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Engenharia Química

Pau-rosa nº 5

Folhas de árvore da Amazônia garantem a continuidade da produção do perfume Chanel

Eduardo CesarÓleo extraído da folha do pau-rosa (no detalhe) tem cheiro bastante suave e apresenta rendimento e qualidade semelhantes ao obtido da casca da árvoreEduardo Cesar

A lendária frase dita pela atriz Marilyn Monroe de que dormia vestida apenas com algumas gotas de Chanel nº 5 guarda, quem diria, um toque bem brasileiro. O principal ingrediente do famoso perfume francês lançado pela empresa de mademoiselle Coco Chanel em 1921 é o óleo essencial extraído da madeira do pau-rosa, uma árvore nativa da Amazônia. Estimativas indicam que cerca de 500 mil árvores dessa espécie já foram abatidas desde o início da exploração do pau-rosa, o que levou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a incluí-lo na lista das espécies em perigo de extinção em abril de 1992. Para preservar a preciosa madeira, e garantir o fornecimento da matéria-prima para a indústria perfumista, o professor Lauro Barata, do Laboratório de Química de Produtos Naturais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), começou a desenvolver em 1998 um projeto de extração do óleo essencial das folhas que resultou em rendimento e qualidade semelhantes aos obtidos da madeira. “Aprendi que o óleo poderia ser tirado das folhas em trabalhos publicados pelo professor Otto Gottlieb”, diz Barata. Ele se refere a um estudo publicado no final da década de 1960 pelo químico que nasceu na República Checa e se naturalizou brasileiro, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) e lembrado até pela comunidade científica brasileira para concorrer ao Prêmio Nobel. “Aprendi também com a experiência de Raul Alencar, um ribeirinho de 80 anos que sempre viveu dos produtos da floresta e é produtor tradicional de óleo de pau-rosa”, diz Barata. Essas duas referências serviram de base para o seu projeto, financiado pelo Banco da Amazônia (Basa), no valor de R$ 25 mil.

O interesse do professor da Unicamp em estudar a árvore amazônica surgiu em 1997, quando ecologistas franceses iniciaram uma campanha para boicotar os produtos da Chanel por conta da extração do pau-rosa, que tem como nome científico Aniba rosaeodora, e a conseqüente devastação da floresta. Em resposta, a empresa francesa contratou a ONG Pro-Natura, de origem franco-brasileira, que trabalha em parceria com empresas para desenvolver programas de desenvolvimento sustentável. O objetivo era encontrar uma solução que acalmasse o ânimo dos grupos ambientalistas. Barata foi então chamado pela ONG para fazer um diagnóstico da situação da extração do óleo da árvore amazônica. No relatório final, ele ensinava como trabalhar com a produção sustentável do pau-rosa, que começava com o cultivo e o manejo e passava pela extração das folhas. “Fizemos um levantamento inventariando a situação e a empresa se comprometeu a adotar o desenvolvimento sustentável proposto no nosso relatório”, diz Barata. “A solução apontada conseguiu barrar as manifestações programadas.” Mas até hoje eles continuam a comprar o extrato obtido das árvores cortadas inteiras no meio da floresta. A pressão internacional provocou uma retomada das possibilidades de manejo sustentável do pau-rosa e, após uma série de discussões com a participação dos produtores, o Ibama lançou em 1998 uma portaria com diretrizes que regulamentam a extração da árvore.

Extração experimental
A partir do estudo encomendado pela Chanel e com o projeto financiado pelo Basa, Barata fez várias viagens à região amazônica, que resultaram em um trabalho de cultivo do pau-rosa em parceria com o produtor Raul Alencar. Uma área de capoeira – mata que surge depois do desmatamento da floresta original – no município de Nova Aripuanã, no Estado do Amazonas, foi escolhida para abrigar as mudas da planta. Hoje a área tem 10 mil árvores com três anos e meio que já estão no ponto de serem podadas para dar início à extração experimental do óleo. Para a exploração comercial, as podas podem ser iniciadas aos cinco anos para a extração do linalol e no 25° ano a árvore pode ser cortada e extraído o óleo da madeira, desta vez de modo sustentável.

