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50 anos de FAPESP

Desafios em águas profundas

Estudos da dinâmica de plataformas e tubulações apoiam avanços na exploração de petróleo em alto-mar

170-173_Petroleo aguas profundas_esp50-01Há mais de três décadas, engenheiros de várias universidades e institutos de pesquisa do país participam de um esforço coordenado pelo Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes) para desenvolver as tecnologias que vêm permitindo à empresa explorar petróleo em águas cada vez mais profundas. Enquanto nos anos 1980 o desafio era alcançar reservas abaixo de mil metros de lâmina d’água, na bacia de Campos, a Petrobras consegue hoje explorar com segurança os reservatórios da chamada camada pré-sal, na bacia de Santos, em profundidades de até 3 mil metros de lâmina d’água. Esse avanço fez com que o Brasil alcançasse a autossuficiência de petróleo em 2005, com a produção atual chegando a quase 3 milhões de barris por dia, sendo mais de 80% vindos de reservas marítimas, e com a expectativa de ultrapassar os 6 milhões barris diários em 2020.

Dos problemas que a empresa precisou resolver para alcançar a liderança mundial em exploração marítima de petróleo, um dos mais desafiadores foi encontrar soluções para que seus navios-plataforma e plataformas semissubmersíveis não se deslocassem enquanto extraíam o petróleo do fundo do mar, mesmo sujeitos a fortes ventos, ondas e correntezas. Outro problema crítico foi otimizar a tecnologia que impede que as longas e delgadas tubulações que levam o óleo e o gás do poço no fundo do mar até a plataforma, os chamados risers, se rompam devido a vibrações provocadas pelas correntezas submarinas.

Para atender a essas demandas da Petrobras, em meados dos anos 1990, engenheiros da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP) se organizaram em torno de dois Projetos Temáticos apoiados pela FAPESP. Pesquisadores que antes trabalhavam de forma independente juntaram forças e fundaram laboratórios que hoje são referências internacionais em engenharia offshore. “Os grupos envolvidos nessas pesquisas têm o reconhecimento da indústria de óleo e gás do mundo todo e frequentemente estão envolvidos em investigações que geram inovações e patentes”, afirma Luiz Levy, gerente de tecnologia de otimização de operações e logística do Cenpes.

Coordenado por Hernani Brinati, do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Poli, o projeto “Métodos de dinâmica não linear aplicados ao projeto e análise de sistemas de ancoragem” envolveu entre 1998 e 2004 uma dezena de pesquisadores da Poli, do Instituto de Física e do Instituto de Matemática e Estatística da USP, além do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Seu objetivo foi investigar como ferramentas matemáticas avançadas – os métodos de dinâmica não linear – poderiam ser usadas para criar modelos que permitissem simular o comportamento de futuros projetos de plataformas ancoradas em alto-mar, de modo a propor melhorias nos projetos de construção. “Queríamos atacar problemas de engenharia relevantes para o país, mas de um ponto de vista mais concei-tual”, lembra Brinati.

170-173_Petroleo aguas profundas_esp50.inddNo Brasil, o uso de plataformas fixas, de aço ou de concreto apoiadas sobre o leito submarino, é inviável na maioria dos poços petrolíferos, que se encontram abaixo de lâminas d’água de profundidade superior a mil metros. O jeito é usar estruturas flutuantes conhecidas pela sigla FPSO (unidades flutuantes de produção, armazenamento e descarga, em inglês), mantidas acima do poço por meio de um sistema de cabos e amarras presas ao solo submarino por âncoras e estacas.

“Se a plataforma não estiver bem posicionada, acontece um desastre”, explica Celso Pesce, da Poli, um dos responsáveis do projeto pelos experimentos em escala reduzida que verificaram o comportamento dinâmico e a estabilidade dos sistemas de amarração e que consolidaram o Laboratório de Interação Fluido-Estrutura e Mecânica Offshore, da Poli. “Se ela se mover por uma falha no sistema de amarração, os risers são rompidos, interrompendo a produção e poluindo o meio ambiente.”

