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computação

Enxames de robôs

Ramo da robótica prevê máquinas que executam tarefas em grupo

Podcast: Marco Terra

 
     

Inspirada na organização de insetos sociais, como formigas, abelhas e cupins, e na formação dos cardumes de peixes e de aves em voo, a robótica de enxames é um campo de estudo que procura os melhores caminhos computacionais para que robôs possam trocar informações entre si e agir em conjunto, de acordo com um objetivo comum para o qual foram programados. São soluções computacionais que estão no campo de estudo de vários grupos de pesquisadores do mundo. Ainda sem exemplos comerciais, a robótica de enxame tem perspectiva de uso tanto em locais fechados quanto abertos, como no mar, na inspeção e no reparo de plataformas submarinas, na vigilância marítima e no ar, com drones dotados de sistemas para vigiar fronteiras, por exemplo.

Embora o conceito exista desde os anos 1980, nos Estados Unidos, somente no início desta década, com a evolução da engenharia eletrônica e da computação, com circuitos eletrônicos menores e mais potentes, das facilidades da comunicação sem fio e montagem de robôs baratos, além da implementação de sistemas de inteligência artificial, é que esse ramo da robótica conseguiu avançar.

“Esse tipo de tecnologia está ficando cada vez mais barato, mas ainda não é suficiente e existe a necessidade de muita pesquisa e desenvolvimento para os enxames de robôs serem comercializados em um futuro não muito distante”, analisa o engenheiro eletricista Marco Terra, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Sistemas Autônomos Cooperativos (InSAC), sediado na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP). “Essa categoria de robôs, para se popularizar, depende fundamentalmente do barateamento de sensores e demais componentes.”

iscte-iul Experimento com grupo de robôs-barcos no rio Tejo, em Portugal, testa sistemas para ações coletivas como localização, agrupamento e dispersãoiscte-iul

O Laboratório de Pesquisa do Exército dos Estados Unidos anunciou em outubro deste ano um grande projeto nessa área, com duração de cinco anos, no valor de US$ 27 milhões. Sob a liderança da Universidade da Pensilvânia, um grupo de pesquisadores pretende desenvolver equipes autônomas, inteligentes e resilientes de robôs com diferentes habilidades para atuar com seres humanos na busca e resgate de reféns, coleta de informações após ataques terroristas, nos desastres naturais e no apoio a missões humanitárias em áreas de conflito. Também fazem parte do projeto o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Instituto de Tecnologia da Georgia (Georgia Tech), Universidade do Sul da California e as universidades da Califórnia em San Diego e Berkeley.

No anúncio conjunto das instituições participantes do projeto, os pesquisadores explicam que a procura por pessoas desaparecidas acontece em grupo e a robótica de enxame prevê que, se algumas dessas máquinas forem danificadas, as demais podem se reconfigurar e se reorganizar para continuar a trabalhar em conjunto, mesmo sem sinal de GPS ou nuvem computacional. Cada robô trabalha com os outros em um objetivo comum, mas cada um pode ter tarefas diferentes e ganhar outras funções ao longo da missão, conforme as necessidades.

Um dos maiores experimentos em robótica de enxame aconteceu no Instituto Wyss de Engenharia de Inspeção Biológica da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e foi publicado na revista Science em 2014. Foram reunidos 1.024 microrrobôs, com poucos centímetros de altura e largura, chamados de kilobots, fáceis de montar e muito usados em experimentos de robótica. Sob a liderança do engenheiro eletricista Michael Rubenstein, atualmente na Universidade Northwestern, os pesquisadores conseguiram fazer os robôs trocarem mensagens – de modo análogo a formigas e abelhas que se tocam ao longo do caminho ou em voo para troca de informações – entre eles por meio de luz infravermelha formando, com o conjunto de seus corpos, imagens como uma estrela ou a letra K. Cada robô, de acordo com a programação, participou da construção das imagens apenas com as informações transmitidas pelos vizinhos.

“A capacidade dos robôs em resolver problemas é uma possibilidade aberta pelo aprendizado de máquina em que o artefato é programado para reconhecer o ambiente e tudo o que está a sua volta”, explica a cientista da computação Esther Luna Colombini, professora do Instituto da Computação da Universidade Estadual de Campinas (IC-Unicamp) e presidente, entre 2012 e 2016, da Robocup no Brasil, que organiza olimpíadas de robôs em todo o mundo. O aprendizado de máquina é um sistema computacional que permite aos robôs aprender com base em padrões e processar informações com a absorção de experiências adquiridas. “De maneira geral, eles podem ‘aprender’ durante a execução de uma tarefa. Há muito espaço para uma redefinição do que os robôs vão fazer em cada situação”, explica Terra.

“Eles são capazes de aprender com pouca informação. Cada robô pode identificar uma garrafa de Coca-Cola dentro de uma casa, mesmo sem ter sido preparado para reconhecer aquilo. Basta ele jogar a imagem na internet que conseguirá reconhecer”, conta Esther, que também é integrante da Sociedade de Automação e Robótica (RA Society) que faz parte da entidade norte-americana Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE). Ela lembra que nas competições de robôs, principalmente as de futebol robótico, a tecnologia de enxame normalmente não está presente porque cada jogador está programado para tarefas predeterminadas e não para atuar em grupo. “É possível simular estratégias de equipe que envolvam comportamentos dos robôs e características diferentes do programado para mudar um esquema tático durante o jogo, mas isso não é o normal nessas competições.”

