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Bráulio Dias

Bráulio Ferreira de Souza Dias: A voz dos megadiversos

eduardo cesarO biólogo brasileiro Bráulio Ferreira de Souza Dias participou de todas as 10 edições da Conferência das Partes (COP) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) das Nações Unidas – desde a primeira delas, em 1994, nas Bahamas, até a mais recente, realizada em Nagoya, no Japão, em 2010. Como representante do Ministério do Meio Ambiente do Brasil (MMA), onde trabalhou por duas décadas, Bráulio teve um papel importante nas negociações de Nagoya, que resultaram num inédito acordo para a proteção da diversidade de espécies e dos recursos genéticos de plantas, animais e microrganismos. O principal avanço foi um protocolo sobre acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos da biodiversidade (ABS, na sigla em inglês), o qual estabelece que cada país é soberano sobre os recursos genéticos de sua biodiversidade e que o acesso a eles só poderá ser feito com o seu consentimento (ver Pesquisa FAPESP nº 178). O Brasil, na liderança dos chamados países megadiversos, aqueles que abrigam a maioria das espécies do planeta, ajudou a desemperrar negociações que se arrastavam havia 18 anos. O esforço de Bráulio credenciou-o a assumir, em fevereiro, uma posição inédita para um brasileiro: a de secretário-executivo da CBD, nomeado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

Idade
59 anos
Especialidade
biologia e políticas públicas em biodiversidade
Formação
Universidade de Brasília (graduação) e Universidade de Edimburgo (doutorado)
Instituição
Convenção sobre Diversidade Biológica da Organização das Nações Unidas

Ele deixou o cargo de secretário nacional de Biodiversidade e Florestas do MMA e trocou Brasília por Montreal, no Canadá, onde funciona a sede da CBD. Sua primeira missão é preparar a COP 11, que acontece em outubro em Hyderabad, na Índia, e acelerar a agenda de implementação das medidas tomadas no Japão, oferecendo, por exemplo, treinamento para funcionários de governos que vão lidar com os efeitos do Protocolo de Nagoya. Em Hyderabad, pela primeira vez, trocará o papel de negociador pelo de organizador. “Agora tenho de ser neutro, mas minha experiência será útil. Sei o que costumam ser as maiores dificuldades na negociação e o que tenho que fazer para tentar evitá-las”, afirma. Bráulio Dias é um daqueles pesquisadores que fizeram a transição da universidade para o terreno das políticas públicas. Formado em biologia pela Universidade de Brasília (UnB), tornou-se professor da instituição depois de fazer doutorado em zoologia na Universidade de Edimburgo, na Escócia. Casado, pai de um filho, Bráulio Dias concedeu a Pesquisa FAPESP a entrevista a seguir:

Queria começar abordando sua carreira científica, como professor da UnB, e da transição para o campo das políticas públicas. Como foi essa mudança?
Meu início de carreira foi na área de ciência. Fui pesquisador do IBGE, aliás, me aposentei recentemente. E na UnB fui aluno e também professor, depois de fazer doutorado na Escócia. Havia um convênio entre a UnB e o Reino Unido na área de ecologia. O curso de pós-graduação em ecologia da UnB foi um dos primeiros do Brasil e foi criado em parceria com cursos do Reino Unido. Nesse espírito, fiz pós-graduação na Universidade de Edimburgo e, ao voltar, me integrei à UnB. Inicialmente fui professor de proteção florestal, trabalhando no Departamento de Engenharia Florestal, ou com missões ligadas a incêndios florestais e outros temas referentes à proteção florestal. Depois me transferi para o Departamento de Ecologia, onde fui responsável por disciplinas e orientação de alunos na área de biodiversidade, na área de ecologia do cerrado, ecologia do fogo.

E ao mesmo tempo o senhor estava vinculado ao IBGE?
É, ao mesmo tempo. Era pesquisador sênior no IBGE. O instituto tem uma reserva ecológica em Brasília e realiza uma série de estudos bem detalhados em parceria com instituições do Brasil e do mundo inteiro, e eu me envolvi com isso. Coordenei várias pesquisas, organizei projetos grandes, de cooperação internacional, na reserva ecológica. No final dos anos 1980 comecei a me envolver mais com a contribuição da ciência para formular políticas públicas e fui convidado para ser diretor de políticas públicas no Ibama, em 1991. Fiquei no Ibama por dois anos e foi nessa época que começaram as negociações acerca da Convenção sobre Diversidade Biológica. Me envolvi com o tema e, em 1993, fui convidado para implementar a área de biodiversidade no Ministério do Meio Ambiente. Acabei ficando 20 anos lá. Sempre estive ligado à biodiversidade. Mas também explorei interfaces com questões de clima, usos na agricultura e outros temas ligados à biodiversidade, que é bastante vasta.

