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inovação

Diálogo avançado

FAPESP e empresas criam centros de pesquisa em engenharia sobre temas na fronteira do conhecimento com financiamento de longo prazo

raul aguiar
A estratégia da FAPESP de estimular a pesquisa no ambiente empresarial e aproximar universidade e setor produtivo alcançou um novo patamar com o advento de centros de pesquisa em engenharia com financiamento de longo prazo e abordagem de temas na fronteira do conhecimento, patrocinados pela Fundação e empresas privadas. Quatro companhias – a montadora Peugeot Citroën Brasil, a indústria brasileira de cosméticos Natura, a empresa de petróleo e gás BG Brasil e a multinacional farmacêutica GlaxoSmithKline (GSK) – celebraram recentemente acordos de cooperação com a FAPESP seguidos da abertura de chamadas de projetos para a criação desses centros, que vão reunir pesquisadores de instituições e universidades paulistas e das empresas. Por meio desses acordos, FAPESP e empresas parceiras vão compartilhar investimentos de R$ 114 milhões, por período entre cinco e 10 anos. A esse valor serão acrescidos investimentos das instituições que sediarão os centros, na forma de despesas operacionais e com salários. “Os centros de pesquisa em engenharia implantados por meio de parceria entre a FAPESP e as empresas inovam no ambiente de colaboração universidade-empresas no Brasil, abrindo a possibilidade para planos de pesquisa articulados e de longo prazo, criando uma interação muito mais efetiva entre pesquisadores acadêmicos e as empresas do que aquela que acontece em projetos de curta duração”, diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.

O resultado da chamada da Peugeot Citroën já foi anunciado: pesquisadores das universidades Estadual de Campinas (Unicamp), de São Paulo (USP), do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e do Instituto Mauá de Tecnologia, em conjunto com engenheiros da montadora, vão dedicar-se ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de motores movidos a biocombustíveis, num esforço de pesquisa para equiparar sua eficiência à de motores a gasolina e a diesel. O projeto será apoiado por quatro anos, renováveis por mais seis anos. O investimento será de cerca de R$ 32 milhões por um período de 10 anos, sendo R$ 8 milhões da FAPESP, R$ 8 milhões da Peugeot Citroën e cerca de R$ 16 milhões em despesas operacionais e salários pagos pelas universidades participantes. O centro não terá uma sede fixa e funcionará como uma rede dos grupos envolvidos. “Um dos pilares de nossa estratégia é o desenvolvimento de tecnologias limpas. Escolhemos fazer a parceria com a FAPESP e essas instituições brasileiras para trabalhar com o biocombustível”, diz Jean-Marc Finot, diretor mundial das pesquisas e engenharia avançada do Grupo PSA Peugeot Citroën. “Na Europa esse tipo de parceria é mais comum. Nosso objetivo é buscar novas tecnologias para desenvolver novas funcionalidades e inovações. O conhecimento científico próprio da academia é fundamental para colocarmos em prática nossos objetivos”, afirma.

