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Percepção da ciência

O que você não quer ser quando crescer

Pesquisa mostra que menos de 3% dos adolescentes latino-americanos desejam seguir uma carreira científica

Leo RamosBoneco de Albert Einstein na Estação Ciência, em São PauloLeo Ramos

Mesmo vivendo num mundo imerso em tecnologia, o jovem, ao se deparar com a célebre pergunta “o que você quer ser quando crescer?”, dificilmente responderá “cientista”. Segundo a pesquisa Los estudiantes y la ciência, projeto do Observatório Ibero-americano de Ciência, Tecnologia e Sociedade (Ryct/Cyted), organizado pelo argentino Carmelo Polino, apenas 2,7% dos estudantes secundaristas (de 15 a 19 anos) da América Latina e Espanha pensam em seguir uma carreira nas áreas de ciências exatas ou naturais, como biologia, química, física, e matemática (as ciências agrícolas mal aparecem). Realizada entre 2008 e 2010, foram consultadas cerca de 9 mil escolas, privadas e particulares, em sete capitais: Assunção, São Paulo, Buenos Aires, Lima, Montevidéu, Bogotá e Madri. Curiosamente, 56% dos entrevistados se disseram interessados em se profissionalizar em ciências sociais e um quinto deles optou pelas engenharias. A equipe brasileira participante do projeto veio do Laboratório de Jornalismo da Unicamp (Labjor), coordenado pelo linguista Carlos Vogt, responsável pelo capítulo “Hábitos informativos sobre ciência e tecnologia” do livro, lançado em espanhol e disponível apenas para download pelo link www.oei.es/salactsi/libro-estudiantes.pdf.

“São dados preocupantes para sociedades em cujas economias há uma intensa necessidade de cientistas e engenheiros, mas há um baixo interesse dos jovens por essas profissões. E as razões alegadas igualmente são desanimadoras: 78% dos estudantes explicam sua opção por achar que as ciências exatas e as naturais são ‘muito difíceis’, quase metade dos alunos as considera ‘chatas’, enquanto um quarto deles afirma que esses campos oferecem oportunidades limitadas de emprego”, afirma Polino. “O número de alunos de ciências já está num patamar insuficiente para as necessidades da economia e indústria e, acima de tudo, para lidar com os problemas a serem enfrentados pelas sociedades no futuro.” Ainda segundo os entrevistados, o desânimo em face do desafio das ciências está ligado, em boa parte, à forma como elas são ensinadas, e reclamam que os recursos utilizados em sala de aula são limitados. Metade dos adolescentes tampouco acredita que as matérias científicas tenham aumentado sua apreciação pela natureza, nem que sejam fontes de solução para problemas de vida cotidiana.

“Há barreiras culturais, porque os jovens de hoje acham que para ter êxito na vida, ter dinheiro, não é preciso estudar muito. É possível escolher uma carreira de resultados econômicos mais rápidos. A cultura do esforço, que é a cultura da ciência, vem perdendo espaço. Temos a necessidade urgente de uma política pública de educação e comunicação da ciência”, avisa Polino. Em alguns pontos a nova pesquisa reforça algumas tendências observadas no estudo anterior do grupo, Percepção pública da ciência (ver Imagens da ciência na edição 95 de Pesquisa FAPESP; Leitores esquivos, na 188; e Avanços e desafios, na 185), de 2004, mas a pesquisa recente, com o foco nos jovens, traz novos e preocupantes dados. “Num país como o nosso, cujo futuro depende dos avanços de ciência e tecnologia, e onde há uma grande carência de profissionais técnicos e engenheiros, esses números demandam atenção das autoridades e da sociedade em geral para despertar nesses jovens o interesse pelas carreiras científicas. Acima de tudo, é um paradoxo, porque vivemos num mundo estruturado pela presença da tecnologia em todos os espaços da vida das pessoas”, analisa Vogt. “Apreciamos as benesses do esforço científico, mas não nos interessamos em continuar esse trabalho. As facilidades são ofertadas, mas são ilusórias, porque se quisermos tomar posse dessas conquistas é preciso capacitação científica, capacidade de abstração, mesmo com todas essas dificuldades que advêm do estudo das ciências exatas e naturais.”

“Já existem obstáculos grandes para os jovens adentrarem o mundo das ciências, visto como hermético, uma coisa de iniciados com linguagem própria que pouco tem a ver com o mundo sensível em que vivemos, exigindo um alto grau de abstração, e nem sempre se pode encontrar com facilidade analogias na vida pessoal dos estudantes”, observa Vogt. “Imagine tudo isso num país como o nosso em que apenas 2% dos formados desejam seguir uma carreira no magistério. A situação de ensino é lamentável e, na maioria dos casos, quem dá aulas de ciências vem de campos alternativos, como engenheiros ou médicos, pouco interessados em facilitar ou renovar a maneira de ensinar.”