O óleo puro da madeira tem um tom amarelo-dourado. No início possui um aroma forte, meio cítrico, que se sobrepõe aos outros aromas. Com o passar do tempo, outros cheiros agregam-se ao primeiro, compondo uma mescla harmônica, doce e amadeirada. Já o óleo obtido das folhas é de um amarelo quase transparente, com um cheiro bastante suave, sem muitas gradações. Para testar a qualidade do óleo, folhas de diferentes idades, entre cinco e 35 anos, foram coletadas tanto na floresta como em campos de cultivo durante seis meses. A primeira plantação experimental avaliada foi estabelecida em 1990 por pesquisadores da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), no município de Benfica, a 27 quilômetros de Belém, no Pará, em colaboração com as pesquisadoras Selma Ohashi e Leonilde Rosa. Outra plantação estudada fica em Curuá Una, no Pará, onde existem 300 árvores plantadas desde 1973. O óleo extraído das folhas apresentou rendimento e qualidade similares aos da madeira. No item quantidade de óleo obtido das folhas, a variação foi de 0,9% a 1,1%, em média, ou seja, cerca de 10 quilos de óleo por tonelada de folhas, um rendimento semelhante ao extraído da madeira. Em relação ao aroma, o óleo das folhas perde o toque amadeirado. Isso pode ser corrigido em laboratório. “Basta um tratamento físico-químico para que não se note a diferença entre eles”, diz Barata.

Sem revelar o conteúdo do tratamento feito em laboratório, e que pode ser reproduzido industrialmente, ele enviou amostras dos óleos das folhas e da madeira para serem avaliadas por dois representantes no Brasil de casas perfumistas internacionais. Eles disseram que as diferenças entre as duas amostras eram mínimas, e um deles assegurou que a fragrância do óleo das folhas era superior à da madeira.

Hoje a extração é feita apenas das árvores que se encontram na floresta, não em campos de cultivo, que são poucos e experimentais. Para a árvore na floresta chegar ao ponto de corte demora em média de 30 a 35 anos. E para se obter uma tonelada do linalol é necessário derrubar de 25 a 50 árvores. Se o manejo e cultivo forem bem feitos, com a escolha de melhores matrizes, esse prazo cai para 25 anos. Atualmente, a produção anual do óleo de pau-rosa fica em torno de 40 toneladas, o que representa uma pequena fração das 450 toneladas produzidas nos anos de 1950. O declínio na demanda deve-se principalmente à introdução do linalol sintético no mercado nos anos de 1980. Mas mesmo que isso não tivesse ocorrido os produtores, hoje reduzidos a apenas seis, não teriam como dar conta da demanda porque a árvore, que antes se encontrava distribuída por toda a Amazônia, agora se concentra nos municípios de Parintins, Maués, Presidente Figueiredo e Nova Aripuanã, todos no Estado do Amazonas, em um círculo de 500 quilômetros. A espécie já foi extinta na Guiana Francesa, onde começou a ser retirada no início da década de 1920, e logo depois no Amapá e no Pará.

O linalol sintético não substitui o natural, porque a fragrância é de qualidade inferior. Mas serve como base para sabonetes e outros produtos de higiene e beleza. A facilidade em produzir o óleo essencial era tanta que quando o sabonete Phebo foi lançado, em 1930, no Brasil, levava em sua fórmula o óleo de pau-rosa, algo impensável nos dias de hoje pelo preço elevado da matéria-prima. “O linalol também é encontrado em outras fontes vegetais, como o manjericão, mas nenhuma fonte apresenta a qualidade superior do pau-rosa. Enquanto no pau-rosa o linalol representa 80% da composição do óleo essencial, no manjericão essa porcentagem fica em 30%”, explica Barata.

Para extrair o óleo essencial é necessário andar bastante dentro da mata porque as árvores acham-se espalhadas na natureza. Em cada 6 hectares, encontra-se apenas uma. Para localizá-las, cada mateiro embrenha-se solitariamente nas florestas. Quando eles avistam o pau-rosa, a árvore é marcada com um facão com as iniciais do produtor. As que não devem ser derrubadas também são identificadas, uma exigência do Ibama para preservar as matrizes que estão produzindo sementes.

Medida do corte
No verão, outra equipe adentra novamente a floresta para cortar as árvores marcadas. “Só são derrubadas árvores que medem acima de quatro palmos de roda”, conta Barata. A medida de um palmo de roda é feita esticando as mãos abertas, unidas pelos polegares. Os quatro palmos correspondem a cerca de 30 centímetros de diâmetro. Depois que a árvore é derrubada, as toras são cortadas com serrote e carregadas nas costas, amarradas a uma mochila de cipó, até a beira do rio. Lá, elas permanecem até que estejam em quantidade suficiente para serem transportadas de barco até a usina de extração do óleo, o que só ocorre no inverno, quando os igarapés se tornam navegáveis. A extração é feita pelo método de arraste a vapor, com um equipamento semelhante a uma panela de pressão gigantesca de 1.500 litros de capacidade. Por esse processo, o vapor d’água passa pela planta aromática extraindo, condensando e separando suas essências.