A rede de pesquisadores que atuará no Centro de Pesquisa em Engenharia Prof. Urbano Ernesto Stumpf se formou quando a chamada de propostas foi apresentada pela FAPESP e a Peugeot Citroën do Brasil, em outubro de 2012. “Vimos que se tratava de um centro com perspectiva ambiciosa e que as quatro universidades e instituições poderiam trabalhar de forma complementar”, diz Waldyr Gallo, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp. “A ideia foi criar um projeto estruturante, que fosse a espinha dorsal para os primeiros anos e permitisse ao centro ganhar autonomia e ampliar sua ação no longo prazo”, diz Gallo. O grupo da Unicamp, liderado por Gallo, vai dedicar-se principalmente a simulações termodinâmicas e análise do desempenho do motor e da resistência de seus componentes, entre outros. O time da Poli-USP, coordenado pelo professor Guenther Krieger, e do Ita, cujo pesquisador principal é o professor Pedro Teixeira Lacava, trabalhará com ênfase em pesquisa básica, estudando detalhes dos fenômenos físico e químico da combustão do etanol. Os dois grupos já trabalham nessa linha de pesquisa, financiados pela FAPESP e a Vale. “Estudamos, em condições controladas, o processo de formação de gotas e de spray de etanol e de sua combustão, o que nos permite calibrar modelos computacionais que simulam o processo de combustão em regime turbulento”, diz Guenther Krieger, da Poli-USP. “Além de sustentar modelos de simulação, a ideia é ajudar a projetar motores e aperfeiçoar os atuais com maior eficiência”, afirma Pedro Lacava, professor do ITA. O conhecimento gerado pelos três grupos será testado em ensaios pelo Instituto Mauá, que mantém um laboratório de motores, sob coordenação de Celso Argachoy. “Temos a facilidade de montar o motor e fazer ele rodar da forma que a gente deseja, aplicando soluções desenvolvidas dentro do grupo”, diz Renato Romio, chefe do laboratório de motores e veículos do Instituto Mauá. A Peugeot Citroën indicou como vice-diretor do centro o engenheiro francês Franck Turkovics. “Temos um objetivo comum com a FAPESP de conseguir um projeto aplicável e que não fique apenas no estágio de pesquisa. Trata-se de fazer o casamento do motor com o biocombustível”, diz Turkovics.

raul aguiar A intenção de desenvolver um motor a etanol com melhor desempenho responde, de um lado, a um interesse acadêmico – enquanto avança, no exterior, a eficiência dos motores a gasolina, a tecnologia do motor a álcool está estagnada. “A ideia não é reviver o modelo de motor a álcool, que já esteve presente em 90% da frota brasileira e caiu em descrédito por problemas de preço e de abastecimento”, diz Waldyr Gallo. É possível imaginar, continua o pesquisador, que um novo motor seja utilizado em nichos de mercado, como de veículos leves de transporte, ou para reforçar o apelo ecológico em carros híbridos, além, naturalmente, de trazer benefícios para os motores flex, que se tornaram padrão no Brasil.

Chances de gerar inovações
O modelo inaugurado pelo centro de pesquisa em engenharia da PSA Peugeot Citroën combina características de duas iniciativas da FAPESP: o programa especial Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), que apoia por longo prazo equipes multidisciplinares em torno de temas na fronteira do conhecimento, e o Programa FAPESP de Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite), que apoia projetos em instituições de pesquisa desenvolvidos em cooperação com empresas e cofinanciados por elas. O investimento da FAPESP em cada projeto Pite exige uma contrapartida financeira da empresa interessada, o que amplia o volume de recursos e as chances de gerar inovações com impacto no mercado. Desde sua criação, em 1995, o Pite já celebrou mais de 200 parcerias com empresas como Braskem, Vale e Sabesp.

Como acontece com os Cepids, os novos centros de pesquisa têm objetivos ousados, difíceis de alcançar em projetos de curta duração. Um exemplo desse tipo de ambição é o futuro Centro de Pesquisa Aplicada em Bem-Estar e Comportamento Humano, alvo de uma chamada de propostas lançada no final do mês passado pela FAPESP e a Natura. O objetivo do centro é amplo. Busca investigar questões como a possibilidade de identificar marcadores científicos de bem-estar na população brasileira, procurar bases biológicas de padrões comportamentais positivos, compreender como o cérebro pode auxiliar na promoção de emoções e comportamentos positivos; além de entender como a aplicação tecnológica desses conhecimentos pode gerar ferramentas de avaliação e de promoção de bem-estar em uma população. Para tanto, quer articular conhecimentos e especialistas em neurociência, psicologia positiva, psicologia social, neuroimagem, neuropsicofisiologia, psicometria, estudos populacionais e longitudinais, modelagem e construção de indicadores matemáticos. “A inovação tem permitido à Natura desenvolver produtos e encontrar novas oportunidades de negócio e acreditamos que ela continuará a garantir à empresa um crescimento sustentável. O bem-estar é um dos três vetores de pesquisa da empresa, ao lado da busca de tecnologias sustentáveis e do desenvolvimento de novos cosméticos”, afirma Gerson Pinto, vice-presidente de inovação da Natura. “Os frutos que esperamos colher com esse centro são amplos, ampliando o conhecimento produzido pelas universidades e gerando diferenciais para nossos produtos e processos.” A FAPESP e a Natura reservarão R$ 1 milhão por ano cada uma (totalizando R$ 2 milhões por ano) para apoiar a implementação do centro. O financiamento para a proposta selecionada será concedido por um prazo de até 10 anos. “Temos uma relação de longo prazo com a FAPESP. Como trabalhamos no modelo de inovação aberta, os resultados terão impacto para além do ambiente da empresa”, diz Gerson Pinto.