E com isso o senhor participou de todas as COPs da Convenção sobre Diversidade Biológica, desde os anos 1990…
Participei de todas as COPs e da maioria das reuniões científicas da convenção. Fui um dos organizadores da COP 8, que aconteceu em Curitiba em 2006.

A próxima COP vai ser a primeira da qual o senhor participa como secretário da CBD. Houve grandes avanços na COP de Nagoya, depois de muito tempo de paralisia. Como vê a evolução e o que espera da próxima conferência?
A convenção foi aberta para assinatura na Conferência Rio-92 e entrou em vigor em dezembro de 1993. Do jeito como foi negociada, ela é uma convenção-quadro, que dá as diretrizes gerais, mas não estabelece objetivos, metas e mecanismos específicos. Foram necessários muitos anos para concluir esse processo de negociação da convenção. Nós fomos explorando pouco a pouco diferentes temas, por grandes recortes geográficos e de biomas. Depois trabalhamos com temas transversais, como pesquisa científica sobre biodiversidade ou os instrumentos econômicos. A percepção que se tem hoje, nessa trajetória de 20 anos, é um tanto dividida. Tem gente que avalia, com toda a consciência, que a CBD é uma das convenções ambientais mais bem-sucedidas sob vários aspectos. Por exemplo: ela tem cobertura praticamente universal. Nós temos 192 países-membros e uma região econômica, que é a Comunidade Europeia, e ela teve sucesso em negociar e construir uma agenda internacional da biodiversidade estabelecida por consenso. Não é fácil quando se trabalha por consenso. Basta um ou poucos países discordarem que não se consegue fechar uma negociação. Necessariamente, trabalha-se mais devagar. A vantagem da negociação por consenso é que se levam todos os países junto. Algumas pessoas prefeririam trabalhar com países que têm mais liderança e deixar os outros para trás, mas países que têm mais liderança não necessariamente precisariam do resultado da negociação para avançar. A gente conseguiu depois de muitos anos negociar metas quantitativas. No início havia muita resistência dos países participantes, pelo receio de eles serem cobrados se não conseguissem implementar as metas. A COP 10, em Nagoya, foi uma culminação do período inicial de normatização. Conseguimos fechar a negociação do Protocolo de Nagoya e também o plano estratégico para essa década até 2020 com 20 metas globais. Havíamos também, em 2008, na Alemanha, negociado a estratégia para mobilizar recursos financeiros para a implementação da convenção. Então os principais elementos para o avanço da agenda da biodiversidade foram dados.

Mas também há quem não veja essa trajetória como um sucesso…
Por outro lado, a convenção sofre críticas – bem fundamentadas – de que há uma distância muito grande entre o que foi acordado na CBD e a prática que se vê em cada país. Há uma defasagem de implementação. Isso é verdade. Mas não é privilégio da CBD a defasagem entre compromissos internacionais e implementação em cada país. Os temas de biodiversidade são complexos. Alguns deles, como acesso aos recursos genéticos e repartição dos benefícios, são temas muito inovadores. Não há referências internacionais sobre isso. Isso traz uma dificuldade maior para os países implementarem os compromissos.

O Brasil ratificou só em maio o Protocolo de Nagoya. Houve demora?
A CBD entrou em vigor apenas um ano e meio após ser assinada. Em convenções internacionais, é um recorde. Tem algumas que demoram mais de 10 anos para entrar em vigor. O Protocolo de Nagoya foi assinado em outubro de 2010 e até hoje temos cinco países que protocolaram seus instrumentos de ratificação. Outros dois já anunciaram que ratificaram, mas não recebemos ainda: Etiópia e Ilhas Fiji. Os relatos são de que o processo não está parado, os países estão avançando. Agora, cada país tem sua complexidade. Esse é um tema que envolve não só a área legal ambiental, mas também tem relevância para os setores agrícola, da saúde ou da biotecnologia. Muitos países, antes de ratificar o protocolo, vão ter que revisar as suas legislações nacionais sobre o tema, ou criar um marco legal. Tem países que são federados, em que há uma obrigatoriedade de consulta a todos os estados antes de o governo nacional se pronunciar a respeito da adoção de uma nova convenção. Minha expectativa é que a gente tenha o Protocolo de Nagoya ratificado não para essa conferência em outubro, na Índia, mas na próxima, a COP 12, em outubro de 2014. Se conseguirmos isso, não considero que estará tarde para a ratificação.

