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biotecnologia

Canaviais mais resistentes

Variedade de cana-de-açúcar transgênica desenvolvida por empresa de Piracicaba é aprovada para plantio

Podcast: William Lee Burnquist

 
     
O Brasil é líder mundial na produção de cana-de-açúcar, com 8,9 milhões de hectares plantados e uma safra estimada de 647 milhões de toneladas este ano. Esse número só não é maior por causa da broca-da-cana, a fase larval da mariposa Diatraea saccharalis, a principal praga dos canaviais. As perdas provocadas no país pelo inseto geram um prejuízo anual de quase R$ 5 bilhões, incluindo o gasto com medidas de controle, e comprometem uma área de 521 mil hectares. Para tentar reverter esse quadro, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), uma empresa nacional localizada em Piracicaba (SP), desenvolveu uma cana transgênica resistente à praga. Batizada de CTC 20 Bt, a variedade foi aprovada em junho deste ano pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão responsável pela análise da avaliação de biossegurança de organismos geneticamente modificados (OGM) no Brasil.

Para Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), entidade cujos associados respondem por mais da metade da produção nacional, o desenvolvimento da cana transgênica do CTC reflete os avanços tecnológicos do setor sucroenergético brasileiro. “Com a entrada definitiva dessas versões geneticamente modificadas no mercado, os produtores terão canaviais mais rentáveis e resistentes a doenças e pragas”, informou a Unica por meio de nota.

Com a aprovação pela CTNBio, a cana transgênica será introduzida de forma gradual com o acompanhamento das áreas plantadas. Ela será inicialmente vendida para produtores selecionados, principalmente do Centro-Sul, onde a variedade se adapta melhor, que se comprometerem a seguir padrões de controle e multiplicação, sem a industrialização. Durante dois a três anos, toda a cana produzida será usada como muda. “Vamos desenvolver também variedades geneticamente modificadas para outras regiões e diferentes tipos de solo”, diz o engenheiro-agrônomo William Lee Burnquist, diretor de Melhoramento Genético do CTC.

O ciclo da broca se inicia quando a mariposa põe seus ovos nas folhas da cana. Ao eclodirem, as larvas passam a comer a polpa do colmo (caule). Os furos feitos por elas fragilizam a planta, que fica sujeita a ser derrubada pelo vento. Além disso, permitem o ataque de fungos, como Colletotrichum falcatum e Fusarium moniliforme, causadores da podridão vermelha, doença que reduz a pureza do caldo e a qualidade do açúcar e do álcool produzidos.

A cana transgênica foi desenvolvida para enfrentar esses problemas. “Introduzimos no genoma da planta o gene Cry1Ab da bactéria de solo Bacillus thuringiensis, a mesma usada para desenvolver milho, soja e algodão geneticamente modificados resistentes a insetos”, relata Burnquist. O Cry1Ab é clonado em laboratório por engenharia genética. Em seguida, micropartículas de ouro são recobertas com cópias do gene e introduzidas no genoma da cana, que passa a produzir uma proteína tóxica para a broca (ver infográfico). A planta modificada é multiplicada em viveiro e, em seguida, cultivada no campo.

“Assim que nasce, a larva tem contato com essa toxina”, conta Burnquist. “Quando ela sai do ovo, começa a se alimentar da planta, ingere a proteína e morre antes de furar o colmo.” Hoje, os produtores combatem a broca-da-cana com inseticidas químicos e controle biológico – pequenas vespas da espécie Cotesia flavipes são soltas no campo para parasitar as lagartas (ver Pesquisa FAPESP nº 195).

As pesquisas do centro começaram em 1994 e posteriormente receberam o impacto da capacitação profissional promovida pelo Projeto Genoma Cana, entre 1998 e 2004, realizado por vários grupos em universidades e institutos de pesquisa e financiado pela FAPESP e pelo CTC. “Nesse período, a capacitação profissional em biotecnologia canavieira foi muito grande. Aqui no CTC, muitos dos profissionais colaboraram no Projeto Genoma Cana, na Alellyx [empresa spin-out do projeto genoma, depois comprada pela Monsanto] ou tiveram aulas com aqueles que participaram”, conta Burnquist.

No fim de 2015, a empresa protocolou na CTNBio o pedido de liberação comercial. A biossegurança da planta geneticamente modificada foi analisada por várias subcomissões do órgão, que consideraram a nova variedade segura sob os aspectos ambiental, vegetal, de saúde humana e animal. Os estudos do CTC mostraram que o gene Cry1Ab é eliminado dos derivados da cana, durante a fabricação do açúcar e do etanol, e não causa danos ao solo.

O CTC já solicitou a autoridades dos Estados Unidos, Canadá e outros países a liberação da venda de açúcar produzido a partir da cana transgênica, o que só deve ocorrer em alguns anos. Das 150 nações para as quais o Brasil exporta o produto, cerca de 40% impõem barreiras ao açúcar oriundo de cana transgênica.

Outra pesquisa para tornar a cana imune a pragas é feita na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em Piracicaba. Lá, o engenheiro-agrônomo Márcio de Castro Silva Filho se dedica desde a década de 1990 a entender como a cana reage ao ataque de insetos (ver Pesquisa FAPESP nº 125).

O pesquisador descobriu há alguns anos um gene na própria cana com ação antifúngica. Batizado de sugarina, ele estimula a produção de substâncias tóxicas que matam os fungos causadores da podridão vermelha. “Notamos que os genes que expressam proteínas contra a Diatraea saccharalis quando ela ataca a planta o fazem de forma sistêmica, ou seja, todos os tecidos do vegetal produzem essas proteínas”, explica Silva Filho. “No caso do sugarina é diferente, ele só se expressa no ponto que a broca atacou.”

A descoberta levou o pesquisador a estudar o fenômeno. “Vimos que a proteína expressa pelo sugarina não tem efeito sobre a lagarta, mas contra os fungos C. falcatum e F. Moniliforme”, conta. “Recentemente, verificamos que variedades de cana com maior expressão dos sugarinas apresentam menores níveis de infestação de fungos. Essa descoberta poderá auxiliar o desenvolvimento de variedades mais tolerantes.”

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