raul aguiar O foco do centro de pesquisas da GlaxoSmithKline é a exploração de novos aspectos da química sustentável com abordagem multidisciplinar, em busca de um uso mais eficiente de sintéticos e do desenvolvimento de solventes e reagentes renováveis a partir de resíduos agrícolas. A chamada de propostas para a criação do Centro de Pesquisa em Química Sustentável foi lançada em outubro, e seus resultados devem sair em agosto de 2014. “Podemos entender que todos os processos químicos resultam em moléculas estáveis e, muitas vezes, também em resíduos de substâncias que foram geradas a partir daqueles processos”, diz Antonio José, diretor médico da GSK. “Em uma contabilidade grosseira, esta é uma ‘sobra’ que não agrega valor ao processo original. Além disso, estes resíduos podem ser inócuos ou podem ter algum impacto à saúde ou ambiental, demandando tratamento específico prévio ao descarte. A química sustentável busca otimizar processos e reduzir descartes”, afirma.

Segundo ele, a GSK faz com frequência parcerias de desenvolvimento com outras empresas ou instituições de pesquisa já consolidadas. “Nesta chamada de propostas estamos abertos a investir em ideias criadas no Brasil e que tenham o potencial de gerar benefícios para a sociedade”, diz. Para a implantação do centro de excelência, a FAPESP e a GSK preveem investimentos de R$ 30 milhões por um período de 10 anos. “Observamos que vários temas já discutidos e estudos apresentados no Brasil são inovadores. Esperamos que os resultados das pesquisas produzidas por este centro possam ter impacto positivo e ajudar no processo interno de otimização e melhoria contínua de nossos processos.”

Um workshop internacional, promovido em outubro de 2012 pela FAPESP e a BG Brasil – braço nacional da britânica BG Group –, permitiu a identificação dos desafios científicos mais significativos e oportunidades para inovação em aplicações de gás natural nos próximos 5 a 10 anos. Seus resultados orientaram a chamada de propostas, lançada em agosto, para a criação de um Centro de Pesquisa para Inovação em Gás Natural em São Paulo. “Saímos do workshop com linhas de pesquisa prioritárias, que foram trabalhadas na BG e associadas com as nossas prioridades de pesquisa”, afirma Giancarlo Ciola, gerente de inovação da BG Brasil. A empresa tem contrato de concessão de 27 anos para explorar 25% do campo Lula e 30% do campo Sapinhoá – ambos no pré-sal da bacia de Santos – e uma das cláusulas do contrato determina que 1% da renda bruta seja investido em pesquisa e desenvolvimento.

“A chamada para esse centro de pesquisa nos permitirá abordar várias inovações, relacionadas, por exemplo, à redução de emissões e à viabilidade do uso de gás para o transporte marítimo, entre outros”, afirma Ciola. Segundo ele, a oportunidade de estabelecer um programa robusto e de longo prazo, semelhante aos Cepids, motivou a empresa a criar o centro. “A colaboração está no centro da nossa estratégia de pesquisa e desenvolvimento, pois não temos laboratórios internos. Estamos instalando no Brasil um centro global de tecnologia para atender demandas do grupo no mundo todo, pois reconhecemos o potencial que o país tem para desenvolver pesquisa de ponta nos temas da nossa indústria.” Cada um dos parceiros investirá R$ 10 milhões num horizonte de cinco anos. Neste mês está programado um workshop para apresentar a chamada de propostas a grupos de pesquisa interessados.

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