Os robôs de enxame podem ser mais baratos e simples do ponto de vista estrutural do que aqueles mais frequentes nos meios de comunicação, semelhantes a humanos, com cabeça, tronco, pernas e braços. As máquinas na robótica de enxame precisam ter vários sensores e devem ser construídas com base na missão a cumprir. Dependendo do local de atuação, utilizam-se esteiras ou rodas multidirecionais para locomoção ou ainda pequenos barcos ou drones.

universidade harvard Na Universidade Harvard, experimento com 1.024 minirrobôsuniversidade harvard

Ação marinha
Dois experimentos mostram o potencial da robótica de enxame para uso em ambientes aquáticos. O projeto Seaswarm, do MIT, prevê veículos robóticos autônomos de 4,8 metros de comprimento por 2,1 m de largura atuando em conjunto para extrair óleo da superfície do mar, principalmente em estuários e baías. São como barcos e se movem por meio de energia solar gerada por painéis fotovoltaicos instalados na parte superior do robô. Com isso, podem ficar vários dias no mar sem precisar voltar à terra. Uma esteira rolante na parte traseira do robô coleta o óleo na superfície. Quando a esteira se move para a parte da frente do robô, o óleo se solta e fica armazenado ali até o veículo voltar para a terra ou entregar a carga a um barco de coleta no caminho (ver imagem). Apresentado em 2010, o projeto Seaswarm ainda não foi transformado em um produto comercial.

Em Portugal, pesquisadores do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e de outras instituições fizeram um experimento com pequenos barcos de 60 centímetros de comprimento com equipamento embarcado para estudar como os sistemas de robótica de enxame podem operar em condições reais. Foram utilizados 10 robôs-barcos, ao preço de € 300 cada, em um lago que recebe águas do rio Tejo, em Lisboa. Em artigo na revista PLOS ONE, de 2016, eles mostram o desenvolvimento dos sistemas de controle para quatro tarefas coletivas realizadas pelos robôs aquáticos: localização, agrupamento, dispersão e monitoramento de área. Cada uma foi testada em separado para verificar a robustez do sistema de algoritmos elaborado pelos pesquisadores. O objetivo desse sistema é utilizar esse enxame de robôs em serviços de monitoramento ambiental e vigilância.

O grande desafio da atual situação da robótica de enxame é o aprimoramento dos sistemas de comportamento dos robôs. “É preciso estudar a comunicação entre eles feita por infravermelho, wi-fi, bluetooth ou ondas de rádio para que possam cumprir uma determinada tarefa”, diz Nadia Nedjah, professora da Faculdade de Engenharia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

mit Acima, simulação computacional no MIT de robôs aquáticos fazendo limpeza no marmit

“Fazemos pesquisa básica, em que formamos, no computador, clusters de 40 a 70 indivíduos que se agrupam, mas não se conhecem a princípio. Um dos experimentos é contornar obstáculos formando triângulos com três robôs. Eles devem se movimentar juntos como uma formação de aves em voo, o que depende da conversação entre eles. Conforme a informação, eles tomam a decisão de acordo com as necessidades da tarefa e do grupo”, explica Nadia. Em um estudo finalizado em 2016 e publicado na revista International Journal Of Bio-Inspired Computation, ela avaliou um algoritmo, desenvolvido pelo grupo, para situações em que um robô precisa de colaboração de outros robôs em uma tarefa. Chamado de algoritmo de onda, esse sistema estabelece um processo de recrutamento por meio da propagação de mensagens transmitidas por infravermelho entre robôs vizinhos até verificar aqueles que podem ajudar. “A tecnologia tanto de hardware quanto de software já existe, mas tudo está na fase experimental”, diz Nádia.

No InSac, que abrange mais seis universidades e três institutos de pesquisa brasileiros, um dos temas de estudo é a robótica de enxame aérea voltada para a agricultura. “Estamos estudando o uso na pulverização de lavouras. Nesse sistema cada drone sabe a área que pulverizou. Caso um deles tenha ficado sem insumo ou com problemas técnicos, outros podem fazer o trabalho no seu lugar, sem precisar de um comando humano”, explica Terra. “A robótica de enxame ainda tem muito a avançar e o Brasil tem condições de disputar pequenos nichos que estão se formando nessa área, como na agricultura.”

Terra lembra ainda que a evolução da robótica recai também sobre os carros autônomos, que poderão funcionar como um enxame. “Quando muitos deles estiverem na rua, vão precisar conversar entre si para tomar decisões. Por exemplo, em um cruzamento sem semáforo, terão que decidir quem passa primeiro com segurança por meio de sensores e algoritmos de sistemas computacionais embarcados”, analisa Terra.

Projeto
INCT 2014 – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para sistemas autônomos cooperativos aplicados em segurança e meio ambiente (nº 14/50851-0); Modalidade Projeto Temático; Programa INCT; Pesquisador responsável Marco Henrique Terra (USP); Investimento R$ 2.234.701,20.

Artigo científico
SILVA JÚNIOR, L. D. R. S. e NEDJAH, N. Distributed strategy for robots recruitment in swarm-based systems. International Journal of Bio-Inspired Computation. Publicado on-line em 4 mai. 2016.

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