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Biomateriais

União metálica

Próteses ortopédicas se mostram mais eficientes e biocompatíveis

EDUARDO CESARImplante na forma de parafuso recebe tratamento de superfície a laserEDUARDO CESAR

A área de biomateriais tem experimentado grande crescimento nos últimos anos. Estima-se que o mercado mundial associado a esses materiais destinados a uso médico, produzidos com metais, cerâmicas, polímeros (sintéticos ou naturais) e compósitos compatíveis com o organismo humano, cresça a uma taxa de 12% ao ano. Estudos importantes nesse campo do conhecimento são realizados em diversos centros de pesquisa do país, entre eles o Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, onde o professor e engenheiro de materiais Antonio Carlos Guastaldi e sua equipe estudam e desenvolvem implantes odontológicos e próteses ortopédicas de ligas metálicas feitas de titânio e molibdênio (Ti-Mo). O pesquisador está detalhando uma patente relacionada ao desenvolvimento do biomaterial, que deverá ser depositada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em setembro. Se tudo correr bem, e empresas se interessarem, ele acredita que os implantes odontológicos podem estar no mercado em 2010 e, no ano seguinte, será a vez das primeiras próteses ortopédicas com o novo material.

Uma característica importante das próteses feitas com essas ligas, que têm entre 6% e 20% de molibdênio em sua composição final, é a biocompatibilidade, ou seja, a melhor interação com o organismo. “A grande maioria das próteses ortopédicas existentes no mercado é fabricada com ligas de titânio, alumínio e vanádio. O problema é que o vanádio é tóxico”, diz Guastaldi, que coordena o Grupo de Biomateriais da Unesp de Araraquara. “O molibdênio, além de biocompatível, não é tóxico. Ele confere à liga propriedades mecânicas superiores às dos implantes de titânio puro e maior compatibilidade com o organismo do que as ligas convencionais de titânio, alumínio e vanádio.” Por sua elevada interação biológica e excelente resistência à corrosão, biomateriais confeccionados de titânio encontram largo uso médico porque a estabilidade termodinâmica, em que o material se mantém quimicamente estável, é uma condição essencial para que ocorra a osseointegração. Esse aspecto relacionado à liga Ti-Mo foi estudado durante o trabalho de pós-doutorado do químico Nilson de Oliveira, em coo­peração com dois outros grupos de pesquisa. Um nacional, do Laboratório de Metalurgia Física e Solidificação, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e um internacional, da Universidade de Palermo, na Itália, onde foram realizados estudos de resistência a corrosão dessas ligas em soluções que simulam a agressividade do meio fisiológico do corpo humano.

EDUARDO CESARFeixe de laser em amostra de prótese de titânio facilita a osseointegraçãoEDUARDO CESAR

Na odontologia, o emprego mais comum são os implantes de titânio cp – sigla para comercialmente puros. No setor ortopédico, como o titânio sozinho não detém as propriedades mecânicas adequadas para fabricação de próteses, recorre-se a ligas desse metal com outros elementos químicos para a reconstrução de joelho, quadril, face, coluna e outros conjuntos ósseos. Um fator importante para avaliar a eficiência de uma prótese ortopédica, explica o professor da Unesp, é seu módulo de elasticidade, parâmetro mecânico que informa sobre a rigidez e a capacidade de deformação do material. O ideal é que a prótese tenha um módulo de elasticidade próximo ao do osso humano, facilitando a transferência de carga do implante para os tecidos vizinhos (osso, músculos, tendões). “Caso seu módulo seja muito diferente podem ocorrer rupturas entre o osso e o implante na região onde deveria ter acontecido a osseointegração.” E aqui reside a segunda vantagem das próteses de titânio e molibdênio desenvolvidas em Araraquara: elas têm o módulo de elasticidade (definido pelo quociente entre a tensão aplicada e a deformação elástica resultante) mais próximo ao osso humano do que as ligas tradicionais. O módulo de elasticidade de um osso é expresso em gigapascal (GPa), uma medida de tensão. De acordo com o pesquisador, esse módulo do osso humano fica entre 0,1 e 20 GPa, a das próteses criadas por sua equipe está na faixa de 75 a 80 GPa enquanto nas próteses convencionais varia de 100 a 114 GPa.

Superfície bioativa
Outro aspecto importante para o sucesso de cirurgias de implante de próteses ortopédicas é sua capacidade de interação com o tecido ósseo no âmbito físico-químico, mantendo-se estável e suportando cargas sem provocar dor, inflamação ou afrouxamento do próprio implante. Para que isso ocorra, a superfície da prótese, região em contato direto com os tecidos do corpo, precisa ser bioativa e, assim, favorecer a formação óssea no local da fratura. Apesar das propriedades mecânicas, resistência à corrosão e biocompatibilidade do titânio, as ligas desse material são inertes porque não provocam interação química entre a superfície do implante e o tecido ósseo neoformado. Em razão dessa limitação, pesquisadores de vários países estudam tratamentos de superfície para melhorar a adesão e a fixação de tecidos duros vivos recém–formados na interface osso-implante. Várias técnicas têm sido pesquisadas para melhorar a osseointegração, entre elas o uso de laser para modificação da estrutura da superfície do implante. Esse foi o caminho seguido pela equipe de Guastaldi. “A aplicação de laser de alta potência pode levar a  formações de superfícies nanoestruturadas e também a formação de óxidos na superfície do material. Alguns dos novos compostos formados são reconhecidos e aceitos pelo organismo, favorecendo a adesão,  a proliferação e a diferenciação celular, além de promover a osseointegração na escala nanométrica.” Com isso, a quantidade de osso formado no local é maior, durante um tempo menor.

