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Arte

Presença de Paulo Emilio

Seminário, livro e projetos de edição de textos do crítico confirmam seu papel central na cultura

REPRODUÇÃO DO LIVRO PAULO EMILIO SALLES GOMES – O HOMEM QUE AMAVA O CINEMA E NÓS QUE O AMÁVAMOS TANTO

Paulo Emilio na sede da Cinemateca Brasileira, 1975, São PauloREPRODUÇÃO DO LIVRO PAULO EMILIO SALLES GOMES – O HOMEM QUE AMAVA O CINEMA E NÓS QUE O AMÁVAMOS TANTO

Um interesse especial pela figura de Paulo Emilio Salles Gomes, como crítico, pesquisador e professor, notável desde sua morte em 1977, ganhou expressão singular neste ano. O 45º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro o homenageou com um seminário que reuniu críticos, cineastas, professores e estudantes num debate sobre seu legado; em paralelo ao seminário foi publicado o livro organizado por Maria do Rosário Caetano, O homem que amava o cinema e nós que o amávamos tanto, uma coleção de artigos e depoimentos que veio confirmar seu papel central na cultura e na formação de novas gerações desde o final dos anos 1950, quando sua intervenção crítica teve enorme repercussão a partir de sua coluna no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo.

Em setembro, o grupo de pesquisa Formação do Brasil Moderno, coordenado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), debateu as reflexões de Paulo Emilio sobre o percurso do cinema brasileiro. No seminário de estudos anual, o grupo inseriu, desse modo, a questão do cinema em seu campo de interrogações centrado na avaliação e atualização da problemática desenvolvida por Antonio Candido em seu clássico livro Formação da literatura brasileira, de 1959.

Na Inglaterra, professores do King’s College (Universidade de Londres), coordenados por Maite Conde, preparam um livro com seleção de textos de Paulo Emilio. No Brasil, está em andamento a edição de inéditos e a reedição de seus textos publicados aqui e no exterior, projeto coordenado por Carlos Augusto Calil para a Editora Cosac Naify, com o apoio da Cinemateca Brasileira.

Essas iniciativas marcam a amplitude da interlocução alcançada por ele a partir de sua intervenção na imprensa, sua luta pela Cinemateca e sua atividade como professor pesquisador. Esta última se iniciou nos anos 1960, momento em que o cinema, em muitos países, encontrou lugar na academia como área de pesquisa. Se era comum universidades incorporarem a experiência dos críticos e dos historiadores ligados às cinematecas, no caso da USP houve uma migração da cultura da Cinemateca brasileira, através dos primeiros professores de cinema da ECA, em 1967, como Paulo Emilio, Rudá de Andrade e Jean-Claude Bernardet.

REPRODUÇÃO DO LIVRO PAULO EMILIO SALLES GOMES – O HOMEM QUE AMAVA O CINEMA E NÓS QUE O AMÁVAMOS TANTO

Capa da revista Clima e do livro de Ruy Coelho sobre o movimento paulistaREPRODUÇÃO DO LIVRO PAULO EMILIO SALLES GOMES – O HOMEM QUE AMAVA O CINEMA E NÓS QUE O AMÁVAMOS TANTO

Paulo Emilio estudou filosofia na USP no início dos anos 1940, momento em que criou o Clube de Cinema da Filosofia, iniciativa simultânea à fundação da revista Clima pelo grupo de jovens amigos que tiveram enorme impacto na história da crítica de cultura no Brasil: Antonio Candido, Décio de Almeida Prado, Paulo Emilio, Gilda de Mello e Souza, Ruy Coelho, Lourival Gomes Machado. Foi o momento em que se configuraram as indagações do grupo no plano da história cultural, e sua pergunta pelo processo de formação dirigida aos vários setores da cultura brasileira, seu empenho em consolidar, no terreno do ensaio e da pesquisa erudita, um espírito de atualização herdado do Modernismo. Tal espírito se expressou mais tarde na fundação da Cinemateca brasileira, em 1954, liderada por um Paulo Emilio ciente de que um arquivo de filmes era condição para levar os estudos do cinema no Brasil a novo patamar, viabilizando pesquisas e atuando como centro formador. Nas universidades, seu esforço de organização do campo se consolida e seu poder aglutinador dá vida à pesquisa cinematográfica na USP, após sua experiência de ensino na Universidade de Brasília em 1964-65.

A par da força de sua escrita que nos encanta e esclarece, Paulo Emilio é presença singular porque marcou de forma notável os que o conheceram. Erudição, sensibilidade política e rara personalidade permitiram ao intelectual empenhado uma forma de atenção a situações concretas de que resultaram as sínteses mais argutas de que dispomos. Sínteses que, partindo do cinema, iluminaram aspectos da cultura e da formação social brasileiras. Neste sentido, o que lhe devemos é a afirmação de um espírito de pesquisa ao mesmo tempo rigoroso e abrangente, capaz de definir um projeto de longo alcance que fez convergir inclinações particulares para uma investigação compreensiva da cultura, articulando diferentes aspectos do trabalho intelectual – história, crítica e teoria. Enfim, um resultado auspicioso de sua paixão pelo concreto, apontada por Gilda de Mello e Souza como o seu traço por excelência.]

Principais livros de Paulo Emilio sobre cinema: Jean Vigo [1957], Cosac Naify, Edições Sesc SP, 2009; Humberto Mauro, Cataguazes, Cinearte, Perspectiva, 1974; Cinema: trajetória no subdesenvolvimento, Paz e Terra, 1980; Crítica de cinema no Suplemento Literário, 2 v., Paz e Terra, 1982; Paulo Emilio: um intelectual na linha de frente, Carlos Calil e Teresa Machado (orgs.), Brasiliense-Embrafilme,1986

*O comentário de Gilda de Mello e Souza está no artigo “Paulo Emilio: a crítica como perícia”, in O Baile das quatro artes – Exercícios de leitura (São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1980).

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