Várias decisões de Nagoya terão sua implementação definida nas próximas conferências. Como as próximas COPs serão importantes para consolidar as decisões de Nagoya?
Com relação à temática de ABS, que é o acesso e a repartição de benefícios, isso vai aguardar a ratificação do Protocolo de Nagoya. Estamos trabalhando em algumas frentes. Estamos fazendo campanhas e publicações para esclarecer governos e setores interessados do que se trata o Protocolo de Nagoya e qual é a vantagem dos países em ratificá-lo. Ao mesmo tempo, estamos organizando oficinas de capacitação para treinar técnicos. Muitos países não têm pessoas com experiência nessa área, então temos que formar. Fazemos desde o ano passado, com ajuda de vários parceiros. Estamos agora inaugurando uma fase-piloto do mecanismo de intercâmbio de informação do futuro Protocolo de Nagoya. Antes mesmo de o protocolo entrar em funcionamento, temos que colocar em vigor uma fase-piloto desse mecanismo. Isso permitirá que todos os usuários de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados possam saber se o que está sendo utilizado foi devidamente autorizado no país de origem, se passou por um processo de consentimento junto a comunidades locais, indígenas, se a autoridade nacional designada emitiu um certificado internacional de autorização para evitar situação de biopirataria. Com relação aos outros temas da convenção, o principal desafio é engajar mais setores da sociedade. Nós não vamos alcançar as chamadas 20 metas de Aichi, definidas no encontro de Nagoya, apenas com o trabalho dos ministérios do Meio Ambiente em cada país. Ali nós temos metas para reforma de instrumentos econômicos, para incorporação de biodiversidade nas contas nacionais, para reduzir desmatamento e outras formas de perda de biodiversidade, para desenvolver a produção sustentável na área da agricultura, aquicultura, floresta e pesca. Há necessidade de envolver esses outros setores, em cada país, para que se consiga trabalhar para o alcance dessas metas.

O que a CBD pretende fazer para que essas metas sejam cumpridas até 2020, lembrando do fracasso dos países no cumprimento das metas de biodiversidade estabelecidas para 2010?
Temos que criar os mecanismos que vão nos ajudar a implementar esses compromissos. Uma das questões é essa de capacitação. Outra é de mobilização de recursos financeiros. Outra é de engajamento dos outros setores. A gente já começou isso. A partir da COP 8, de Curitiba, iniciamos um engajamento das cidades. Tem uma iniciativa, aprovada na COP 9, chamada Cidade e Biodiversidade. Aprovamos em Nagoya um plano de ações para engajar os governos subnacionais, dos estados e das províncias em cada país. Começamos também uma iniciativa para atrair o setor privado. Em dezembro passado foi lançada em Tóquio uma plataforma global sobre biodiversidade e negócios, para alertar o setor empresarial da necessidade de reduzir sua pegada ecológica sobre a biodiversidade. Estamos trabalhando também com uma série de outros organismos internacionais que são parceiros. Por exemplo, vários órgãos da ONU. O Pnud [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] está finalizando uma estratégia global sobre a biodiversidade. O Banco Interamericano de Desenvolvimento sinalizou uma estratégia de como tratar melhor as questões da biodiversidade.

O senhor acha que esse tipo de medida seria capaz de prevenir um novo fracasso no cumprimento de metas?
Não diria que é suficiente, mas passa por aí. A convenção é implementada principalmente no plano nacional, porque se reconheceu a soberania nacional de uso dos recursos naturais. Nós estamos agora, a partir da COP 10, com recursos do Fundo Mundial do Meio Ambiente, ajudando os países a revisar suas estratégias nacionais de biodiversidade, a definir metas nacionais de biodiversidade para 2020. No Brasil, em abril de 2011, a gente preparou um processo chamado Diálogos da Biodiversidade, que promoveu consultas a diversos setores. O governo brasileiro está tratando de concluir esse processo para ver se consegue adotar uma estratégia nacional de biodiversidade com novas metas. E um dos grandes desafios é como fazer isso de tal forma que não seja só uma estratégia do Ministério do Meio Ambiente, mas que seja do governo como um todo. Essa foi uma lição aprendida. O Brasil conseguiu reduzir o desmatamento na Amazônia porque foi uma política pública, de Estado, envolvendo uma dúzia de ministérios diferentes, governos estaduais, Ministério Público, para conseguir reverter o processo de desmatamento na Amazônia. E a mesma coisa será necessária para que a questão da biodiversidade seja tratada com responsabilidade em cada setor.

