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Novos Materiais

Sem atrito

Película confere desgaste nulo a peças industriais e pode aposentar os óleos lubrificantes

Proteção contra desgastes em peças industriais

Eduardo CesarProteção contra desgastes em peças industriaisEduardo Cesar

Uma finíssima película de um material nanoestruturado à base de carbono amorfo, conhecido como carbono diamante, apresentou um bom desempenho em reduzir o atrito e o desgaste de peças industriais, no caso anéis de cerâmica. A simples aplicação desse filme, com alguns mícrons de espessura, medida equivalente a 1 milímetro dividido por mil, desenvolvido na Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), produziu desgaste nulo depois de 419 horas em funcionamento. O experimento foi realizado com um anel funcionando contra o outro em uma bancada de testes e os dois foram submetidos a movimentos de 1 mil e 2 mil rotações por minuto (rpm), equivalente ao percurso de 4.300 quilômetros se os anéis rodassem em uma estrada. “Medimos o coeficiente de atrito e obtivemos um valor menor que 0,001, considerado extremamente baixo, e desgaste virtualmente nulo, de forma semelhante ao que acontece em sistemas onde se utiliza lubrificação de óleo”, diz o professor Sérgio de Souza Camargo Júnior, do Programa de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da UFRJ.

Com esse experimento e outros semelhantes realizados em vários laboratórios ao redor do mundo com carbono amorfo (que não possui estrutura química cristalina), também conhecido pelo nome de Diamond-like Carbon (DLC), é possível pensar, num futuro próximo, na existência de máquinas e equipamentos industriais e até mesmo motores de veículos que funcionem sem óleo lubrificante desde que as partes internas estejam recobertas por películas que evitem o desgaste de peças cerâmicas, metálicas ou até de borracha. O DLC já é usado na indústria para tornar mais resistentes desde instrumentos médicos e odontológicos a lentes oftálmicas e até discos rígidos de computador.

Reduzir o atrito em peças de máquinas e motores faz diminuir a perda de energia e melhora a eficiência de todo o sistema. É um dos principais objetivos da tribologia, ciência que estuda os fenômenos de atrito, desgaste e lubrificação em vários tipos de material. Outro fator importante que pode levar também à adoção, por parte da indústria, da película nanoestruturada é a sensível diminuição de ruído resultante da redução do atrito. “Além disso existe também o problema do descarte do óleo, depois de usado, que pode se transformar num problema ambiental”, diz Camargo.

O experimento realizado contou com dois anéis de nitreto de silício (Si3N4), produzidos por pesquisadores da Universidade de Aveiro, em Portugal, sob a coordenação de Rui Silva e a colaboração de pesquisadores do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra e da Universidade do Minho. A película foi desenvolvida e aplicada na UFRJ e as peças recobertas enviadas para Portugal para realizar os ensaios tribológicos. Esses filmes foram produzidos em condições especiais que não podem ser descritas em detalhe. “É a nossa receita do bolo que não podemos revelar”, conta Camargo, que ainda não definiu se vai registrar uma patente da película.

Prova da balança
Os anéis usados possuem cerca de 4 centímetros de diâmetro e 7 milímetros de espessura cada um, sendo idênticos  aos usados em sistemas de vedação de fluidos como nas bombas d’água e sistemas de refrigeração e  diversas outras aplicações. Camargo conta que outros autores obtiveram resultados semelhantes em condições muito especiais, como, por exemplo, em atmosfera inerte ou mesmo no vácuo. “No nosso caso, obtivemos desgaste nulo em condições reais de operação.” Para avaliar o desgaste das peças após o teste, os pesquisadores pesaram os dois anéis em balanças com precisão em microgramas (10-6), antes e depois do experimento. Como as peças apresentaram exatamente a mesma massa, concluiu-se que não existiu desgaste.

As possíveis aplicações comerciais da película desenvolvida são variadas e abarcam inicialmente as bombas d’água ou equipamentos industriais como compressores. “É um material muito versátil que pode ser empregado em vários tipos de aplicação”, diz Camargo. “Estamos em contato com uma empresa, para uma possível transferência de tecnologia, que fabrica e utiliza anéis de vedação. O contato partiu de uma palestra minha sobre o assunto na Nanotec [Congresso Internacional de Nanotecnologia realizado em São Paulo em novembro de 2008] em que a empresa tinha um representante na plateia.”

Enquanto as negociações com a empresa, que não pode ter seu nome revelado, avançam para possíveis testes de viabilização do produto, os pesquisadores da UFRJ trabalham no desenvolvimento de recobrimentos semelhantes, agora para materiais metálicos. Se os resultados forem positivos, abrem-se novas fronteiras na engenharia de materiais.

Artigo científico
Vila, M.; et al. Ultra-high performance of DLC-coated Si3N4 rings for mechanical seals. Wear. v. 265, p. 940-944, jan. 2008.

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