento do oscilador acentual sobre o silábico, gerando, dessa maneira, uma contribuição original para a consideração de como se organizam as durações dentro dos grupos acentuais. Diferentemente de outros modelos de geração de ritmo, apresenta um mecanismo de especificação do controle da taxa de elocução que permite simular as variações encontradas na fala.

O MDR explica a relação entre o componente prosódico e os demais componentes lingüísticos (sintático, semântico, pragmático e discursivo) a partir de noções caracterizadamente  dinâmicas: atrator, sinergia e acoplamento. Os atratores determinam os picos locais de duração ao longo dos enunciados, as sinergias explicam as estratégias de produção para a realização dessas culminâncias e as variações de força de acoplamento evidenciam a natureza de interação e dominância que se estabelecem entre os osciladores silábico e acentual ou entre o componente prosódico e os de nível hierárquico mais altos (sintaxe, semântica e pragmática).

Na presente versão do modelo, a integração entre a sintaxe e a prosódia já se encontra implementada e apresenta a vantagem sobre outros modelos de simulação prosódica por contemplar as variações intra e intersujeitos na reestruturação dos grupos rítmicos.

O livro estrutura-se em torno de sete capítulos que cumprem as funções de: 1) apresentar o que caracteriza um modelo dinâmico; 2) discutir o “modelo de referência”, que concebe o ritmo como regularidade e estruturação em relação a outras propostas de modelamento dinâmico de ritmo; 3) considerar aspectos que se revestem de importância para a compreensão do ritmo enquanto fenômeno biológico e lingüístico; 4) considerar as relações entre ritmo e sintaxe; 5) contemplar as variáveis que interferem na produção e percepção das estruturas rítmicas: a eurritmia, a força da fronteira prosódica, a interação entre prosódia e segmento, o grupo acentual, os acentos lexical e frasal, a natureza dos segmentos especificados em termos de pautas gestuais, a taxa de elocução e a força de acoplamento entre o oscilador acentual e o silábico.

No final dos seis primeiros capítulos há um sumário, que pode servir de guia ou recapitulação da leitura, em que o autor retoma os principais pontos explorados. O conjunto desses sumários, acrescido do sétimo capítulo, constitui uma resenha que cumpre plenamente a tarefa de situar os leitores sobre o conteúdo da obra. O livro inclui, ainda, anexos com scripts de programas desenvolvidos pelo autor, elementos de estatística descritiva e os corpora de análise.

O autor afasta-se da forma dicotômica de abordar conceitos lingüísticos ao se alinhar com uma corrente de pensamento que enfatiza a auto-organização como um princípio das interações de natureza dinâmica que são as que se estabelecem entre fonética e fonologia, corpo e mente, discreto e contínuo, ritmos silábico e acentual, prosódia e segmento, variância e invariância, produção e percepção de fala.

Com a publicação de Incursões em torno do ritmo da fala, Barbosa apresenta um modelo que alia simplicidade, originalidade, flexibilidade de aplicação ou adaptação a outras línguas e poder explanatório. O livro é de interesse a todos os profissionais que investigam a fala, seja para considerá-la sob o ponto de vista da descrição, da variação, da mudança, da teorização, da empiria ou do modelamento, e a todos aqueles que, em outras temáticas, abordam sistemas complexos, dinâmicos e  auto-organizados. Em suma, o MDR é uma proposta inovadora que abre caminhos para a investigação dos usos lingüísticos.

Sandra Madureira é vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Lingüística Aplicada ao Ensino de Línguas do Departamento de Lingüística da PUC/SP.

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