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Química

Sem resíduos tóxicos

Patentes geram produtos para tratamento de efluentes industriais

EDUARDO CESARArgila sintética elimina resíduo líquido de tingimento com corante azulEDUARDO CESAR

Duas tecnologias de descontaminação ambiental, uma para tratamento de efluentes industriais e outra para eliminação de compostos tóxicos em solos, desenvolvidas por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e licenciadas para a empresa Contech Produtos Biodegradáveis, de Valinhos, no interior paulista, estão prontas para serem colocadas no mercado. “Iniciamos com um balãozinho de 50 mililitros dentro do laboratório e hoje produzimos bateladas de 500 quilogramas”, diz o químico Odair Ferreira, que começou a trabalhar no desenvolvimento de uma substância para tratamento de efluentes têxteis em 1999, na sua dissertação de mestrado, e atualmente continua sua pesquisa como contratado da empresa.

A base do produto para limpar efluentes criado no laboratório do Instituto de Química da universidade são nanopartículas de argila sintética que, colocadas em contato com os resíduos líquidos de processos de tingimento de tecido ou papel, funcionam como uma esponja que absorve os corantes. No final do processo, a água torna-se novamente limpa e pode ser descartada sem risco de contaminar lençóis freáticos e rios, podendo ainda ser reutilizada no processo industrial. “A partir da argila mineral é fabricada uma argila sintética nanoestruturada com propriedades específicas”, explica Ferreira. O tamanho reduzido das partículas, por volta de 100 nanômetros – para efeito de comparação, a molécula de DNA, que armazena o material genético das células, mede dois nanômetros de espessura –, aumenta a área de contato do produto com o efluente e, consequentemente, a sua eficiência de remediação.

A argila sintética, em forma de pó, é colocada em contato com o efluente colorido em um sistema de agitação. A dosagem varia de acordo com a natureza e a concentração das substâncias químicas presentes em cada efluente. “Nos processos de tingimento, para que os tecidos fiquem com uma cor acentua­da, muitas vezes os fabricantes usam quantidades de corante superiores ao que a fibra consegue adsorver”, diz Ferreira. Adsorver e absorver são processos bem diferentes. Uma esponja absorve água, mas o líquido sai facilmente quando ela é espremida, enquanto na adsorção as moléculas ou íons ficam retidos na superfície de sólidos por interações químicas ou físicas. Os próprios fabricantes de corantes estão criando substâncias cada vez mais resistentes. “O corante azul reativo 19, bastante usado na indústria têxtil, quando despejado no rio permanece por até 50 anos”, exemplifica.

O produto também pode ser usado no tratamento dos resíduos resultantes da produção de papéis coloridos e de celulose, de efluentes da indústria petroquímica e metalomecânica. “O carvão ativo, empregado nas mesmas condições, consegue eliminar apenas 50% da cor dos efluentes, em comparação com os 95% alcançados pela argila sintética”, diz o professor Oswaldo Luiz Alves, coordenador do Laboratório de Química do Estado Sólido do Instituto de Química da Unicamp, orientador de Ferreira e da pesquisa, que em 2002 recebeu o Prêmio Unesco-Orcyt de Teses de Mestrado Defendidas em Instituições Acadêmicas do Mercosul Ampliado, na modalidade Química. Outra vantagem do material desenvolvido na universidade é que no final do processo ele pode ser reciclado e reutilizado em uma nova descoloração de efluentes. Esse reprocessamento pode ser feito pelo menos cinco vezes, o que significa menor consumo de matérias-primas. No final do ciclo útil da argila como adsorvente, ela ainda poderá ser utilizada como matéria-prima de outros processos industriais, em substituição a pigmentos e cargas minerais.

Efluentes industriais
Desde março de 2005, quando o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) promulgou a resolução 357, que estabelece padrões de lançamento para efluentes, entre os quais limites para a emissão de corantes em rios, as empresas começaram a procurar soluções para se adequar às novas diretrizes ambientais. Foi nessa época que a Contech foi consultada por um cliente que buscava um tratamento eficiente para seus efluentes industriais. O coordenador de pesquisa do Centro de Desenvolvimento e Tecnologia da empresa, Ricardo de Lima Barreto, que fez mestrado na Unicamp, sabia que uma patente da carteira da Inova, a Agência de Inovação da universidade, poderia resolver o problema do seu cliente e ampliar a área de atuação da Contech. A empresa criada no Brasil na década de 1990, com atuação na Europa e na América do Sul, tem como foco principal o fornecimento de sistemas e produtos químicos aplicados principalmente no setor de papel e celulose.

O licenciamento da tecnologia foi selado em setembro de 2007, dois anos após ter início o processo de negociação com a Unicamp. A fase piloto do projeto tem apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) dentro do Programa de Subvenção à Inovação de 2007 na área de nanotecnologia. Encerrada a fase piloto, a empresa começará a produzir em escala pré-industrial com alguns clientes e atualmente está lançando a tecnologia no mercado com a marca registrada Dept. Três meses depois desse licenciamento, em dezembro do mesmo ano, a Contech e a Unicamp assinaram uma outra transferência de tecnologia, desenvolvida no Laboratório de Química Ambiental do Instituto de Química pelo professor Wilson Jardim e com participação do pesquisador Juliano de Almeida Andrade. Dessa vez, além de um reagente químico destinado à remediação de áreas contaminadas, também foram licenciadas as marcas registradas Fentox e Fentox TPH.

A diferença entre os dois produtos é que o Fentox é indicado para descontaminação de substâncias líquidas, enquanto o Fentox TPH age principalmente nos solos. “O produto aumenta o poder destrutivo do peróxido de hidrogênio, conhecido popularmente como água oxigenada, substância usada para a destruição de compostos tóxicos”, diz Barreto. A técnica chamada de processo oxidativo avançado consiste em colocar em contato o produto da reação formado pelo reagente químico e o peróxido de hidrogênio com os contaminantes da água e do solo, que são destruídos e transformados em água e gás carbônico. Entre esses contaminantes encontram-se os poluentes orgânicos persistentes, categoria em que se enquadram pesticidas como o DDT, compostos aromáticos como o benzeno e algumas classes de corantes.

“O levantamento mais recente da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) apontou quase 2.500 áreas contaminadas no estado de São Paulo”, diz Barreto. São principalmente vazamentos de postos de gasolina e de indústrias desativadas, que se infiltram no lençol freático, desembocam nos cursos d’água e prejudicam as populações que vivem nas áreas do entorno. No caso das contaminações por derivados de petróleo, o principal problema está nos vazamentos em tanques subterrâneos dos postos de gasolina. Quando muito antigos, os tanques sofrem corrosão e acabam por contaminar os aquíferos.

A ideia de dar ao produto o nome de Fentox surgiu durante as pesquisas em laboratório como uma forma de homenagear o químico Henry John Horstman Fenton, autor dos primeiros trabalhos com tecnologias oxidantes em 1894 com o uso de peróxido de hidrogênio e catalisadas por ferro. Quase 90 anos depois, na década de 1980, suas fórmulas foram usadas para eliminação de compostos tóxicos na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá.

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