Todo o processo, que tem início com a marcação da árvore e termina com a madeira dentro da usina, leva em média um ano. E tem um alto custo, que os donos das usinas, na verdade ribeirinhos que sempre viveram por lá, não têm dinheiro para bancar. Por isso eles vendem a produção antecipadamente para os intermediários, que a revendem para a Europa e os Estados Unidos. Cerca de 90% da produção é exportada. Eles vendem o extrato em tambores de 200 litros para as casas perfumistas ao preço de US$ 300 o litro. Aqui o produtor vende seu produto para o intermediário por US$ 20 o litro. Poucos conseguem exportar direto para as indústrias, sem intermediários. Quando isso acontece, o produtor recebe US$ 60 por litro do óleo. As casas perfumistas do Brasil compram diretamente da matriz, porque as compras são centralizadas. “É uma cadeia enorme e complexa, e quem sai perdendo é o produtor”, diz Barata.

A parceria do pesquisador com os produtores resultou num plano de manejo e extração do óleo das folhas que começa com o cultivo do pau-rosa consorciado com outras culturas. Como a planta precisa ser protegida do sol no início do seu ciclo de vida, uma das soluções é cultivar uma árvore a cada 5 metros, intercaladas com bananeiras. Quando as bananeiras estão no ponto de corte, aos dois anos, o pau-rosa está na fase em que precisa receber sol direto. As bananas já podem ser vendidas e outra leva de bananeiras pode ser plantada e retirada dali a dois anos. E no quinto ano o pau-rosa já começa a dar lucro, com a extração do óleo das folhas. O projeto também testa o plantio consorciado do pau-rosa com plantas aromáticas da Amazônia, como a raiz do vetiver, o cumaru, a copaíba e outras como a andiroba. No início, antes de as mudas do pau-rosa serem transplantadas para o solo, elas são aclimatadas em viveiros protegidas por uma cobertura de folhas de palmeiras de açaí. Quando a palha dessa árvore se decompõe, as plantas estão mais estruturadas e preparadas para receber a luz solar.

Novos caminhos
Para que o projeto dê retorno financeiro, é necessário plantar pelo menos 10 mil mudas de pau-rosa em 30 hectares. O mesmo número de mudas que foi plantado na área cultivada no município de Nova Aripuanã. Outras 10 mil mudas estão no viveiro, esperando o momento de serem transferidas para o campo. Essa quantidade é quase 30 vezes mais do que seria necessário plantar segundo a portaria do Ibama. Para cada tambor de 200 litros exportado o produtor é obrigado a plantar 80 unidades de pau-rosa. Como Raul Alencar exporta, em média, dez tambores por ano, ele teria de plantar apenas 800 mudas.

O projeto de desenvolvimento sustentável do pau-rosa já foi apresentado em vários congressos internacionais e despertou o interesse de empresários brasileiros que não querem, por enquanto, a divulgação de seus nomes. Muitos daqueles que plantam outras culturas também poderiam lucrar com a produção do óleo do pau-rosa. E, se as árvores forem extintas, o próprio mercado consumidor será afetado. Antes que isso aconteça, produtores que sempre viveram dos recursos da floresta procuram novas maneiras de extrair o que dela precisam. O desenvolvimento sustentável foi o caminho escolhido por comunidades amazônicas que vivem dos recursos da extração da andiroba e do açaí, por exemplo, que antes corriam o risco de serem extintos. Hoje o açaí é importante pelo fruto, e não pelo palmito. E o óleo de andiroba é a base de velas repelentes de insetos e de muitos produtos cosméticos. O mesmo caminho que pode ser seguido para a produção do óleo das folhas do pau-rosa.

Um clássico dos perfumes
Lançado no dia 5 de maio de 1921, o Chanel nº 5 faz sucesso até hoje. Símbolo de requinte e elegância, o perfume foi criado por Ernest Beaux, reconhecido como um dos maiores perfumistas de todos os tempos, a pedido de Gabrielle Chanel, mais conhecida como Coco. A estilista queria um perfume de mulher, mas diferente de todos os outros vendidos na época baseados em aromas florais. A fórmula, além do óleo essencial do pau-rosa, leva jasmim de Grasse – uma cidade na região de Provença, na França –, ilangue-ilangue, néroli (óleo extraído das flores de laranjeira), sândalo e vetiver. A composição foi a primeira do gênero que mesclou essências de flores com aldeídos, substâncias obtidas por síntese química. Oito décadas após seu lançamento, o nº 5 continua sendo um perfume clássico e ao mesmo tempo contemporâneo. Há controvérsias sobre a escolha do número 5 para a fragrância. Alguns dizem que esse era o número de sorte de mademoiselle.

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