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Parcerias

Pesquisa e inovação S.A.

Embrapa e iniciativa privada querem criar empresa de tecnologia para o etanol

EDUARDO CESAR

Tecnologia brasileira de álcool poderá ser replicada no CaribeEDUARDO CESAR

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) se prepara para liderar um consórcio que vai desenvolver investigações na área de agroenergia em associação com a iniciativa privada. O modelo da parceria será o de uma Empresa de Propósito Específico (EPE), prevista na Lei de Inovação. “Trata-se de um novo arranjo para a pesquisa que tem como objetivo ampliar o volume de recursos para a investigação científica e aumentar a competitividade do agronegócio brasileiro, gerando emprego e renda”, explica Silvio Crestana, presidente da Embrapa. “E isso só vai acontecer se houver investimento no conhecimento.”

O projeto está sendo desenvolvido com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com o propósito específico de fazer pesquisas e desenvolver tecnologias na área de etanol. A expectativa é de que o empreendimento seja anunciado no dia 6 de junho, durante o Ethanol Summit 2007, promovido pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), em São Paulo, de acordo com o ex-ministro da Agricultura e da Pecuária Roberto Rodrigues, presidente do Conselho Superior de Agronegócios da Fiesp e coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (GVagro). “Por enquanto, o Brasil está na frente em relação ao resto do mundo. Mas em cinco ou dez anos podemos perder essa posição”, justifica Rodrigues.

A nova empresa, de acordo com Crestana, quer juntar duas expertises: a da Embrapa, que produz conhecimento, e a do setor privado, que sabe transformar a tecnologia em produto, multiplicá-lo em escala industrial e colocá-lo no mercado. Mas a grande vantagem, ele reconhece, está mesmo na agilidade e na flexibilidade de operar sob as regras do direito privado. “Temos que aproveitar as oportunidades de negócio e produzir pesquisas sem as amarras do setor público, como as da Lei de Licitação”, exemplifica Crestana.

O anúncio da constituição da EPE dependerá da finalização de um complicado e inédito modelo de parceria entre os setores público e privado, que são regidos por regimes jurídicos distintos. “Temos pouca tradição em trabalhar em conjunto. É um arranjo novo e a nossa assessoria jurídica tem trabalhado bastante”, ressalva o presidente da Embrapa.

Segurança jurídica
A criação da nova EPE está prevista no artigo 5º da Lei de Inovação, que autoriza a União e suas entidades a “participar minoritariamente do capital de empresas privadas de propósito específico que vise ao desenvolvimento de projetos científicos ou tecnológicos para a obtenção de produto ou processos inovadores”. Os royalties ou lucro serão propriedade da empresa e sua distribuição será proporcional à participação acionária. No caso do parceiro público, esses recursos poderão ser utilizados para apoiar pesquisas na forma de equipamentos, insumos, infra-estrutura de laboratórios, bolsas de produtividade tecnológica, entre outros.
Apesar dos parâmetros estabelecidos pela Lei de Inovação para a criação da EPE, foi preciso escolher o modelo de associação a ser adotado. “Estamos trabalhando com o modelo de sociedade anônima, que, a nosso ver, protege melhor os interesses do sócio minoritário, no caso a Embrapa, que teria uma participação de 49% no capital da nova empresa”, explica Crestana.

EMBRAPA

Pinhão-manso: 400 litros de óleo por hectareEMBRAPA

A escolha do modelo de parceria é fundamental para que a associação se consolide a partir de “um bom contrato”, como ele diz, que preserve a independência dos sócios. “A Embrapa não pode correr o risco de colocar o interesse público a serviço de interesses privados”, sublinha. A regra vale também no sentido contrário: os interesses privados não podem se submeter aos mesmos mecanismos de controle das instituições públicas, que são auditadas pelo Tribunal de Contas e pela Advocacia Geral da União. “Não vamos atrair nenhum parceiro se houver alguma insegurança jurídica”, diz Crestana.

O segundo desafio está na confecção do plano de negócio que deve apontar o volume de recursos necessários para o investimento, definir o papel e responsabilidade dos sócios, entre outras medidas exigidas pelo contrato. “Os institutos de pesquisa não sabem fazer isso e estamos discutindo essa proposta com os parceiros”, adianta Crestana.

O terceiro desafio é o de gestão. A Embrapa, com 49% do capital da empresa, será o sócio minoritário com assento no conselho administrativo da EPE. “Temos que ter resposta para situações em que existam interesses conflitantes. No setor público as escolhas são feitas por meio de concorrência. Mas não será o caso na EPE. O sócio minoritário terá muita importância em situações como essa.” Também está em debate o grau de autonomia do representante da Embrapa no conselho, assim como a sua estabilidade, no caso de mudanças de governo. “Ele deverá ter estabilidade para tomar decisões num empreendimento que é de longo prazo e prerrogativas garantidas”, sublinha Crestana.

Algumas dúvidas importantes já foram superadas, de acordo com Crestana. “Inicialmente pensávamos que, para participar da empresa, precisaríamos da aprovação do Congresso Nacional. Hoje está claro que deve ser um ato do presidente da República”, explica. “Os sócios estabelecem as condições de funcionamento do ponto de vista de gestão, definem o plano de negócios e as questões jurídicas, elaboram contratos e encaminham ao presidente, que tem autoridade para decidir.”

Outro problema superado é o da constituição do capital da empresa. “Vamos entrar com o capital intelectual, e não com recursos financeiros. O ativo da Embrapa na EPE será a sua base de conhecimento, seus talentos, seus colaboradores, sua competência e sua rede nacional de pesquisa. Essa é uma vantagem que interessa aos parceiros”, afirma Crestana. A dificuldade é atribuir valor a esse ativo intangível. “É um cálculo difícil, já que não existe metodologia universal para isso.” A inspiração veio a partir da experiência da Agroceres, que, quando foi vendida, também avaliou o seu capital intelectual. “Não podemos errar o cálculo por falta, sob pena de sermos acusados de entregar barato recursos do estado, ou por excesso, e aí não conseguirmos investidores.”

