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Computação

Contato de terceiro grau

Plataforma digital aprimora a relação dos usuários com a internet

Quando surgiu, no início dos anos 1990, a internet não comportava nenhuma interatividade com as informações que apareciam na tela. A primeira geração digital, ou web 1.0, era, em linhas gerais, “passiva” e acessada pelos usuários quase exclusivamente para obtenção de dados, como se fosse uma grande enciclopédia. Tempos depois, ela tornou-se uma via de mão dupla e passou a oferecer um leque variado de possibilidades interativas aos internautas. É nesse estágio, da web 2.0 – um termo proposto em 2004 pelo empresário norte-americano Tim O’Reilly –, que nos encontramos hoje. Mas os teóricos da tecnologia da informação já vislumbram para o futuro um terceiro estágio, a web 3.0, que será uma espécie de internet “inteligente”, em que programas intensificarão as interações entre eles para compor novos recursos e serviços em uma nova dimensão. Para esse cenário foi projetada na Universidade de São Paulo (USP) a Plataforma JamSession, ao mesmo tempo um ambiente de software para mediação e coordenação de serviços digitais e uma arquitetura computacional para construir agentes virtuais inteligentes, capazes de reagir às ações dos internautas.

O projeto JamSession foi desenvolvido no Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME-USP) com apoio do Instituto Virtual FAPESP-Microsoft Research, uma iniciativa para auxiliar projetos de pesquisa em tecnologias de informação e comunicação propostos por pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa de São Paulo. “O foco do projeto foi a percepção de que as tecnologias computacionais estão transformando as interações entre pessoas e sistemas digitais, entre os sistemas entre si e de pessoas com pessoas”, explica Flávio Soares Correa da Silva, professor do IME-USP e coordenador do JamSession. O objetivo do projeto, segundo ele, é elaborar uma arquitetura de software para a construção de mundos virtuais com objetivos específicos. “De uma forma simplificada, a JamSession é uma plataforma que utiliza conceitos e técnicas de inteligência artificial, em que os sistemas recebem e processam informações de forma autônoma ou quase que “raciocinam” sozinhos e passam a fornecer soluções, para integrar recursos digitais preexistentes, como softwares e games, e produzir novos resultados que podem aprimorar a interação do usuário com o computador”, diz o pesquisador.

Emoção e empatia
Na prática, a plataforma, destinada a programadores, pode ser usada na construção de vários sistemas como governo eletrônico, ambientes inteligentes para apoio a pessoas com necessidades especiais e sistemas sociais para respostas a situações de emergência. Em comum, eles poderão contar com personagens virtuais que interagem com os usuários, inclusive com expressões faciais. É possível que expressem estados de humor, emoção e criem relações de empatia entre usuários e sistemas. Assim, na tela do computador apareceriam atendentes virtuais capazes de entender o problema de um usuário e mostrar soluções. Para construção desses aplicativos, novos projetos estão sendo organizados com a colaboração de parceiros em instituições de pesquisa no Brasil e no exterior. “Os resultados do JamSession são sistemas disponíveis livremente para uso, com código aberto, encontrados no site com link na ilustração ao lado. A plataforma está pronta para uso, mas aperfeiçoamentos e extensões deverão surgir em novas versões, como resultado do uso do sistema em aplicações correntes”, diz Flávio da Silva. Ele explica que o nome do projeto teve como fonte de inspiração as jam sessions originadas nos anos 1940, em Nova York, nos Estados Unidos, em que músicos se reuniam no final da noite, depois de suas apresentações regulares, para tocar livremente. Jam é a abreviatura em inglês de jazz after midnight ou jazz depois da meia-noite. “Desses encontros surgiram tendências, novas formas de composição e muita inovação no plano musical”, destaca ele, um saxofonista amador. “Nossa intenção é que a plataforma cumpra, no ambiente da tecnologia da informação, o mesmo papel que as jam sessions cumpriram no cenário musical.”

Uma das aplicações possíveis da plataforma é o aprimoramento dos serviços de governo eletrônico. Ela poderia, por exemplo, auxiliar na criação de uma versão virtual do Poupatempo, programa do governo paulista que oferece vários serviços à população, sendo a emissão de RG, atestado de antecedentes criminais, carteira de trabalho e de habilitação os mais solicitados. “No governo eletrônico, o JamSession pode atuar em duas frentes. Primeiro, mediando a interação entre sistemas virtuais oferecidos por diversos órgãos públicos visando à ampliação dos serviços oferecidos. E, segundo, tornando mais amigável a interface usuário-computador, por meio do uso de animações autoexplicativas. Dessa forma, a plataforma democratiza o acesso, permitindo a parcelas da população que não estão familiarizadas com a internet acessar os serviços virtualmente”, explica o pesquisador. No futuro, por exemplo, o usuário poderá, com auxílio da JamSession, ao interagir com um personagem virtual, fazer um RG remotamente, sem ter que ir a um posto fixo do Poupatempo ou preencher formulários.

Outra possibilidade de uso da plataforma é o gerenciamento de mensagens em situações de emergência, como em inundações, atentados ou congestionamentos. No caso de um alagamento da marginal Tietê, em São Paulo, por exemplo, a JamSession receberia dados de sensores sobre o nível do rio e informes de usuários próximos ao local do transbordamento. O programa, por meio do uso de recursos de inteligência artificial, seria capaz de qualificar as mensagens recebidas, categorizando-as como mais ou menos confiáveis conforme a fonte da informação – o reporte de voluntários e pessoas comuns teria menos peso do que o de profissionais da defesa civil ou agentes de trânsito. Com base nos dados e mensagens recebidos, o sistema faria uma ponderação e sugeriria as ações mais adequadas. O uso da plataforma para esse fim está sendo objeto de estudo da pós-doutoranda cubana Mirtha Lina Venero, pesquisadora do IME-USP.

O projeto
JamSession – Uma plataforma descentralizada para mundos virtuais especializados e a web 3.0 (n° 2008/53977-3); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Co­or­de­na­dor Flávio Soares Correa da Silva – USP; Investimento R$ 113.680,00 (FAPESP)

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