Comecei a manifestar os primeiros sintomas da Covid-19 lá pelo dia 28 de abril. Sentia dores no corpo, na cabeça, um pouco de febre, mas nada além disso. Pensei que poderia ser uma gripe, de modo que não dei importância para aquilo.
Estava no meu sítio, em Ananindeua, a cerca de 20 quilômetros [km] de Belém. Lembro-me de que no dia seguinte estava na cozinha cortando um limão- galego para fazer um suco. Só depois de um tempo me dei conta de que não estava sentindo o cheiro da fruta. Esses limões têm cheio forte, marcante, mas não o sentia. Depois, quando tomei o suco, também não senti seu gosto. Comecei a ficar preocupado.
No dia seguinte, 30 de abril, voltei para Belém para fazer uma tomografia, que já estava agendada. Contei para o médico o que tinha acontecido e ele pediu um exame. Colheram amostras das minhas vias aéreas superiores e as encaminharam para análise molecular. Algumas horas depois, o teste confirmou que eu estava contaminado com o novo coronavírus.
Não sei em que momento entrei em contato com o vírus. É possível que tenha sido no Instituto Evandro Chagas, onde, embora aposentado, ainda trabalho. Eu tinha ido lá algumas semanas antes para conversar com alunos da pós-graduação e assinar uns documentos. Soube depois que alguns dos alunos com quem tinha falado estavam com a Covid-19.
Minha rotina mudou completamente desde que recebi o diagnóstico: ia da cama para o sofá, do sofá para a mesa de jantar e, de lá, de volta para cama. Comia porque tinha fome, mas não sentia o gosto dos alimentos. Ao acordar, parecia que eu tinha feito uma caminhada de uns 20 km. Também dormia pouco. Não costumo ter dificuldade para dormir, mas, de uma hora para outra, passei a ter insônia. Foram umas 40 noites maldormidas, sem sequer conseguir cochilar à tarde, o que me deixou ainda mais cansado.
Curiosamente, não desenvolvi alguns dos sintomas clássicos da doença, como dor na garganta e tosse. Em compensação, com o passar dos dias, minha saturação de oxigênio começou a diminuir. Chegou a 88%. Alguns médicos recomendam a oxigenação assistida quando a saturação chega a 92%. Passei a ficar mais cansado e com alguma dificuldade para respirar.
O problema é que sou doente crônico do pulmão. Tenho uma pequena fibrose pulmonar e bronquiectasia, resultado de uma tuberculose que tive na época da faculdade de medicina. Por isso, chegamos a um ponto em que cogitamos a internação. Mas resisti. Receava ir parar em uma UTI [Unidade de Terapia Intensiva].
Meu filho, muito amigo da família que representa a empresa White Martins no Pará, conseguiu dois balões de oxigênio para deixar aqui em casa, por precaução. Felizmente, não precisei usá-los.
Por sorte, Beatriz, minha filha que é fisioterapeuta, me acompanhou durante todo o período em que estive doente, ajudando-me a treinar a respiração abdominal, o que ajudou muito. Rapidamente, minha saturação de oxigênio melhorou.
Em uma decisão conjunta com minha outra filha Barbara, que é médica e faz residência em infectologia, e alguns amigos que também são médicos, decidi tomar a hidroxicloroquina com a azitromicina. Sei que há estudos ressaltando as possíveis implicações desses medicamentos em indivíduos com a Covid-19, mas dois amigos cardiologistas analisaram meu eletrocardiograma e disseram que eu poderia tomá-los sem risco de desenvolver arritmia cardíaca.
Não me incomodei em usar a hidroxicloroquina, mesmo sabendo de suas contraindicações, porque meus amigos e familiares médicos analisaram meus exames e avaliavam meu quadro clínico constantemente. Tinha mais medo de ser internado e ir parar na UTI do que tomar esses medicamentos em casa. Decidi arriscar.
Tomei hidroxicloroquina por cinco dias. Já a azitromicina eu tomei por 11 dias. Tomei também outros medicamentos para controlar a febre, além de vitaminas, sulfato de zinco, para aumentar a imunidade, e um anticoagulante para prevenir problemas de trombose e embolia, uma das causas de morte tardia em muitas pessoas com a Covid-19.
Comecei a perceber alguma melhora 14 dias após o surgimento dos primeiros sintomas. Tive sorte de poder contar com muita gente qualificada me auxiliando e me monitorando em casa o tempo todo. Era quase como ter um hospital privado.
O trabalho, nesse interim, foi completamente interrompido. Atuava mais na supervisão de algumas pesquisas, coordenando-as a distância. Nada muito intenso. Também tinha alguns projetos em avaliação na Fapespa [Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas, do Pará] e no CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico].
Aproveitei o tempo em casa para ler. Li muito, sobretudo romances. Reli A peste, de Albert Camus, O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro, e livros do Mario Vargas Llosa. Estou isolado em casa desde o dia 17 de março. Saio agora mais para ir ao supermercado, ao Evandro Chagas ou à Universidade do Estado do Pará (UEPA), onde coordeno o Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária na Amazônia.
Ainda uso máscara na rua, mesmo sabendo que não preciso, por respeito ao decreto. Estou tentando levar a vida mais ou menos dentro da normalidade agora que sei que já me recuperei da contaminação.
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