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Bioengenharia

Prontos para competir

Clube de estudantes prepara equipes para participar de disputa internacional em biologia sintética e enfrenta falta de recursos

Podcast: Otto Heringer

 
     
Um grupo de estudantes da Universidade de São Paulo (USP) especializou-se em organizar equipes para participar de competições científicas internacionais. Desde 2012, o Clube de Biologia Sintética da USP prepara alunos de graduação e pós-graduação, estagiários de pós-doutorado e docentes para disputar a International Genetically Engineered Machine Competition (iGEM), realizada anualmente nos Estados Unidos. Há dois anos, um time que tinha integrantes também das universidades Estadual Paulista (Unesp) e Federal de São Carlos (UFSCar) foi premiado com medalha de bronze pelo projeto que propôs uma forma de diagnóstico de doença renal crônica (DRC) a partir de biomarcadores. Agora, outras duas equipes formadas na USP, em reuniões promovidas dentro do clube, participarão da edição 2016 da iGEM, que será realizada entre os dias 27 e 31 de outubro em Boston.

A competição, lançada em 2004 no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), objetiva incentivar o avanço de pesquisas em biologia sintética, campo que desenvolve dispositivos biológicos, como sensores, equipamentos e softwares, voltados à solução de problemas nas áreas de ambiente, saúde, alimentos e energia. Neste ano, deverá contar com mais de 300 equipes formadas por estudantes e pesquisadores de instituições de ensino superior de todo o mundo. “O Clube de Biologia Sintética da USP funciona como um agregador de pessoas para viabilizar projetos, organizar equipes para competições e promover discussões sobre novas ideias relacionadas à pesquisa em biologia molecular e sintética”, explica Otto Heringer, aluno de graduação em química na USP e um dos coordenadores do clube.

Uma das equipes que participarão da iGEM utilizou lâminas de madeira MDF, chapas de acrílico e moldes de silicone para construir artesanalmente uma cuba de eletroforese e uma microcentrífuga, equipamentos que permitem a separação de moléculas e amostras biológicas em experimentos de laboratório. Um estudo iniciado em janeiro utiliza os aparelhos no desenvolvimento de um curativo para queimaduras com propriedades antimicrobianas. A manipulação genética de microalgas marinhas faz com que sintetizem proteínas de teia de aranha, utilizadas como matéria-prima. O grupo, formado por pesquisadores da USP, da Unesp e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), apresentará os primeiros resultados do trabalho na iGEM. “Uma das categorias da iGEM premia equipes que desenvolvem seus próprios hardwares. Por isso, além de concorrermos com o projeto, esperamos conquistar alguma medalha com os equipamentos que fabricamos”, conta João Vitor Dutra Molino, doutorando da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e integrante da equipe.

Da esquerda para a direita, parte da equipe que irá à competição em Boston: Mireia Mitter, Tiago Lubiana, Allan Tanaka, João Vitor Dutra Molino e Livia Camargo

EDUARDO CESAR Da esquerda para a direita, parte da equipe que irá à competição em Boston: Mireia Mitter, Tiago Lubiana, Allan Tanaka, João Vitor Dutra Molino e Livia CamargoEDUARDO CESAR

Os times que participam da iGEM não precisam necessariamente apresentar resultados finais ou protótipos. No entanto, espera-se que mostrem o que há de promissor no projeto em andamento e os achados preliminares já obtidos. “Começamos a segunda etapa da pesquisa, que consiste em expressar a proteína da teia de aranha em microalgas. Estamos correndo contra o tempo para concluir essa fase até a data da competição”, diz Molino, que já participou de outras edições da iGEM.

Os 25 integrantes da equipe, que inclui professores, pesquisadores e alunos de graduação e pós-graduação, enfrentam não apenas desafios científicos, mas também a dificuldade em conseguir recursos para financiar o projeto e a viagem de parte do grupo aos Estados Unidos. “Tenho contribuído com a equipe entrando em contato com empresas que possam nos ajudar doando dinheiro ou insumos para pesquisa, como reagentes”, conta Lívia Seno Ferreira Camargo, pós-doutoranda na FCF-USP e uma das coordenadoras do time. O primeiro obstáculo da equipe foi a inscrição do projeto na competição. “O valor da inscrição para participar da iGEM é de US$ 5 mil (cerca de R$ 16 mil) por equipe. Conseguimos apoio da multinacional farmacêutica Merck, na Alemanha, que pagou nossa inscrição.”

Os pesquisadores também lançaram uma campanha de financiamento coletivo na internet (crowdfunding) e conseguiram angariar cerca de R$ 5 mil. A USP disponibilizou mais de R$ 20 mil para cobrir despesas de alunos da instituição. De acordo com Lívia, a dificuldade em levantar recursos suficientes ajuda a explicar a baixa participação do Brasil na iGEM. Neste ano, serão apenas três equipes brasileiras disputando prêmios. “Há muitos grupos de pesquisa em biologia sintética no país, com competência para participar da iGEM, mas sem condições financeiras de se inscrever e participar da competição”, informa.

Equipamento de eletroforese feito pelo grupo

EDUARDO CESAREquipamento de eletroforese feito pelo grupoEDUARDO CESAR

Modelo replicado
A USP tem tradição na iGEM graças à organização estudantil. “Uma das maneiras de se organizar é por meio dos clubes, cujo modelo brasileiro nasceu no campus da capital e foi replicado nas unidades de Lorena e Ribeirão Preto, bem como em outras universidades, como a Federal do Amazonas [Ufam] e a Unesp de Assis”, explica Otto Heringer, lembrando que clubes estudantis são comuns em universidades de outros países.

No caso da Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da USP, alunos de graduação e pós-graduação organizaram-se pela primeira vez em torno de um projeto para a iGEM. Sob coordenação do geneticista Fernando Segato, professor da EEL, a equipe trabalha na produção de alcanos, componentes na produção de diesel de petróleo, a partir de bactérias Escherichia coli geneticamente modificadas para resistir aos ácidos graxos. Isso permitiria produzir um óleo livre de oxigênio, aumentando a eficiência dos motores.

O outro projeto brasileiro que participará da iGEM é desenvolvido na Ufam em parceria com a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), em Manaus. O grupo participou da edição de 2014 da competição e foi laureado com medalha de ouro em sua categoria, ao criar uma linhagem de bactérias geneticamente modificadas capazes de detectar, absorver e quebrar compostos de mercúrio presentes na água. A ideia é usar os microrganismos que, de acordo com os pesquisadores, podem ser classificados como máquinas geneticamente modificadas, para livrar os mananciais da Amazônia desse metal pesado, altamente prejudicial à saúde. A contaminação dos rios da região por mercúrio ocorre principalmente por causa de sua utilização na atividade de mineração do ouro.

Agora, a mesma equipe irá a Boston apresentar uma nova etapa do estudo: o protótipo de um biorreator para limpar água contaminada com mercúrio. Para participar da competição, o time arrecadou R$ 42 mil via crowdfunding e conseguiu apoio de empresas privadas: o Google doou R$ 15 mil e a Natura, R$ 13 mil. A Ufam bancou o custo da inscrição e a UEA também ajudou em passagens de avião para seus estudantes. “Envolver alunos de graduação em competições como a iGEM traz benefícios concretos para a formação de novos pesquisadores. Eles passam a se comprometer com o trabalho em equipe e tentam dar sentido prático ao conhecimento aprendido em sala de aula”, afirma Carlos Gustavo Nunes da Silva, professor de engenharia genética da Ufam e coordenador do projeto, que envolve 10 alunos e três professores.

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