Imprimir PDF Republicar

Nicholas Suntzeff

Nicholas Suntzeff: Observador do Universo distante

Um dos descobridores da expansão acelerada do Cosmo fala sobre o desafio de encontrar pistas sobre o que é a misteriosa energia escura

Léo Ramos Chaves Nicholas Suntzeff colabora com o principal projeto de observação do Cosmo em grande escala, o Dark Energy SurveyLéo Ramos Chaves

O astrônomo norte-americano Nicholas Suntzeff, pesquisador da Universidade do Texas A&M, nos Estados Unidos, observa estrelas distantes explodirem há mais de 30 anos. Em 1986, ele e colaboradores do Observatório Interamericano de Cerro Tololo (CTIO), no Chile, mostraram como utilizar o brilho de um tipo especial de explosão estelar, as supernovas do tipo Ia, para medir com precisão a distância de galáxias que se encontram quase no limite do Universo.

Essas medições levaram à descoberta, em 1998, de que o Universo se encontra em expansão acelerada. Isso significa que as galáxias estão se afastando umas das outras a velocidades cada vez maiores. Até aquele momento, a maioria dos astrônomos concordava com a ideia de que esse afastamento, iniciado há pouco mais de 13 bilhões de anos, após o Big Bang, a explosão que teria gerado o Cosmo, estaria ocorrendo a velocidades decrescentes. A causa da desaceleração seria a atração gravitacional que os aglomerados de galáxias, as maiores estruturas encontradas no Universo, exercem entre si.

Tanto as observações feitas pela equipe de Suntzeff e do astrônomo australiano Brian Schimdt quanto as da equipe concorrente, comandada pelo norte-americano Saul Perlmutter, sugeriam o contrário: com o tempo, o espaço entre as galáxias expandia de forma acelerada. Por esse achado, Perlmutter, Schmidt e Adam Riess foram laureados com o Nobel de Física de 2011.

Confirmado por observações posteriores, esse achado transformou a cosmologia. Hoje os pesquisadores dessa área só conseguem explicar a estrutura atual do Cosmo quando consideram a expansão acelerada e atribuem esse efeito à existência da energia escura.

Caso a energia escura – que repeliria a matéria, ao contrário da força gravitacional – de fato exista e seja responsável pela expansão acelerada, ainda restarão perguntas a responder. Ninguém sabe o que ela é. Alguns modelos teóricos propõem que seja uma forma de energia intrínseca ao espaço vazio, chamada de constante cosmológica. Outros sugerem que seja uma quinta força fundamental, diferente das quatro outras conhecidas pela física – gravitacional, eletromagnética, nuclear forte e nuclear fraca.

Para descobrir qual dessas propostas explica melhor o Universo, os físicos necessitam de medições mais precisas das distâncias entre as galáxias. O problema é que ainda não se sabe qual grau de precisão seria necessário atingir para eliminar algumas hipóteses. Suntzeff colabora com o principal projeto de observação do Universo em grande escala em andamento, o Dark Energy Survey (DES), e nos projetos de construção do telescópio espacial Wilde Field Infrared Survey Telescope (Wfirst), da Nasa, e do Large Synoptic Survey Telescope (LSST), no Chile. Em julho, ele apresentou seminários na Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos e no Instituto Sul-americano de Pesquisa Fundamental do Centro Internacional de Física Teórica (ICTP-SAIFR), que funciona em São Paulo no Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Abaixo, a entrevista que Suntzeff concedeu a Pesquisa FAPESP.

Como foi descobrir que o Universo se encontrava em expansão acelerada?
Foi inesperado. O objetivo era medir uma desaceleração na expansão do Universo. Esperávamos um número positivo para a desaceleração, mas medimos um valor negativo. Ficamos animados. Eu era o encarregado das observações. Os outros pesquisadores vinham a mim para saber se o telescópio estava funcionando bem e se os instrumentos estavam calibrados. Minha assinatura garantia a qualidade dos dados. A maior preocupação era saber se havia cometido algum erro que pudesse levar a informações enganosas. O grupo de Saul Perlmutter também estava em Cerro Tololo, realizando as mesmas medições que nós, com o mesmo telescópio e os mesmos instrumentos. Eu os ajudava em uma noite e, na seguinte, tomava dados para a minha equipe. Havia uma competição científica, não pessoal. Gostávamos deles. E eles chegaram ao mesmo resultado que nós.

O que é essa energia escura que causa a expansão acelerada do Universo?
Energia escura é um termo que usamos para algo que não entendemos. Não gosto do termo. Não medimos a energia escura. Nossas medições mostraram que supernovas, cujo brilho intrínseco conhecemos, estão muito mais distantes do que seria esperado caso o Universo fosse feito só de matéria. Quanto maior a quantidade de matéria do Universo, mais próximas de nós elas deveriam estar. Mas o brilho delas é 20% mais fraco do que deveria ser. Essa foi a descoberta.

