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Energia

Pequenas em expansão

Novas hidrelétricas de até 30 megawatts e recuperação de usinas desativadas ampliam capacidade de geração

MIGUEL BOYAYANBaixo impacto ambiental e redução de perdas na transmissão de energia elétrica, pela proximidade dos centros consumidores, fazem das pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) um empreendimento atraente para ampliar a capacidade de geração do país. Além do interesse de grandes grupos brasileiros na construção de usinas desse tipo por conta de isenção na tarifa de transmissão e garantia de venda de energia por 30 anos, elas também estão no foco dos pesquisadores, que avaliam um grande potencial energético a baixo custo na recuperação de hidrelétricas desativadas, como mostrou um recente estudo da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O princípio de funcionamento de uma pequena central é o mesmo de uma usina convencional – a força da água gira pás de turbinas que, ligadas a geradores, produzem eletricidade. Mas enquanto as grandes se baseiam no represamento de rios com a formação de lagos enormes, as pequenas operam sem reservatórios, apenas com a água corrente, e geram no máximo 30 megawatts (MW), suficientes para iluminar 6 mil residências de classe média.

Apesar de esse poder de geração parecer insignificante, a análise dos números da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aponta que o mercado das PCHs está em expansão. Atualmente 67 pequenas centrais estão sendo construídas no país e irão agregar mais 1.112 MW à potência de 2.489 MW de geração das 333 em operação. Ou seja, quando esses empreendimentos estiverem prontos, as PCHs responderão por uma quantidade de energia equivalente à da usina Jirau, que está sendo construída no rio Madeira, em Rondônia, com polêmicas que atrasaram o início das obras e envolvem o alagamento de florestas, impacto na flora e fauna, além de deslocamento das pessoas que moram no entorno. “Considerando que a atual demanda energética do país é de cerca de 70 gigawatts, essas pequenas centrais respondem por cerca de 5% da necessidade total”, diz o professor José Luz Silveira, do departamento de energia e do programa de pós-graduação de energia da Faculdade de Engenharia da Unesp de Guaratinguetá, no interior paulista. Dados de fevereiro da Aneel mostram que outros 152 pequenos empreendimentos, com potência de 2.255 MW, já foram outorgados pela agência governamental, mas ainda não começaram a ser construídos.

Um estudo sobre a PCH Sodré de Guaratinguetá, inaugurada em 1912 e desativada desde 1992, mostra que é possível aumentar substancialmente a capacidade de produzir energia elétrica de pequenas centrais sem grandes reformas estruturais. “Com o levantamento do potencial hidráulico do rio Piagui, que alimenta a usina, verificou-se a possibilidade de elevar a capacidade de geração em cerca de 75%”, diz Silveira, um dos orientadores de pesquisa sobre o tema, junto com o professor Oscar Maldonado Astorga, também da Unesp. Nesse estudo foi feita ainda uma avaliação dos componentes que precisavam ser substituídos para adaptar a usina às novas condições de geração, como máquinas geradoras, transformadores e reguladores de tensão e velocidade.

CERPCHUsina Luiz Dias, na mineira Itajubá: laboratório em escala realCERPCH

Todas essas intervenções, no entanto, levaram em conta a preservação das características atuais da usina, para que não houvesse impacto ambiental significativo. A partir desses dados foi elaborada a análise de viabilidade econômica do projeto, que considerou, além dos custos da obra e preços da energia elétrica, os benefícios ambientais referentes à comercialização dos créditos de carbono que podem ser obtidos com a repotenciação de PCHs, ou seja, com o aumento da capacidade de produzir energia elétrica pela troca de equipamentos ou modernização de componentes e sistemas. Quando os créditos pela emissão de 1.919 toneladas de carbono entram na conta, há uma redução no tempo de amortização do investimento. “Em vez de quatro anos e quatro meses, o tempo de retorno passa a ser de três anos e seis meses, aumentando a atratividade econômica do empreendimento”, diz Dinara Silva Gyori, responsável pela pesquisa.

Pelos cálculos feitos, o repotenciamento da usina Sodré aumentaria a capacidade de geração para 2 MW diariamente. Embora tímida, perto da demanda de 40 MW total de Guaratinguetá, cidade com 100 mil habitantes, essa energia seria suficiente para as necessidades de cerca de 400 residências de classe média. “Apesar de representar um potencial pequeno, se as PCHs que estão paradas por problemas técnicos não forem reformadas e reativadas, o país terá que investir em novas usinas geradoras”, diz Silveira. “Como a principal atividade de investimento hoje são as usinas térmicas movidas a gás natural, poderemos ter sérios problemas pela frente.”

Atualmente estão sendo construídas 34 usinas termelétricas de energia, com potência de 3.383 MW no total, e outros 156 empreendimentos do mesmo tipo foram outorgados pela Aneel, com potência de 11.215 MW. Silveira lembra que o Brasil depende de outros países para comprar gás natural, como a Bolívia, que por conta de uma crise política interrompeu o fornecimento desse insumo no ano passado. Na falta dele, as termelétricas têm que usar diesel, altamente poluente. “Movidas a gás natural, as usinas emitem uma grande quantidade de dióxido de carbono, mas quando queimam diesel elas poluem várias vezes mais, com a liberação de grandes quantidades de dióxido de carbono, dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio e material particulado”, diz Silveira, que tem um trabalho publicado sobre a eficiência ecológica das usinas termelétricas.