O sistema de amarração mais tradicional é o do tipo torreta, que já predominou na bacia de Campos e hoje em dia é mais usado por FPSOs realizando testes de prospecção de longa duração. No sistema, todas as dezenas de amarras se conectam na torreta – um único eixo vertical de 10 metros de diâmetro que trespassa o navio, em torno do qual a embarcação pode girar. Quanto mais perto o eixo fica da meia-nau, mais facilmente o FPSO se alinha com a direção da correnteza, sem a ocorrência de movimentos instáveis. Por outro lado, quanto mais longe o eixo fica da popa, mais movimento o navio impõe ao sistema de risers. Um dos problemas que os pesquisadores investigaram foi qual seria a posição ideal da torreta que garantiria ao mesmo tempo a estabilidade da embarcação e a integridade dos risers.

A alternativa ao sistema torreta é espalhar as amarras por toda a extensão da embarcação. Nos anos 1990, pesquisadores da Petrobras desenvolveram um novo sistema de amarração espalhada, o Dicas (sigla em inglês para sistema de ancoragem de tensionamento diferenciado), no qual são usadas linhas de materiais de rigidez diferentes (aço ou poliéster, por exemplo), distribuídas ao redor da plataforma de acordo com as direções dos ventos e das correntezas da região do poço. “Nossas pesquisas desse período contribuíram para a adoção do sistema Dicas, bem como o uso de cabos de poliéster, iniciados no Brasil e hoje utilizados no mundo todo”, lembra Kazuo Nishimoto, o responsável do projeto pela implementação dos modelos matemáticos em simulações computacionais.

Essas simulações pioneiras deram origem a um projeto ambicioso, o Tanque de Provas Numérico (TPN), coordenado por Nishimoto e envolvendo pesquisadores da Petrobras, IPT, USP, UFRJ e outras universidades brasileiras. As simulações computacionais cada vez mais sofisticadas criadas pelo grupo do TPN se mostraram essenciais para o projeto das plataformas brasileiras, desde a semissubmersível P-18, inaugurada em 1994, ao FPSO recém-construído P-73, uma vez que é impossível construir tanques d’água do tamanho necessário para simular perfeitamente as condições de águas profundas.

Abrigado desde 2010 em um edifício na Poli construído com verbas da Finep e da Petrobras, o TPN desenvolve simulações de quase todas as operações petrolíferas offshore em um cluster de computadores milhares de vezes mais rápido que um único computador convencional e que são visualizadas em uma sala de realidade virtual. Como nem todas as condições marítimas são possíveis de se reproduzirem por meio de cálculos, o TPN conta ainda com um tanque d’água com geradores de ondas, ventos e correntezas, que ajudam a “calibrar” as simulações computacionais.

Vibrando com vórtices
Outro Projeto Temático da FAPESP, coordenado por José Aranha, do Departamento de Engenharia Mecânica da Poli, abordou um problema que continua a desafiar engenheiros, físicos e matemáticos no mundo inteiro e cujo impacto econômico na exploração de petróleo marítimo é incalculável: o fenômeno da vibração induzida por vórtices (VIV). Vigente de 1995 a 1999 e renovado entre 2002 e 2006, os projetos visaram estudar o efeito da VIV nas estruturas das plataformas petrolíferas, especialmente nos risers, por meio de análises das equações da hidroelasticidade, simulações computacionais de soluções dessas equações e por experimentos em escala reduzida. Colaboraram pesquisadores da USP, IPT e Petrobras, bem como da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, do Imperial College e da Universidade de Southampton, no Reino Unido, e do Centro Aeroespacial Alemão.