O que explicaria esse resultado?
A primeira interpretação é que se elas estão mais distantes do que deveriam estar, caso sofressem apenas a influência da força gravitacional, algo as deve ter empurrado contra a gravidade. Uma espécie de antigravidade deve tê-las afastado tanto. A única forma aceitável de produzir uma antigravidade na teoria da relatividade geral é acrescentar às equações de Einstein um termo constante, a chamada constante cosmológica. Qual fenômeno justificaria a existência da constante cosmológica? Não sabemos. Talvez seja consequência das mesmas flutuações na energia do vácuo que faz surgir as partículas elementares. Foi a partir dessa ideia que o físico Michael Turner, da Universidade de Chicago, cunhou o termo energia escura. Não gosto do termo porque introduz um viés no modo de pensar uma explicação para o fenômeno. Medimos que galáxias distantes estão muito mais longe do que deveriam. Constante cosmológica e flutuações no vácuo são interpretações para o que observamos. Acredito que meus dados estão corretos porque outros experimentos, usando técnicas diferentes, encontraram a mesma coisa.

NASA / ESA / THE Hubble Key Project Team E The High-Z Supernova Search Team Imagem da supernova SN 1994D, embaixo à esquerda, um dos objetos estudados pelo astrofísicoNASA / ESA / THE Hubble Key Project Team E The High-Z Supernova Search Team

Quais são?
Há quatro técnicas. Além de medir a distância das supernovas, podemos buscar pequenas distorções nas imagens de galáxias muito longínquas. A luz vinda dessas galáxias atravessa o Universo e é distorcida pela massa de aglomerados de galáxias do caminho. É a chamada lente gravitacional. As lentes gravitacionais permitem medir como o efeito acumulado da massa e da energia do Universo afeta a sua expansão. Outra técnica consiste em examinar a estrutura em grande escala, ou seja, a forma e o tamanho dos aglomerados de galáxia, e medir o quanto a expansão acelerada do Universo dificulta a formação dos aglomerados pela atração gravitacional entre as galáxias. Há ainda o método que investiga as oscilações acústicas bariônicas. São ondas no gás ionizado que preenchia o universo primordial e, 300 mil anos depois do Big Bang, originaram a radiação cósmica de fundo, uma forma de radiação na faixa das micro-ondas que permeia o Universo. Essas oscilações deixaram marcas circulares, com 400 mil anos-luz de raio, na distribuição de temperatura da radiação cósmica de fundo. Esses círculos se expandiram com o Universo, influenciando a formação de galáxias, e, hoje, têm 500 milhões de anos-luz. No Universo atual, observamos um pequeno incremento na probabilidade de uma galáxia ter vizinhas a uma distância de 500 milhões de anos-luz. É preciso observar milhões de galáxias para notar esse aumento de probabilidade, que é muito tênue. A comparação da distribuição das manchas na radiação cósmica de fundo com a distribuição das galáxias fornece uma estimativa acurada para a quantidade de energia escura. É maravilhoso o fato de que todos os métodos dão o mesmo resultado. Se tivéssemos cometido erros ao medir a distância das supernovas, as medições usando as outras técnicas não permitiriam chegar à mesma conclusão. Quando os resultados da estrutura em larga escala começaram a chegar, anos depois de nossas medições, tive certeza de que não tínhamos cometido engano.

Que nível de precisão as medições teriam de alcançar para se saber qual teoria explicaria melhor o que é a energia escura?
A energia das flutuações no vácuo prevista pela teoria quântica de campos não bate com o que vemos. Ela prediz valores enormes, e observamos um valor muito pequeno. A energia escura, seja lá o que for, tem um efeito desprezível em pequenas escalas e é quase impossível medi-la em um laboratório na Terra. É o seu efeito acumulado por todo o espaço que a faz dominar a dinâmica do Universo. Os físicos não fazem ideia de qual deveria ser o valor da constante cosmológica, por isso não sabem dizer com que grau de precisão teríamos de medir a expansão do Universo. Sem um valor teórico, não há com o que comparar os dados das observações e dizer se determinado modelo está correto. Os físicos nos pedem para fazermos medições com a maior precisão possível. Fazemos isso, mas o que vamos testar? Eles precisam nos dizer qual o nível de precisão a ser alcançado nas medições para que se comece a ver um desvio entre os valores previstos para a constante cosmológica e os medidos. Aumentar a precisão é cada vez mais difícil. Quero testar alguma teoria, e não me dedicar a uma busca ilimitada por medições mais e mais precisas. Um resultado interessante seria mostrar que o aumento no ritmo de expansão do Universo não é constante ao longo do tempo. Isso não indicaria o que é a energia escura, mas mostraria que precisamos de uma nova teoria da física para explicá-la. Enquanto existir a possibilidade de que seja uma constante cosmológica, não podemos atribuir esse efeito a uma força desconhecida.

