Projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) estimam que o processo de acidificação dos oceanos deve se acelerar com o aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, que em parte é absorvida pelo mar. No melhor dos cenários, a queda no pH — indicador de acidez, neutralidade ou alcalinidade — será entre 0,06 e 0,07 até o ano de 2100. No pior, entre 0,30 e 0,32. Em um estudo publicado na revista Coral Reefs, um grupo de pesquisadores do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) analisou como comunidades de organismos da chamada meiofauna de recifes de coral responderão à acidificação dos oceanos. Por meio de simulações em tanques artificiais, eles verificaram que exemplares jovens de minúsculos crustáceos da ordem Harpacticoida tiveram alta mortalidade devido à diminuição induzida do pH da água.
A meiofauna é composta por animais que vivem em estreitos e úmidos labirintos entre os grãos da areia e entre as algas das praias do litoral do Brasil. Nesse ambiente aparentemente inabitado, esses organismos, em geral com menos que 1 milímetro, desempenham um papel importante no ciclo de nutrientes e no fluxo de energia nos ecossistemas aquáticos, contribuindo com a transformação de matéria orgânica decomposta em nutrientes que ficam disponíveis para outros animais.
No estudo, os pesquisadores da UFPE usaram uma estrutura que busca reproduzir as condições naturais em aquários. Neste sistema, chamado mesocosmo marinho, eles coletaram a água do mar por um tubo subterrâneo com cerca de 500 metros de comprimento e a depositaram em tanques que buscam reproduzir a dinâmica da vida marinha. Cada tanque conta com um sensor de temperatura e recebe uma quantidade de CO2, ajustada de acordo com cada experimento. Para este estudo, os pesquisadores analisaram 20.371 organismos da meiofauna, todos coletados nos recifes de coral do Parque Municipal Marinho do Recife de Fora, em Porto Seguro, Bahia.
Os organismos — entre eles crustáceos, poliquetas, tardigrádos e moluscos — foram distribuídos pelos tanques e expostos à acidificação por até 30 dias. A água do mar usada, com pH em torno de 8,1, teve o pH diminuído em 0.3, 0.6 e 0.9 unidades por meio de injeção controlada de CO2. Como o ciclo de vida desses animais é curto, foi possível observar os efeitos da acidificação também nos descendentes produzidos durante o experimento. Apesar de os adultos de algumas espécies de poliquetas e crustáceos não sofrerem fortes impactos, os jovens dos copépodes da ordem Harpacticoida tiveram alta mortalidade.
“Considerando a importância da meiofauna na cadeia alimentar nos ecossistemas de recifes de corais, os resultados sugerem que a acidificação dos oceanos poderá causar impactos significativos — alguns ainda desconhecidos — em algumas espécies da meiofauna”, diz a bióloga Visnu Sarmento, pesquisadora da UFPE e uma das autoras do artigo. “Organismos adultos parecem conseguir lidar mais facilmente com a acidificação. No futuro, porém, poderá ocorrer uma mudança na dinâmica dessas populações porque a fisiologia dos indivíduos mais jovens é muito mais sensível”, diz a bióloga, que também é membro da Rede de Pesquisas Coral Vivo, patrocinado pela Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental.
Segundo estimativas do IPCC, as últimas três décadas foram as mais quentes desde 1850. As concentrações atmosféricas de CO2 aumentaram em 40% desde os tempos pré-industriais, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis e mudanças no uso da terra. Os oceanos absorveram cerca de 30% desse gás que, em contato com a água, desencadeia uma série de reações químicas que levam a diminuição do pH da água do mar, processo que é popularmente conhecido como acidificação dos oceanos.
Artigo científico
SARMENTO, V. C. et al. Effects of seawater acidification on a coral reef meiofauna community. Coral Reefs. v. 34, n. 3, p. 955-66. set. 2015.