 A equipe também realizou estudos com o recobrimento de hidroxiapatita, um composto de cálcio e fósforo, na superfície do implante tornando-o bioativo. O material é referência para substituição e regeneração óssea porque possui similaridade química e estrutural com a parte mineral de ossos e dentes e a sua presença na superfície do implante cria condições físico-químicas para a proliferação de células ósseas, sendo possível também o planejamento da composição química do recobrimento, melhorando as atividades físicas, químicas e biológicas do implante, por exemplo, os desenvolvidos para diabéticos. O recobrimento de hidroxiapatita foi feito apenas nas peças de Ti cp para fabricação de implantes dentários, mas a intenção do grupo é repetir o mesmo estudo nas ligas de Ti-Mo para uso ortopédico.

As pesquisas do Grupo de Biomateriais de Araraquara estão em estágio avançado, mas um longo caminho ainda precisa ser percorrido até que os materiais criados nos laboratórios da universidade transformem-se em produtos prontos para o mercado e estejam à disposição de dentistas e médicos. Os ensaios iniciais revelaram que as ligas têm resistência à corrosão e são adequadas para aplicação como biomaterial. A etapa posterior da pesquisa consistiu na realização de testes in vitro. Discos metálicos feitos de ligas de Ti-Mo de 1 centímetro de diâmetro e 2 milímetros de espessura foram colocados junto a uma cultura de células não diferenciadas (células-tron­co) para avaliar se haveria formação de células ósseas, etapa indispensável do processo de osseointegração. O sucesso desses ensaios levou os pesquisadores a passar para os testes in vivo, realizados em cooperação com outros grupos de pesquisa nas faculdades de odontologia de Araçatuba e de Araraquara, ambas da Unesp, além de colaborações internacionais, em Portugal, na Universidade da Ilha da Madeira, e na Itália, na Universidade de Chiete-Pescara.

Implantes na forma de parafusos, com 10 milímetros de comprimento por 3,5 milímetros de diâmetro, foram inseridos na tíbia de coelhos e retirados quatro, oito ou 12 semanas depois, para análise do padrão de osseointegração. Alguns implantes haviam sofrido tratamento de superfície a laser e outros, não. “Esses ensaios revelaram que houve maior formação e crescimento de osso nos implantes tratados a laser e com deposição de hidroxiapatita em comparação com implantes comerciais”, destaca Guastaldi. “Comprovaram também que nossas próteses de Ti-Mo  são eficientes e biocompatíveis e que as ligações químicas estabelecidas entre o implante e o osso são mais fortes do que a simples adesão física verificada na maioria dos implantes comerciais.”

Os testes clínicos em humanos ainda não estão programados e só deverão acontecer quando houver interesse de alguma indústria para a produção das próteses. Segundo o pesquisador, já existe uma empresa do ramo odontológico – que ele prefere não revelar o nome – interessada em conhecer o implante de titânio e molibdênio com tratamento de superfície a laser e deposição de hidroxiapatita. As próteses ósseas levarão um pouco mais de tempo para atingir o estágio de comercialização, porque ainda precisam ser concluídos os estudos de deposição de hidroxiapatita e realizados os testes em humanos.

Os projetos
1. Desenvolvimento de ligas metálicas Ti-Mo aplicadas como biomaterial para implantes (nº 05/04050-6); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Co­or­de­na­dor Antônio Carlos Guastaldi – UNESP; Investimento R$ 82.950,00 (FAPESP)
2. Modificação de superfície de implantes empregando-se feixe de laser e recobrimento com apatitas pelo método biomimético (nº 05/04109-0); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Co­or­de­na­dor Antônio Carlos Guastaldi – UNESP; Investimento R$ 287.812,50 (FAPESP)

Artigos científicos
OLIVEIRA, N.T.C.; GUASTALDI, A.C. Electrochemical stability and corrosion resistance of Ti-Mo alloys for biomedical applicationsActa Biomaterialia. v. 5 (1), 399- 405, 2009.
OLIVEIRA, N.T.C.; ALEIXO, G.; CARAM, R.; GUASTALDI, A.C. Development of Ti-Mo alloys for biomedical applications: microstructure and electrochemical characterization. Materials Science and Engineering: A. v. 452/3, p. 727-731, 2007.

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