Como se interessou por cosmologia?
Após o doutorado, fui trabalhar no Observatório Palomar, no Monte Wilson, na Califórnia. Queria estudar a estrutura da Via Láctea e entender como a nossa galáxia se formou a partir de observações de suas estrelas mais antigas. Um dos astrônomos do observatório, Allan Sandage [1926-2010], ficou interessado nas estrelas que eu observava porque ele as usava em seus estudos cosmológicos. Sandage havia sido assistente de Edwin Hubble [1889-1953], o primeiro a medir a taxa de expansão do Universo em 1929, a chamada constante de Hubble. Sandage era o principal cosmólogo observacional da época. Eu nunca havia pensado em trabalhar com cosmologia, mas, ao nos conhecermos melhor, ele me encorajou dizendo que, em última instância, tudo se resumia a fazer cosmologia e, em sua opinião, só havia dois números importantes para se medir: a constante de Hubble e a taxa de desaceleração da expansão do Universo. Seu objetivo de vida era medir essas duas grandezas. Na época, eu não me achava inteligente o bastante para fazer o que Sandage fazia. Passei muitas noites com ele no observatório de Las Campanas. Nas noites nubladas, comecei a estudar a literatura e a conversar com Sandage sobre cosmologia. Percebi que não era tão difícil e que eu poderia atuar nessa área. Trabalhamos juntos quando ele começou a usar supernovas para medir a desaceleração do Universo. Mas não deu certo. Quando fui para Cerro Tololo, ele disse: “Nick, você está indo para esse outro observatório onde desenvolverá novos detectores digitais. Você deveria usar as supernovas para medir a desaceleração do Universo”. Um amigo próximo, Mark Phillips, com quem estudei na pós-graduação, trabalhava em Cerro Tololo com supernovas e começamos a colaborar. Foi assim que a coisa decolou. Quando finalmente medimos a desaceleração, que se revelou na verdade uma aceleração, Sandage ficou zangado.

Zangado?
Talvez tenha sentido inveja. Sandage havia obtido o valor da constante de Hubble, mas não conseguira medir a taxa de desaceleração. Quando publicamos nossos dados, em 1998, ele começou a nos criticar e a buscar furos no nosso argumento. Acho que ele acreditava em nosso resultado, mas desejava que fosse ele quem o tivesse obtido. Na mesma época, publiquei um novo valor para a constante de Hubble, do qual ele também discordou. Ele me escreveu uma carta dizendo que estava desapontado, que a qualidade do meu trabalho tinha decaído e que eu havia cedido ao diabo. Afirmava que aquela seria nossa última conversa. Ele não falou comigo por 10 anos, até se convencer de que estávamos certos. Depois, escreveu outra carta, dizendo: “Nick, esse foi o maior erro que cometi na vida, me desculpe por ter escrito aquela carta, considero que fez um grande trabalho e me orgulho de você”. É um absurdo que a relação entre duas pessoas possa depender do valor da taxa de expansão do Universo, mas essas medidas eram importantes para ele.

Sua família possui uma história incomum. Seu avô era dono de uma fábrica de armas na Rússia czarista e fugiu do país durante a Revolução Russa.
Cresci em São Francisco, na Califórnia. Todos os meus parentes falavam russo. Eu tinha um tio que se vestia com um uniforme cossaco, totalmente inapropriado para São Francisco. Era uma jaqueta vermelha com botões de latão, botas até o joelho e esporas, como se a qualquer momento fosse montar em um cavalo. Parecia que acabara de sair do palco de uma ópera. Eu morria de medo de ser visto na rua ao lado dele. Queria ser um adolescente normal. Só mais tarde me dei conta de quão maravilhosas eram essas pessoas e passei a valorizar a história da família.

Sempre foi fascinado por observatórios?
No começo, queria ser matemático. Me graduei em matemática, na Universidade de Stanford, na Califórnia. Depois decidi que não era um matemático bom o suficiente. Mas sempre fui bom em realizar experimentos e sempre gostei de construir coisas. Meu colega de graduação Michael Kast e eu construímos o Observatório Estudantil de Stanford, que ainda funciona. Fiz então pós-graduação em física experimental lá. O forte de Stanford eram os aceleradores de partículas, mas não gostei da cultura do departamento, do pessoal que achava saber mais do que todo mundo. Quando decidi fazer doutorado em astronomia, o chefe do Departamento de Física ficou horrorizado. Disse que físicos de Stanford não iam para a astronomia, uma área para físicos fracassados. Era desse ego que eu não gostava nos físicos experimentais. Hoje sei que me enganei. Tenho muitos amigos físicos experimentais, gente muito boa. A verdade é que não me dei bem com aquele pessoal e fui fazer doutorado em astronomia na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz.

Republicar