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FÍSICA

Impurezas bem-vindas

Simulações em computador explicam como nanotubos detectam gases tóxicos em baixíssimas concentrações

ALEXANDRE ROCHA/UFABCConexões voláteis: moléculas de amônia (esferas azuis e brancas) interagem com átomos de nitrogênio (esferas azuis) da parede dos nanotubos, alterando a transmissão de eletricidadeALEXANDRE ROCHA/UFABC

Alguns anos atrás a equipe dos pesquisadores mexicanos Maurício e Humberto Terrones demonstrou que películas revestidas com nanotubos de carbono, cilindros microscópicos formados por milhares de átomos de carbono ordenados em hexágonos, podem funcionar como detectores de gases tóxicos. Em menos de meio segundo essas películas acusaram a presença no ar de concentrações muito baixas de vapor de amônia, óxido nítrico ou etanol, gases irritantes que podem causar danos aos pulmões e, em casos extremos, matar. Nos experimentos o grupo do México constatou também que os sensores mais eficientes não eram aqueles com nanotubos formados exclusivamente por carbono. Os mais sensíveis, capazes de detectar umas poucas moléculas de gás tóxico entre bilhões de outras moléculas, continham nanotubos com átomos do elemento químico nitrogênio em sua composição – quando os nanotubos apresentam outros elementos além do carbono, os físicos dizem que contêm impurezas.

No artigo em que descreveram os resultados em 2004 na Chemical Physics Letters, os Terrones explicaram o bom funcionamento dos sensores com impurezas pela interação de moléculas dos gases tóxicos com os átomos de nitrogênio na parede dos nanotubos. Analisando esses resultados, físicos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do ABC (UFABC) demonstraram em dois artigos recentes que os mexicanos estavam apenas parcialmente certos. As moléculas de amônia, óxido nítrico e etanol de fato se conectam aos átomos de nitrogênio do nanotubo, mas, aparentemente, não como os Terrones haviam sugerido.

A partir de simulações de computador, Mariana Rossi Carvalho, Antonio José Roque da Silva e Adalberto Fazzio observaram que as impurezas formadas por quatro átomos de nitrogênio que ocupam posições em torno  do espaço deixado por dois átomos de carbono são mais estáveis do que aquele em que três átomos de nitrogênio se dispõem ao redor do vazio deixado por um carbono. Diferentemente dos brasileiros, os mexicanos acreditavam que as moléculas de amônia se ligavam às impurezas compostas por três nitrogênios. Em sua dissertação de mestrado, Mariana notou que, além de mais estáveis, a remoção de dois carbonos e a substituição de outros quatro por quatro nitrogênios também consomem menos energia, razão por que devem ocorrer em maior quantidade nos nanotubos.

Era preciso, porém, verificar se as substituições de átomos previstas no modelo teórico explicariam as conseqüências observadas na prática – a substituição dos carbonos pelos nitrogênios altera o transporte de cargas elétricas pelos nanotubos. Com Fazzio e Da Silva, o físico Alexandre Rocha desenvolveu um programa de computador capaz de representar situações próximas às da realidade, em que milhares de impurezas se distribuem aleatoriamente ao longo de nanotubos formados por até 100 mil átomos de carbono. “É a primeira vez que se trata com cálculos rigorosos o transporte de carga em nanotubos formados por um número tão grande de átomos, com até 1.000 nanômetros de extensão [um nanômetro corresponde a um milionésimo de milímetro e é cerca de 100 mil vezes menor que a espessura de um fio de cabelo]”, afirma Fazzio, professor da USP e reitor da UFABC.

Rocha simulou a interação de moléculas de amônia – compostas por um átomo de nitrogênio e três de hidrogênio (NH3) – com dois tipos de impurezas nos nanotubos: aquele em que três nitrogênios substituem um carbono e a impureza em que quatro nitrogênios ocupam o espaço deixado por dois carbonos. Constatou que, tanto no primeiro caso como no segundo, a molécula de amônia se quebra da mesma forma: um átomo de hidrogênio se conecta a dois nitrogênios da impureza, enquanto o nitrogênio e os outros dois hidrogênios restantes da amônia se ligam a um terceiro nitrogênio.

A diferença está na energia consumida por essas interações. É preciso dez vezes mais energia para que a molécula de amônia se quebre e seus subprodutos se liguem à impureza formada por três nitrogênios do que à de quatro, segundo artigo publicado na Physical Review Letters de 2 de maio deste ano. Esse resultado indica que é muito mais provável que a amônia se ligue às impurezas formadas por quatro átomos de nitrogênio. Como nesse caso a energia de ligação é mais baixa, torna-se mais fácil reutilizar o sensor de gás formado pelos nanotubos. “É possível remover a amônia do nanotubo com um jato de ar ou com o aumento da temperatura”, comenta Rocha.

Faltava analisar o que acontecia depois de a amônia se ligar aos dois tipos de impurezas dos nanotubos. Ao rodar o programa centenas de vezes com níveis diferentes desse gás, os físicos observaram que cargas elétricas fluíam mais facilmente através dos nanotubos à medida que as moléculas de amônia se ligavam aos defeitos de três nitrogênios. No caso dos defeitos formados por quatro nitrogênios, ocorreu o contrário: quanto mais moléculas de amônia aderiam ao nanotubo, maior era a resistência ao transporte de carga, efeito semelhante ao registrado pelos mexicanos nos experimentos com os gases tóxicos. Era a prova de que a estrutura proposta pelos brasileiros explicava os resultados experimentais dos irmãos Terrones. “Esse resultado é importante para a fabricação de nanossensores de gás, porque indica que é viável produzir aparelhos muito sensíveis”, comenta Da Silva. “Observamos mudanças significativas na capacidade de transmitir cargas elétricas mesmo em baixas concentrações de amônia.”

O Projeto
Simulação e modelagem de nanoestruturas e materiais complexos; Modalidade Projeto Temático; Coordenador Adalberto Fazzio – IF-USP; Investimento R$ 692.178,08 (FAPESP)

Artigos científicos
VILLALPANDO-PÁEZ, F. et al. Fabrication of vapor and gas sensor using films of aligned CNx nanotubes. Chemical Physics Letters. v. 386, p. 137-142.  6 fev. 2004.
ROCHA, A.R. et al. Designing real nanotube-based gas sensors. Physical Review Letters. v. 100. 2 mai. 2008.

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