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Carreiras

Desafios para além da pós-graduação

Recém-doutores enfrentam dificuldades para ingressar no mercado de trabalho

William Mur

Está cada vez mais difícil para os jovens doutores se inserirem no mercado de trabalho acadêmico. Não bastasse a concorrência — somente em 2017, mais de 21 mil doutores se formaram no Brasil —, o atual cenário econômico afetou a oferta de vagas para professores e pesquisadores assistentes, e estágios de pós-doutorado, fundamentais para o aprimoramento de habilidades científicas e intelectuais, e aquisição da experiência necessária para estabelecer e gerenciar um laboratório ou grupo de pesquisa. A situação também não é favorável à docência no setor privado. “Muitas universidades particulares evitam a contratação de doutores acima do número mínimo exigido pelo Ministério da Educação para diminuir os custos”, diz o biólogo Hugo Fernandes-Ferreira,  professor do curso de biologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), em Fortaleza.

Enquanto isso, o número de doutores no país cresceu 486% entre 1996 e 2014, de acordo com dados do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Essa perspectiva pouco animadora tende a aumentar a pressão sobre jovens pesquisadores. “O indivíduo passa anos se preparando para ser um pesquisador e, de repente, precisa procurar emprego no mercado de trabalho não acadêmico, colocando-se em uma situação na qual nem conseguiu uma oportunidade como professor ou pesquisador nem tem a experiência desejada pelo mercado de trabalho tradicional”, diz a jornalista Deisy Feitosa, que se dedica a um pós-doutorado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP).

Para enfrentar essa realidade, estudantes têm sido encorajados a considerar a pós-graduação como um período voltado ao desenvolvimento de habilidades e competências que possam ser aplicadas a uma gama diversificada de atividades profissionais. A USP, por exemplo, começou este ano a estruturar mecanismos que auxiliem os estudantes da pós-graduação a desenvolver essas capacidades. “Estamos falando de habilidades voltadas, sobretudo, às questões de comportamento organizacional”, explica Tania Casado, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e diretora do Escritório de Desenvolvimento de Carreiras da universidade.

William Mur

O imunologista Phillipp Kruger, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, publicou recentemente um artigo na revista Nature discutindo como os doutorandos podem se preparar para diferentes carreiras, dentro e fora da universidade. Uma de suas recomendações é que eles aproveitem o período do curso para investir no desenvolvimento das chamadas habilidades transferíveis, aquelas que não são consideradas técnicas e que podem ser empregadas em atividades diversas. Segundo ele, capacidade de liderança, de trabalhar em equipe e desenvoltura no gerenciamento do tempo podem fazer a diferença.

Kruger também sugere que os estudantes entrem em contato com os escritórios de carreiras das suas universidades para saber sobre possíveis formas de atuação no mercado de trabalho e como suas habilidades e preferências podem ser aprimoradas ou adaptadas a outras atividades. “É fundamental que os estudantes invistam, durante o curso, no desenvolvimento de suas habilidades em comunicação e resolução de conflitos, por exemplo”, comenta Tania.

Ela explica que os professores podem orientar os estudantes para que assistam aulas de outros cursos, como administração e psicologia, nos quais essas questões são mais discutidas. “Desde que ingressei na graduação na Unesp [Universidade Estadual Paulista], em 2008, tive apenas um seminário sobre perspectiva profissional para cientistas sociais”, comenta o sociólogo Alex Arbarotti. Ele concluiu o doutorado há três meses na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e tenta voltar à universidade. Conta que submeteu seu currículo a várias instituições privadas de ensino superior antes de terminar a pós-graduação, mas não recebeu resposta.

O número de doutores cresceu 486% entre 1996 e 2014 no Brasil, segundo dados do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos

Diante da falta de perspectiva no mercado de trabalho, alguns doutores optam por voltar à universidade para fazer um estágio de pós-doutorado. Além da pesquisa, em geral, eles respondem pela coordenação de tarefas em laboratório, escrevem artigos científicos, auxiliam alunos e trabalham na concepção de novas linhas de investigação científica. Às vezes isso dá certo, como no caso de Fernandes-Ferreira. Ele ingressou no pós-doutorado em março de 2015, após concluir o doutorado no ano anterior. “Nesse intervalo trabalhei em uma consultoria ambiental, mas a crise estava no auge e esse mercado foi muito afetado. O pós-doutorado veio em boa hora”, diz.

A bióloga Patrícia Tachinardi não teve a mesma sorte. Ela concluiu o doutorado em fisiologia no Instituto de Biociências (IB) da USP em maio de 2017. “Sempre quis seguir a carreira acadêmica e decidi ingressar em um estágio de pós-doutorado”, diz, lamentando ainda não poder contar com uma bolsa de estudos. “Enquanto espero, recorri a outras atividades, como a de professora em uma escola privada e de produtora de conteúdo para livros didáticos.”

“A formação de novos doutores precisa ser conjugada a estratégias que auxiliem sua inserção no mercado de trabalho”, defende Deisy. Ela procurou fazer estágios dentro e fora da universidade durante toda sua vida acadêmica. “Fiz inclusive um mestrado profissional em televisão digital, com a esperança de que isso me abrisse portas na iniciativa privada”, conta. A estratégia deu certo. Depois do doutorado, Deisy foi convidada a colocar seu projeto em prática. “Trabalhei no desligamento do sinal analógico de TV no Brasil. Dois anos depois, fui fazer um pós-doutorado.” Para quem não sabe por onde começar, Deisy dá um conselho: “Investir em uma formação que integre a experiência acadêmica e o mercado de trabalho fora da universidade pode ser um diferencial em momentos de crise”.

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