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Projeto Temático

Patente da LDE atesta reconhecimento à eficácia do novo veículo de quimioterápicos

Um médico brasileiro obteve em novembro último, nos Estados Unidos, a patente de uma partícula artificial que promete aumentar a eficiência do tratamento contra o câncer, beneficiando milhões de pacientes que sofrem da doença em todo o mundo. O endocrinologista Raul Maranhão, do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo, recebeu do Departamento de Comércio americano a patente de uma versão artificial da lipoproteína LDL (partícula do colesterol), batizada de LDE (Low Density Emulsion), capaz de carregar drogas quimioterápicas e levá-Ias seletivamente ao interior das células cancerosas, poupando as células sadias dos efeitos tóxicos do remédio.

O grande problema da quimioterapia, como se sabe, são seus efeitos colaterais. Em geral, o doente de câncer submetido a esse tratamento tem seu sistema imunológico debilitado, sofre danos em órgãos vitais, perde os cabelos. Ocorre que a quimioterapia é tóxica tanto para células malignas quanto para as saudáveis. Não raro, o tratamento necessitaria de doses mais altas do remédio, mas os médicos diminuem a concentração da droga ou suspendem o tratamento, porque os efeitos colaterais se tomam insuportáveis.
A partícula desenvolvida no Incor, uma vez carregada de drogas quimioterápicas, injeta o remédio nas células que precisam ser mortas, mas é escassamente absorvida pelas outras, as que são vitais para o funcionamento do organismo. A promessa é a de um tratamento contra o câncer mais eficiente e, sobretudo, com mais qualidade de vida para o paciente. A patente, obtida no final de novembro, representa um reconhecimento da potencialidade econômica da partícula LDE, cujas propriedades haviam sido anunciadas há dois anos na revista científica Cancer Research.

A LDE foi testada em ratos e, mais recentemente em um grupo de 40 pacientes de câncer. Vinte e quatro eram mulheres que sofriam de câncer na mama. Outros tinham uma doença chamada melanoma múltiplo, um tipo de câncer sangüíneo que destrói a medula. Os primeiros resultados mostram que a LDE é especialmente eficaz no transporte de drogas para o interior dos chamados tumores sólidos, como os de mama. A boa notícia é que, em todos os experimentos, reduziram-se substancialmente os efeitos colaterais da quirnioterapia. “Os efeitos colaterais, como a queda de cabelo e a baixa imunológica são drasticamente reduzidos quando se usa a LDE como veíéulo da quimioterapia”, afirma o médico Raul Maranhão.

O projeto passa agora por uma fase mais ampla de experimentação com pacientes terminais de câncer. Se os bons resultados continuarem se repetindo, a LDE estará pronta para o uso comercial. Falta avaliar a eficiência da partícula carregando mais de um tipo de quimioterápico, e com doses mais elevadas que as usadas atualmente. “Começamos com o limite máximo da terapia quimioterápica, mas já chegamos a aumentar a dose em até 50%, com efeitos colaterais mínimos”, diz Raul Maranhão.

A partícula é uma espécie de cavalo de tróia
Há dois destinos possíveis para a patente da partícula. Poderá ser vendida a uma indústria farmacêutica estrangeira ou aproveitada para se criar uma empresa no país que explore o invento. “Como não se trata de uma droga, mas apenas de um veículo que transporta drogas já existentes, o processo para comercializar a molécula não deve demorar muito tempo”, diz Maranhão. “A molécula é uma espécie de cavalo de Tróia. Parece um presente para as células malignas, mas contém drogas capazes de matá-las”, afirma.

“Na atual fase de pesquisa, Maranhão obteve um auxílio de R$ 710 mil da FAPESP, para projeto temático, concedido no final de 1995. Em paralelo, no mesmo ano ele recebeu um auxílio de R$127 mil, no âmbito do Programa de Apoio à Recuperação e Modernização da Infra-Estrutura de Pesquisa do Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia, com o qual ampliou e renovou equipamentos do laboratório de Lipídeos do Incor. A ajuda da FAPESP não se limita à pesquisa contra o câncer, mas sim ao projeto do Incor com os estudos mais amplos com colesterol, iniciados em 1989, do qual a LDE é apenas um ramo. O pesquisador dedica-se agora, entre outros estudos, a avaliar por que transplantados do coração sofrem um processo acelerado de entupimento das artérias depois de receberem um novo órgão.

Mas que relação pode haver entre um hospital de referência no tratamento de doenças cardíacas e a pesquisa sobre o câncer? Acontece que a aplicação da LDE contra tumores malignos foi descoberta quase por acidente. O interesse do pesquisador era estudar o comportamento do colesterol, as moléculas de gordura cujo acúmulo nas artérias do coração é responsável por boa parte das 500 mil mortes por doenças cardíacas, por ano, no Brasil.

O colesterol é produzido pelo fígado e circula por várias horas no sangue, antes de ser recolhido pelas células, através de seus receptores. Trata-se de uma substância essencial no metabolismo das células, mas é danoso para as artérias quando se concentra na corrente sangüínea. Há pessoas que sofrem de hipercolesterolemia, doença de origem genética, que faz com que o colesterol, ao invés de ser absorvído pelas células, fique vagando em altas concentrações pela circulação. Faltam nesses indivíduos receptores celulares que absorvam o colesterol. Essa disfunção potencializa o processo de formação de placas de gordura nas paredes arteriais, a causa primordial dos infartos.

A LDE foí críada em laboratórío com objetívo de se estudar como o colesterol se comporta no organísmo de índívíduos com hípercolesterolemía. A molécula é muíto parecída com a LDL (Low Densíty Lípoproteín), o colesterol de broxa densídade, também conhecído como “mau colesterol”, em oposição ao HDL (High Density Lipoprotein), o bom colesterol. A diferença entre a partícula artificial e a natural é que a LDE não dispunha de uma proteína que é a chave para absorção do colesterol pela célula, a apoproteína E, ou Apo-E. Com isso, buscava-se reproduzir o que acontece no organismo de uma vítima de hipercolesterolemia, depois de mapear a trajetória da molécula artificial na corrente sangüínea.

O objetivo era esse; mas a pesquisa acabou tomando outro rumo. Em seus experimentos, Maranhão constatou que a LDE, embora com a estrutura modificada, conseguia entrar nas células pelo mesmo mecanismo da LDL. A partícula artificial “roubava” a apoproteína do colesterol presente na circulação. Assim, conseguia ligar-se aos receptores celulares. Foi nesse momento que Maranhão descobriu a potencialidade de sua descoberta para o tratamento de câncer.

Sabe-se que os tumores, constante expansão, têm até 100 vezes mais receptores celulares do que as células normais. É questão de sobrevivência: assim as células tumorais alimentam-se e crescem. Se o LDE carregasse drogas quimioterápicas, invadiria as células cancerosas numa porção muito maior que as células normais. Esse modelo foi testado e Maranhão consta tou que estava certo: a partícula artificial realmente era engolida seletivamente pelos tumores.

A divulgação da pesquisa pela imprensa provocou uma corrida de pacientes com câncer ao Incor. Muitos haviam entendidoque se chegara a uma nova droga ou tipo de tratamento capaz de atingir a cura. Maranhão admitiu alguns destes pacientes em sua experiência, mas viu-se obrigado a esclarecer melhor o significado de sua descoberta. O Incor publicou uma nota nos jornais, esclarecendo que não havia inventado um novo remédio e sim descoberto uma forma de potencializar os efeitos da quirnioterapia, sem os efeitos colaterais que este tratamento provoca.

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