A expectativa de Roberto Rodrigues é que a EPE reúna recursos para fazer frente aos investimentos norte-americanos em pesquisas com biocombustíveis e contribua para consolidar a liderança do país no cenário internacional. “Os Estados Unidos vão destinar US$ 1,6 bilhão em pesquisa com o etanol de milho”, adverte.

Desbravando fronteiras
A Embrapa não desenvolvia pesquisas com cana-de-açúcar até 2005, quando Roberto Rodrigues, então ministro da Agricultura e da Pecuária, criou a Embrapa Agroenergia. “Entramos recentemente no ramo da cana não para competir com empresas privadas, como a CanaVialis (empresa de capital de risco do grupo Votorantim que trabalha com o melhoramento da cana-de-açúcar por meio da genética clássica), o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) ou ainda o Instituto Agronômico de Campinas”, sublinha Crestana. “Estamos trabalhando no sentido da complementaridade.”

De fato, o país tem registrado avanços importantes nas pesquisas sobre tecnologias da cana-de-açúcar. A CanaVialis, mencionada por Crestana, testa algo em torno de 2 milhões de clones por ano, de acordo com Fernando Reinach, presidente da Alellyx. O objetivo das investigações, ele sublinha, é obter maior teor de sacarose, variedades mais precoces e mais bem adaptadas a solos mais pobres. “Desde 2006, os melhores clones estão sendo plantados por nossos clientes”, diz Reinach, referindo-se a 43 usinas que somam 1 milhão de hectares. A Alellyx, outra empresa patrocinada pela Votorantim Ventures, desenvolve pesquisas com o genoma da cana. A Alellyx desenvolveu uma planta com teor de sacarose por hectare 80% superior à média que já está sendo testada em campo. “Em seis anos estará no mercado”, ele prevê.

EMBRAPA

Dendê: 5 mil litros de óleo por hectareEMBRAPA

A contribuição da Embrapa, de acordo com Crestana, será no sentido de desbravar fronteiras agrícolas e garantir o plantio em solos com problemas como estresse hídrico, por exemplo. “Temos que criar condições de plantio nos estados de Minas Gerais, Goiás, no Cerrado e até no Maranhão, regiões com logística interessante e onde o preço da terra é mais barato do que o da região de Ribeirão Preto”, compara.

Se o modelo da EPE para o etanol der certo, Crestana espera replicá-los em outras empresas, sempre com parceiros privados. “O biodiesel também pode se tornar um grande negócio. O problema é que as culturas anuais como a soja, a mamona, o pinhão-manso, utilizadas para a produção de oleaginosas, têm ciclo curto e estarão em decadência em dez anos. Temos que substituí-las por plantas perenes, como as palmáceas, que produzem o dendê.”

Nova commoditie
Ao mesmo tempo que mobiliza o setor privado nacional em torno da EPE, Roberto Rodrigues articula alternativas de mercado para o biocombustível brasileiro. Ele integra a Comissão Interamericana de Etanol, uma organização não-governamental privada criada em dezembro do ano passado, da qual também fazem parte John Ellis Bush, irmão do presidente norte-americano; Luiz Alberto Moreno, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); e o ex-primeiro-ministro japonês Homishiro Koyzumi.

A comissão, explica Rodrigues, tem a missão de estimular a produção de etanol nos países da América Central e Caribe, transformando o combustível em commoditie. “Nessa empreitada, o BID terá um papel fundamental”, sublinha. O banco está concluindo um levantamento do estado-da-arte da produção de cana-de-açúcar na América Latina e Caribe, para avaliar áreas disponíveis para plantio e definir apoio para novos investimentos.

Rodrigues tem uma visão ao mesmo tempo entusiasmada e pragmática sobre o futuro da agroenergia e as perspectivas de negócios para o Brasil. “A agroenergia vai mudar de forma dramática a geoeconomia agrícola mundial”, ele prevê. E explica: “No século XX o desafio da Europa era a segurança alimentar. Eles tinham que produzir comida a qualquer custo e isso incluiu uma política de subsídios que vigora até hoje e representa 34% do PIB agrícola europeu. No século XXI o desafio é a segurança energética”. Rodrigues não tem dúvidas de que os Estados Unidos – assim como fez a Europa no século XX – vão produzir álcool do milho, “não importa a que custo”. Dificilmente importarão álcool. Assim, caberá ao Brasil liderar um mercado produtor de matéria-prima e de etanol formado por países situados na faixa tropical, da América à África. “Vamos vender tecnologia, usinas de produção de etanol, carros flex, entre outros.”

Mas é preciso recursos para a pesquisa. Para isso, em outra frente de batalha, a Comissão Interamericana de Etanol vai pedir ao presidente George W. Bush que use o dinheiro da sobretaxa cobrada na importação do álcool brasileiro para financiar pesquisas de biocombustíveis no país. “A soma dá US$ 250 milhões. Pode parecer pouco, mas é quatro vezes o orçamento da Embrapa, de US$ 40 milhões”, calcula.

A liderança brasileira dependerá também de recursos humanos para gerir novos empreendimentos da economia do etanol. No mesmo seminário pretende anunciar a constituição da parceria da Embrapa com o setor privado, Rodrigues quer lançar também o curso de mestrado em agronegócios, promovido pela Embrapa, FGV e Universidade de São Paulo. A proposta de criação do curso está sendo avaliada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes) e, se aprovada, deverá ser implantada no próximo ano.

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