São, portanto, sutis as razões que levam um estudante a optar pela carreira científica. Segundo a pesquisa, 4 em cada 10 estudantes seguiriam a profissão por dois motivos: viajar muito e trabalhar com novas tecnologias. Para um terço dos interessados, o salário, que consideram atrativo, é também uma variável a ser levada em conta para essa escolha. Bem atrás, com menos de 18%, estão motivos como: descobrir coisas novas, solucionar problemas da humanidade e avançar o conhecimento. Bem abaixo, com menos de 5%, estão razões como exercer uma profissão socialmente prestigiada ou trabalhar com pessoas qualificadas. No campo dos fatores que desanimam os jovens, o grande “vilão” é a didática das ciências nas aulas, que afasta da cabeça dos estudantes o desejo de uma carreira científica ou um futuro laboratorial. Em seguida, para 6 em cada 10 alunos, a dificuldade em entender as matérias é um filtro negativo. O “tédio” assola metade dos jovens. Daí, outro fator que os desanima é a ideia de que escolher a área científica é seguir estudando “indefinidamente” algo que consideram “chato”. Em quarto lugar, com 24%, está o receio de que existam poucas oportunidades de conseguir um emprego na área.

Isso não impede os jovens de ver aqueles que escolheram a ciência para profissão como figuras socialmente prestigiadas, cujo trabalho está associado a fins altruístas e ao progresso, e a imagem dos cientistas que predomina é a de apaixonados pelo seu trabalho, com mentes abertas e um pensamento lógico, não vigorando mais o estereótipo do cientista “solitário” e “distante da realidade”. Há, porém, um ponto controverso: os jovens estão convencidos, em sua maioria, de que os cientistas são donos de uma inteligência superior, que embora possa ser vista como uma característica positiva e atrativa afugenta os jovens, que não se consideram capazes de alcançar os patamares dessas “figuras excepcionais”, afetando negativamente a escolha pela carreira científica. “É preciso analisar esses dados a partir do seu potencial, pois é possível mudar esse paradigma atual que reverta a situação, trazendo não apenas mais jovens para as carreiras científicas, como também melhorando a experiência de aprendizagem da educação secundária”, observa Polino.

Diante da afirmação “que a ciência traz mais benefícios do que riscos à vida das pessoas”, 7 em cada 10 entrevistados concordaram com a premissa. Mas diante da assertiva “a ciência e a tecnologia estão produzindo um estilo de vida artificial e desumanizado”, as posições são menos definidas e a resposta mais recorrente (21,5%) foi “não concordo, nem discordo”. O contexto social revelou aspectos interessantes: os jovens de escolas públicas são menos entusiastas das comodidades oferecidas pela tecnologia. “Não é de estranhar que os que têm menos acesso a ela percebam menos a sua importância em facilitar a vida das pessoas”, nota Polino. Diante das afirmações “contraditórias” de que a ciência está “tirando postos de trabalho” e que “a ciência trará mais chances de trabalho para as gerações futuras” os resultados revelam que mais jovens (37%) têm medo de perder seu emprego por causa da ciência do que são otimistas com o futuro (32%). Segundo os pesquisadores, as respostas seguem o padrão da juventude latino-americana, para quem a “meritocracia” no trabalho é mais mito do que realidade. Quando o meio ambiente entra em cena, tudo piora.

Em face das assertivas “ciência e tecnologia eliminarão a pobreza e a fome do mundo” e “a ciência e a tecnologia são responsáveis pela maior parte dos problemas ambientais”, 3 em cada 10 estudantes não acreditam no poder de “cura” científico e a cifra se repete na certeza de que a ciência está afetando o meio ambiente negativamente. Aqui também as mulheres mostram sua visão: elas são as mais céticas, com 5 em cada 10 rejeitando a capacidade da tecnologia em pôr fim às mazelas globais. No cômputo total, porém, há certo otimismo juvenil: 52% dos adolescentes estão abertos e favoráveis ao que a ciência e a tecnologia possam realizar em nossas sociedades, mostrando que não vigora mais a fé cega e absoluta diante de seus resultados, sendo bem mais moderados e conscientes dos riscos do que os adultos, o que, dizem os pesquisadores, se bem aproveitado pode servir de base a uma cidadania mais crítica e responsável. “Instalar uma usina em Angra sem consultar a sociedade é, hoje, algo impensável. Os jovens pressupõem que exista um sistema que enfatiza a democratização nos processos científicos, o que não implica votar em quem vai ou não para um laboratório”, observa Vogt. “Eles aceitam uma cultura científica que realize uma ligação entre razão e humanidade, entre ciência e sociedade.”

Isso talvez explique um dado curioso descoberto na pesquisa realizada pelo Labjor. Se o caminho do conhecimento científico principal continua a ser a televisão, seguida pela internet, a ficção científica, em livros, filmes, HQs ou games, ganhou um honroso terceiro lugar como fonte de informação sobre ciências para os jovens. “Ao lado da internet, esses meios diferenciados oferecem um grande potencial de atrair jovens para a ciência de forma lúdica e interessante, uma forma estratégica de atingir essa camada da população para a divulgação de assuntos científicos”, nota Vogt. Até porque em vários lugares pesquisados as instituições oficiais são pouco conhecidas ou mesmo ignoradas, assim como os locais onde se pode informar sobre ciência, como museus ou zoológicos. Assim, curiosamente, uma cidade como São Paulo, onde há uma concentração de centros de pesquisa, universidades, e onde o acesso à informação científica é favorecido pela presença de museus e uma oferta midiática rica, mostrou índices de consumo informativo da população abaixo da média.

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