Imprimir PDF Republicar

Engenharia

Parceria doce

Poli-USP vai testar processo japonês de produção de plástico biodegradável com bactéria e caldo de cana

Ana Paula Campos / imagem: Eye of science/science photo libraryA ação de um microrganismo descoberta no outro lado do mundo poderá dar origem a um plástico biodegradável produzido a partir da cana-de-açúcar. Pesquisadores da Universidade de Ryukyus, em Okinawa, no Japão, descobriram no melaço da cana uma variedade da bactéria Bacillus coagulans capaz de fermentar o açúcar em alta temperatura, até 54ºC. No caso do caldo fermentado para a produção de etanol, que utiliza a levedura Saccharomyces cerevisiae, a temperatura vai até 34°C. Se passar disso o microrganismo morre. O ambiente suportado pela B. coagulans evita a presença de outros microrganismos, o que diminui o custo em relação a gastos para evitar a contaminação do processo. Agora uma parceria entre os japoneses, a Universidade de São Paulo (USP) e a empresa Biopol, com sede em Santana de Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo, tenta viabilizar a produção do polímero, primeiro em escala-piloto.

O líder do grupo brasileiro, Cláudio Oller, professor do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da USP (Poli-USP), explica que para evitar a contaminação em temperaturas abaixo de 30ºC a solução é realizar o processo num recipiente fechado e esterilizado, mas isso é mais difícil e caro. “É aí que está a grande vantagem da bactéria descoberta pelo professor Shinichi Shibata”, diz Oller. “Como ela atua em altas temperaturas, não sofre a competição de outros microrganismos. Por isso, a fermentação ocorre num ambiente aberto e mais barato.”

O grupo da Universidade de Ryukyus descobriu o B. coagulans há cinco anos e desde então realizou uma série de experimentos que levaram ao desenvolvimento de um plástico biodegradável a partir do açúcar granulado. Em 2008, Shibata e o brasileiro Tunehiro Uono criaram a Biopol Polímeros Vegetais, para transformar a pesquisa acadêmica em um produto para o mercado. Shibata já esteve sete vezes no Brasil. O encontro dos dois aconteceu por meio da televisão. “Meu irmão morava em Tóquio e viu no noticiário um relato da pesquisa de plástico verde no Japão com açúcar. Ele concluiu que o local provável da pesquisa seria em Okinawa, região subtropical que cultiva cana-de-açúcar. E a minha filha reside lá. Ela é formada em química na USP e pedi que investigasse no meio acadêmico. Foi assim que chegamos ao professor Shibata”, diz Uono.

O produto final é um tipo de polímero de ácido láctico (PLLA), semelhante aos feitos de petróleo, mas biodegradável. “É um tipo de poliéster”, explica Reinaldo Giudici, colega de departamento de Oller na Poli e que também participa do projeto. “Ele pode ser usado para produzir filmes para embalagens, peças de computador, utensílios, fios e fibras para tecidos, ou ainda materiais biodegradáveis e biocompatíveis para aplicações em medicina, por exemplo.” No início deste ano a Biopol, por meio de Uono, procurou a Poli para propor o desenvolvimento da tecnologia no Brasil. A parceria entre a universidade e a empresa para o desenvolvimento do produto foi intermediada pela Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE), ligada à Poli. “Nós fazemos a ponte entre a universidade e a empresa”, explica o engenheiro André Gertsenchtein, diretor superintendente da FDTE. “Para dar início ao projeto, entramos com cerca de R$ 200 mil, que depois nos serão ressarcidos. Agora vamos negociar com o BNDES em busca dos recursos necessários para desenvolver o produto”, diz Gertsenchtein. Uono calcula que sejam necessários R$ 10 milhões.

Em maio deste ano Oller, sua colega de departamento Elen Aquino Perpetuo, a diretora de operações da FDTE, Edith Ranzini, e Uono viajaram até Okinawa, para conhecer os resultados das pesquisas do professor Shibata. De volta ao país, o grupo resolveu desenvolver um projeto mais abrangente. Em vez de usar apenas açúcar, um insumo caro, decidiu testar a produção do plástico também a partir do caldo da cana, um produto mais barato. Além disso, segundo Oller, ela é fonte de carbono e de vários micronutrientes, como nitrogênio e fósforo, por exemplo, necessários ao metabolismo do B. coagulans. “Quando se usa o açúcar, é necessário acrescentar esses micronutrientes, o que encarece o processo”, explica. “A ideia é usar a garapa como insumo durante a safra da cana e o açúcar na entressafra.” O objetivo é que o novo plástico possa ser produzido pelas usinas brasileiras de açúcar e álcool. “O processo é bem parecido”, revela Uono.

Custo maior
Para aumentar a viabilidade econômica do projeto, Oller e sua equipe querem também aproveitar o bagaço. “Depois de retirar a sacarose que ainda resta, nós o misturamos com polietileno para fazer um compósito, que pode ser usado para fabricar peças automotivas”, conta. “O problema é que este compósito tem um odor desagradável e não serve para fazer componentes internos de carros. Nosso desafio agora é encontrar uma maneira de eliminar o cheiro.” A previsão é que em dois anos a tecnologia do plástico biodegradável e a do compósito sem odor estejam prontas para serem transferidas para a indústria. Hoje o polietileno feito de petróleo é mais barato do que os plásticos de origem vegetal. “Ainda não fizemos uma análise de todo o processo, com o aproveitamento do bagaço e da garapa”, diz Oller. “Mas se conseguirmos um custo competitivo o mercado para o nosso plástico pode ser enorme.”

Para o professor Sandro Mancini, do curso de engenharia ambiental da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Sorocaba, o plástico biodegradável ainda tem problemas em relação ao custo, superior aos plásticos convencionais. “Mas o polímero com o qual o professor Oller trabalha pode representar um avanço porque o barateamento do processo e a abundância do melaço de cana no Brasil devem facilitar a produção”, diz Mancini. Outro especialista, o professor Telmo Ojeda, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), em Porto Alegre, diz que de forma genérica o biodegradável custa entre 1,5 e 5 vezes mais do que o petroquímico. “Essa situação tende a mudar conforme aumentam a escala de produção e a eficiência dos processos produtivos. Em geral, o consumidor aceita pagar cerca de 10% a mais por um produto com menor impacto ambiental”, diz Ojeda.

Republicar