Além do menor impacto ambiental provocado pela construção de PCHs, já que elas não podem formar lagos com mais de 13 quilômetros quadrados, as perdas de 3% na transmissão de energia elétrica, desde a geração até o consumidor final, são inferiores aos 10% que ocorrem nos grandes sistemas de transmissão energéticos brasileiros. Pelo padrão internacional, o limite de perdas deve ficar em torno de 6%.

Uma estimativa feita pelo Centro Nacional de Referência em PCH (CERPCH), vinculado à Universidade Federal de Itajubá (Unifei), de Minas Gerais, mostra que se as mais de mil PCHs desativadas registradas fossem colocadas novamente em operação poderiam gerar cerca de 300 MW, o que daria para suprir a demanda de 60 mil casas. “Na época em que essas usinas foram construídas, há cerca de 80 anos, não havia dados hidrológicos disponíveis”, diz o professor Geraldo Lúcio Tiago Filho, secretário executivo do CERPCH. “Como a demanda era pequena, as usinas eram feitas sob medida para a carga exigida.”

Gargalo ambiental
O interesse pela reativação dessas usinas tem crescido porque o processo de licenciamento ambiental é mais simples. “Hoje o grande gargalo para construção de uma nova PCH é o licenciamento ambiental”, diz Tiago. “É mais fácil licenciar uma usina térmica nova do que uma PCH.” O menor tempo para repotenciar uma usina também é uma vantagem para os investidores. “Enquanto uma nova PCH demora até dois anos para ficar pronta, o repotenciamento pode ser feito na metade do tempo”, diz Silveira.

MIGUEL BOYAYANO primeiro aproveitamento hidrelétrico do Brasil ocorreu na mineração Santa Maria, em Diamantina (MG), em 1883. O processo teve uma rápida expansão nas décadas de 1920 a 1930, quando o número de PCHs passou de 186 para 519 e a potência de 310 para 655 MW. Historicamente, o país cresceu com geração em sistemas isolados. Esse movimento perdurou até 1960, quando começaram a ser construídas as grandes hidrelétricas, dentro de um modelo mais centralizador. Para gerenciá-las, foram criadas companhias energéticas nacionais e estaduais, que absorveram as gerações isoladas, desativadas posteriormente. “No início da década de 1980, quando praticamente todas essas pequenas centrais estavam fora de operação, começou um primeiro movimento para reativá-las”, relata Tiago.

Uma das ações do governo nesse sentido foi a criação de um laboratório na Unifei para desenvolvimento de máquinas hidráulicas, cursos de especialização na área de pequenas centrais e elaboração de manuais, com regulamento para construção de pequenas, micro e minicentrais. “Esse programa não foi adiante porque na época só existia um comprador para a energia, o governo, que fazia o controle da inflação pelo congelamento de tarifas”, explica Tiago. Esse modelo desestimulava a iniciativa privada a investir nas pequenas centrais. Mas a criação do laboratório na Unifei abriu espaço para que em 1998 a universidade ficasse responsável pela operação e manutenção da PCH Luiz Dias, operada comercialmente pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). A usina funciona como um laboratório em escala real para estudos e pesquisas na área de geração de eletricidade.

Somente no final da década de 1990, com a criação da Aneel e a reestruturação do setor energético, com liberdade para negociação de consumo dentro do mercado, as PCHs começaram novamente a ganhar fôlego. Algumas vantagens, como a isenção na tarifa de transmissão e de pagamento de áreas alagadas, foram fundamentais para a expansão do mercado. “Elas foram concedidas porque o custo operacional da PCH é mais alto do que de uma hidrelétrica de grande porte”, diz Tiago. A criação do Programa de Apoio Financeiro em Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) em 2002, que teve como objetivo aumentar a participação de biomassa, eólica e PCHs na matriz brasileira, foi importante para consolidar o mercado das pequenas centrais. “Mas o grande agente do desenvolvimento das PCHs é o setor privado”, ressalta Tiago.

De acordo com dados do governo, o Brasil dispõe de 17 mil MW em usinas já projetadas e inventários de PCHs, ou seja, potenciais detectados, avaliados e registrados na Aneel. Estudo feito pelo CERPCH estima um potencial teórico para pequenas centrais, ainda não inventariado, em torno de 14, 8 mil MW. A Região Sudeste, o maior mercado consumidor, é onde se concentra o maior potencial hídrico disponível, seguida pelas regiões Sul e Centro-Oeste.

Artigo científico
SILVEIRA, J. L.; VILELA, I. A. C. Ecological efficiency in thermoelectric power plants. Applied Thermal Engineering. v. 27, p. 840-847, 2007.

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