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Carta da editora | 213

Entre futuros possíveis e o passado longínquo

Na tarefa de definir qual seria o tema de capa desta edição de Pesquisa FAPESP, oscilei um tanto entre possibilidades do futuro e o passado longínquo. Uma imagem de futuro algo excitante mostrou-se a nós no começo de outubro quando um Palio Weekend Adventure da USP percorreu, sem motorista, 5,5 quilômetros das ruas de São Carlos, em São Paulo. A viagem, testemunhada pelo fotógrafo Léo Ramos e pela equipe de produção de vídeos da revista, é o ponto de partida da reportagem elaborada por nosso editor de tecnologia, Marcos de Oliveira. Vale observar que o experimento paulista afina-se com outros já levados a campo por grandes empresas, como a Mercedes, a Volks e a Google, e por instituições universitárias, a exemplo do Instituto Fraunhofer. Em tempos nos quais se reafirma, para o bem da produção do conhecimento relevante, a importância decisiva da reprodutibilidade das experiências, esse parece um bom indicador da consistência do passeio do carro autônomo em São Carlos.

Já traços de um passado de mais de 15 mil anos atrás nos chegaram através da recente reclassificação da espécie a que pertence o esqueleto fóssil quase completo desencavado de uma caverna em Campo Formoso, Bahia, em 1992 (registrado pelo fotógrafo Adriano Gambarini). Não se trata de um Protopithecus brasiliensis, como até então se pensava, mas de um legítimo Cartelles coimbrafilhoi, agora devidamente reconhecido como o maior macaco que já viveu nas Américas. É ele o objeto da reportagem de nosso colaborador Igor Zolnerkevic. Sopesados objetivamente alguns aspectos de relevância de uma pesquisa e outra – a inovativa alusiva ao futuro do automóvel e a básica em paleontologia referente a um primata extinto no Pleistoceno – e exercido também o pequeno grau de arbitrariedade que o trabalho de edição sempre admite, a escolha final do assunto de capa, recaiu no macaco cuja importância parece decisiva para a reconstituição da história evolutiva dos símios desta região do planeta.

Esclareçamos que o novo nome científico do animal em questão é uma homenagem ao paleontólogo Cástor Cartelle, hoje pesquisador na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), responsável pela descoberta do fóssil precioso na Toca da Boa Vista, considerada a maior caverna do hemisfério Sul. A renomeação do primata americano coube aos paleontólogos Lauren Halenar e Alfred Rosenberger, ambos da Universidade da Cidade de Nova York, depois de uma minuciosa análise de seu esqueleto e da comparação com outros fósseis assemelhados da América do Sul.

Ainda na seção de ciência, gostaria de destacar a reportagem de nosso editor de ciência, Ricardo Zorzetto, sobre as propriedades elásticas da membrana celular, que variam de acordo com o tipo de célula que envolve e a função que executa. Hoje já se sabe que a membrana, de aparência tão frágil quando examinada ao microscópio, é muito mais que o simples envoltório do conteúdo celular, e o grupo de pesquisa coordenado pelo físico Herch Moysés Nussenzveig, trabalhando com uma ferramenta chamada pinça óptica em células do cérebro, do sangue de outros tecidos, conseguiu constatar que tipos distintos de células apresentam propriedades elásticas de membrana diferentes.

Para finalizar, chamo a atenção para a reportagem elaborada pelo editor especial Carlos Fioravanti sobre o aparentemente paradoxal trabalho de ecólogos que, munidos de motosserras e furadeiras, cortam troncos de grandes árvores na floresta. Não, não se trata de uma crise de identidade fatal: eles, na verdade, coletam amostras de árvores para estudar variações de umidade e temperatura ao longo de séculos.

Boa leitura!

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