Experimento no tanque de água recirculante da Poli-USP mostra, por meio de luz laser, o desprendimento de vórtices na correnteza ao passar por um cilindro

PROF. DR. GUSTAVO R.S. ASSI Experimento no tanque de água recirculante da Poli-USP mostra, por meio de luz laser, o desprendimento de vórtices na correnteza ao passar por um cilindroPROF. DR. GUSTAVO R.S. ASSI

“A VIV é um dos poucos fenômenos de dinâmica de fluidos até hoje não bem compreendidos”, afirma Pesce, que também colaborou nesse projeto. Para visualizar o que é a VIV, imagine um tubo vertical de 25 centímetros de diâmetro e 2.500 metros de comprimento imerso na água, como são de fato os risers pendendo de uma plataforma em alto-mar. Quando uma correnteza passa pelo tubo, o escoamento da água ao redor dele forma uma série de vórtices tubulares, que se desprendem um de cada lado do tubo de forma alternada.

As diferenças de pressão causadas pela emissão dos vórtices produzem complexas forças oscilatórias que induzem vibrações no tubo – um movimento caótico e turbulento, nada trivial de se determinar. O problema real da VIV nos risers é ainda mais complicado, pois essas tubulações ficam sujeitas a correntezas marítimas superficiais e de fundo cruzadas, além de sofrerem com as oscilações da plataforma. Tanto as simulações computacionais quanto os ensaios experimentais ainda não conseguem capturar todos os aspectos do fenômeno.

Se a VIV não for suprimida, a fadiga mecânica provocada pode acabar rompendo os risers. Para impedir isso, a solução comercial mais comum são os strakes, uma espécie de armadura envolvendo cada riser com uma série de placas que formam uma hélice ao longo da tubulação. Embora realmente atenuem a VIV, a instalação dos strakes por toda a tubulação é complexa e responsável por metade do custo do sistema de risers, que pode chegar a quinhentos milhões de dólares (quase tanto quanto a própria plataforma). Além disso, os strakes aumentam a força de arrasto das águas nos risers, exigindo uma estrutura mais robusta para sustentá-los. O objetivo de longo prazo dos pesquisadores, portanto, é encontrar soluções que minimizem cada vez mais o uso dos strakes ou os substituam completamente.

Os recursos do projeto permitiram a Aranha e seus colegas equipar o Núcleo de Dinâmica de Fluidos (NDF) da Poli com clusters de computadores e construir um tanque de água recirculante, idêntico a um existente no Imperial College, onde a VIV e outros fenômenos são observados por meio de feixes laser e câmeras de alta definição que capturam a dinâmica de modelos reduzidos de cabos e tubos e sua interação com a água em movimento. “Estamos entre os dez grupos mais ativos nessa área no mundo”, afirma Júlio Meneghini, especialista em dinâmica de fluidos computacional e experimental, além de coordenador do NDF.

Segundo Meneghini, as pesquisas do projeto temático produziram melhorias na descrição da VIV, que foram incorporadas nos softwares de análise de risers da Petrobras. As conclusões também renderam cerca de 50 artigos científicos em revistas internacionais de alto impacto, além de três pedidos de patente de mecanismos de atenuação de VIV.

Os projetos
1. Métodos de dinâmica não linear aplicados ao projeto e análise de sistemas de ancoragem (nº 1996/12284-6) (1998-2003); Modalidade Projeto Temático; Coordenador: Hernani L. Brinati –USP; Investimento R$ 250.128,69
2. Vibração induzida por emissão de vórtices em estruturas marítimas e oceânicas (nº 1994/03528-3) (1995-1999); Modalidade Projeto Temático; Coordenador José A. P. Aranha – USP; Investimento R$ 132.336,72
3. Vibração induzida por vórtices (VIV) em estruturas marítimas e oceânicas (nº 2001/00054-6) (2002-2006); Modalidade Projeto Temático; Coordenador José A. P. Aranha – USP; Investimento R$ 1.753.819,04

Artigo científico
MENEGHINI, J. R. et al. Numerical Simulation of Flow Interference between two Circular Cylinders in Tandem and Side-by-side arrangements. Journal of Fluids and Structures. v. 15, n. 2, p. 327-350, 2001.

De nosso arquivo
Mais petróleo em alto-mar – Edição nº 68 – setembro de 2001

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