Como vai ser participar de uma conferência como secretário da CBD? Que muda na sua atuação?
Muda bastante. Como representante do governo brasileiro nas reuniões da convenção, eu fazia parte de uma delegação de um país com mandato de negociação. Agora não. Tenho de ser neutro. Os países é que têm de negociar livremente sobre suas preferências nas decisões da COP. O meu papel aqui na secretaria é desenvolver todos os estudos e a documentação em apoio às reuniões preparatórias e depois em apoio à própria conferência para que os países tenham os elementos disponíveis para tomar boas decisões. Depois eu tenho que implementar as decisões. Há implicações globais e regionais a respeito das quais o secretariado da CBD tem de tomar iniciativas. Esse é o meu papel, o de ajudar mais os países, a capacitar mais os países, para que eles tenham condições de implementar os compromissos.

Na COP de Nagoya o senhor teve um papel de liderança, de costurar negociações para um final satisfatório. Não poderá usar essa experiência agora?
É uma experiência útil na minha nova função. Como tive a experiência de negociador, ao conduzir os trabalhos do secretariado na preparação de reuniões e documentos eu já sei o que costumam ser as maiores dificuldades na negociação e o que tenho que fazer para tentar evitá-las. Também tive a experiência de 20 anos no Ministério do Meio Ambiente no Brasil e conheço o desafio de implementar uma política nacional de biodiversidade num país megadiverso. Essas duas experiências me ajudarão bastante.

Considerando que os Estados Unidos não ratificaram a CBD, como fica a questão de as empresas norte-americanas continuarem a usar moléculas ou processos oriundos da biodiversidade de países megadiversos?
Os Estados Unidos não ratificaram porque isso depende de uma decisão do Congresso norte-americano. Mas o governo, o Executivo dos Estados Unidos, assinou o compromisso de ratificar. E o Executivo americano tem participado ativamente de todas as decisões e de todos os programas de trabalho da convenção. E não trabalham contra. Trabalham alinhados aos objetivos da convenção. Por exemplo, quando os Institutos Nacionais de Saúde, nos Estados Unidos, financiam projetos de pesquisa no exterior para o desenvolvimento de novas drogas, eles colocam nos editais deles que é obrigatória a assinatura de acordos de acesso e repasse de benefícios antes do início dos trabalhos. Quando Nagoya entrar em vigor, os Estados Unidos não terão condição de conseguir recursos genéticos em outros países sem cumprir as regras que vão ser as válidas internacionalmente.

Não depende de quem é o presidente, se é mais um menos simpático ao meio ambiente.
Exatamente. Houve um incidente alguns anos atrás com a Indonésia e empresas dos Estados Unidos e Europa para o desenvolvimento de uma vacina contra a gripe aviária. A variedade de vírus que causava essa gripe era originária de Indonésia. Foi solicitado ao governo indonésio autorização para coleta desse material para ser levado à América do Norte e Europa para desenvolvimento da vacina. A Indonésia concedeu a autorização, só que os laboratórios públicos norte-americanos desenvolveram pesquisa e depois repassaram para laboratórios privados para fabricação de vacina. Quando a vacina entrou no mercado, o governo indonésio tentou ter acesso à vacina e isso foi negado. Isso foi um precedente muito ruim, causou um mal-estar enorme e foi objeto de intensas negociações na Organização Mundial da Saúde, o que levou a assinatura de um acordo no âmbito da OMS para evitar esse tipo de situação. Isso foi muito discutido em Nagoya quando a gente finalizou a negociação do protocolo. É isso que se entende por repartição dos benefícios. Você tem de ter acesso aos benefícios gerados pelo uso da biodiversidade do seu país.

Como vê a ratificação do chamado protocolo complementar de biossegurança? Os países terão de fazer seguros no caso de acidentes com transgênicos?
Não. O protocolo suplementar não exige isso. Isso era um dos pontos de negociação, mas não contou com o apoio da maioria dos países e caiu. Se esse protocolo entrar em vigor, não exigirá que os países façam esse tipo de seguro antes de qualquer comercialização de organismos geneticamente modificados vivos.

Qual será o impacto disso?
Há uma percepção de setores da agricultura de que esse protocolo poderá causar barreiras para a exportação de transgênicos. Mas o protocolo suplementar foi aprovado em Nagoya por unanimidade. Todos os países quiseram o protocolo. É ilusão então algum país exportador de transgênicos achar que vai conseguir exportar no futuro para outros países sem discutir questões de responsabilidade e segurança com relação a riscos que a exportação de transgênicos vivos pode causar. Esse protocolo teve um número menor de cartas de assinaturas de compromisso de países para ratificar. Foram uns 50 países. No caso do Protocolo de Nagoya, tivemos 92, 93 países que assinaram. Faz supor que a ratificação do protocolo suplementar será mais demorada.

No ano passado, quando o senhor estava no ministério, houve um embate com cientistas envolvendo autorizações para pesquisa de biodiversidade aqui no Brasil e multas contra quem fazia pesquisa sem autorização do ministério. Nessa sua função, vai enfrentar alguma tensão semelhante com pesquisadores?
Não posso entrar em discussões internas. Sugiro que você converse com o meu sucessor no ministério. A comunidade científica participa dos temas da CBD de várias formas. Agora com a criação do IPBES [Plataforma Internacional de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos], os cientistas vão contar com um mecanismo melhor para que tenham uma participação mais coordenada.

Qual será a relação da CDB com a IPBES, uma espécie de IPCC da biodiversidade, integrado por cientistas?
A CBD vai ser uma das principais clientes dessa plataforma, que vai coordenar global e regionalmente a elaboração de avaliações do estado do conhecimento científico sobre temas da biodiversidade e serviços ecossistêmicos. E isso deverá nortear melhor as negociações nessa área. Estive no Paraná em abril, na reunião que aprovou a criação da plataforma. Acompanhei todas as etapas anteriores de negociação e estamos agora acompanhando a fase final. Tem um cronograma para a conclusão dos trabalhos para que no ano que vem a plataforma possa funcionar. Funcionando, deverá atender a demandas de clientes. Poderemos formular demandas, dizendo, por exemplo, “preciso de informações sobre qual é o estado atual e tendências de tal tema na área de biodiversidade”. E a IPBES vai coordenar os trabalhos junto à comunidade científica.

Falando da Rio+20, o que achou do resultado em relação à biodiversidade?
O documento final da Rio+20 reconhece a importância da biodiversidade, tem um capítulo sobre a biodiversidade e muitas referências a todo momento sobre questões de biodiversidade. A reclamação que muitos têm é que a linguagem não foi a mais forte possível. Mas tem que lembrar de novo que é uma negociação multilateral e você tem que atender às preocupações de todos os países. Um dos resultados importantes é o estabelecimento de um processo para negociação de objetivos e desenvolvimento sustentável. Isso tem que ser resolvido até 2015. Também foi criado um compromisso de se criar um processo de mobilização de recursos financeiros. Já em relação aos objetivos, onde havia mais expectativa, não se conseguiu fechar na Rio+20. Conseguiu-se apenas concordar com o início de um processo de negociação. Para fazer uma avaliação final do alcance da Rio+20, a gente vai ter de aguardar mais alguns anos para ver o desdobramento dos compromissos firmados.

Na conferência de Nagoya, o texto apresentado antes da reunião dos chefes de Estado trazia uma série de pontos para negociação. Na Rio+20, isso não aconteceu. Foi apresentado um texto sem trechos polêmicos e os chefes de Estado apenas chancelaram esse texto. Os negociadores não poderiam ter sido mais ambiciosos?
A gente sempre acha que poderia ter mais. O problema é que, de novo, o documento reflete o grau de convergência possível naquele momento. Temos que lembrar que, por um lado, alguns países estão enfrentando grave crise financeira. Por outro lado, muitos países com economia altamente dependente de petróleo e combustíveis fósseis ainda resistem bastante a assumir um compromisso mais forte em reduzir essa economia baseada em fóssil. A Rio+20 não foi uma reunião negociadora de acordos como foi a Rio-92. A Rio-92 tinha processos de negociação que duraram vários anos e que geraram a Convenção de Clima, a Convenção sobre Diversidade Biológica e vários outros. Essa aqui foi diferente, foi mais semelhante – se você quiser comparar – com a Rio+10, em Johannesburgo, em 2002. Ou então com Estocolmo, em 1972. Foram grandes conferências para chamar a atenção do mundo para uma maior cooperação numa agenda, não necessariamente para construir novos instrumentos regulatórios.

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